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PERSONAGENS:

Aristeu:

É baixo e gordo. Usa roupas discretas, mas durante a peça estará sempre de robe. Pinta os cabelos de preto e os prende em um rabo de cavalo. É afetado, mas sem exagero.

Rodney:

Tem entre vinte e vinte e cinco anos. É alto, forte e bonito. Tenta passar por esperto, mas é um completo idiota. É amante de Aristeu.

Marisa Madey:

Estatura mediana. Usa peruca, maquiagem carregada e muita bijuteria. Suas roupas são coloridas e extravagantes. Foi cantora de sucesso na Rádio Nacional, mas agora está completamente decadente.

Cézinha:

É alto, gordo e careca, por isso usa peruca. Usa roupas largas, tipo bata indiana. Muitos anéis e cordões. É mais afetado que Aristeu. É presidente do Fã Clube da Elvira Martins, rival de Marisa Madey na época da Rádio.

 

CENA:  Sala de um apartamento pequeno (tipo kitchenette). Uma porta lateral dá para fora do apartamento. Do outro lado do palco, duas portas que são a do banheiro e a da cozinha. Uma janela no fundo do palco que dá para a parede do outro prédio. A sala está em desordem com várias caixas, quadros e objetos de gosto duvidoso pelo chão. Como se as coisas estivessem sendo guardadas. Um sofá, uma poltrona e uma mesinha de centro com um telefone em cima completam a cena. Sentado na poltrona está Aristeu. Veste um robe cor de rosa e tem uma toalha rosa na cabeça como um turbante. Está com os pés em cima da mesa. O rosto coberto com um creme branco. Seus olhos estão fechados, ele parece tentar relaxar. Toca o telefone.

 

(DEPOIS DO QUINTO TOQUE, ARISTEU FALA ENTRE DENTES COMO SE NÃO PUDESSE ABRIR A BOCA).

 

ARISTEU: (CHAMANDO) Rodney, o telefone... (PAUSA, O TELEFONE CONTINUA TOCANDO) Rodney... Rodney... O telefone!

RODNEY: (FORA DA CENA) Tô tomando banho!

ARISTEU: (AINDA ENTRE DENTES) Vai ficar tocando. (PAUSA. O TELEFONE CONTINUA TOCANDO) Deve ser a Mamãe. Insistindo assim só pode ser a Mamãe.(...) Mamãe desliga. (...) A secretária atende! (...) Esqueci... Já empacotei a secretária... (...) Mamãe, eu não vou atender. (...) Mamãe! (PAUSA. O TELEFONE CONTINUA TOCANDO. AINDA ENTRE DENTES ELE ATENDE) ALÔ!  Ah! É a senhora, Mamãe? Mamãe, eu não posso falar agora. (...) Porque eu demorei tanto? Porque não posso falar agora. (...) Porque eu estou falando assim? Mamãe, eu ligo para você depois. (...) Mamãe, eu... (...) Não, Mamãe, eu não te odeio. (PAUSA. TAPA O FONE E FALA NORMALMENTE) Saco! (LIMPA O ROSTO COM A TOALHA) Pronto, Mamãe, o que a senhora quer? (...) Eu não tinha nada na boca, Mamãe. O que ia ter na boca? (...) Eu estava falando desse jeito por que eu estava de máscara. (...) Que máscara na boca, Mamãe! (...) Que carnaval, Mamãe! É máscara facial! Minha pele está horrível. Eu estou cansado e a máscara era para relaxar e esticar a pele, mas falando desse jeito eu ia ficar com cara de repolho... (...) Não pode falar quando está de máscara... (...) Enruga... (...) O quê? Máscara facial não é coisa de homem? Ah... Mamãe me poupe! Nós estamos em 1980 e a senhora falando que máscara facial não é coisa de homem... Ah... Por favor... (...) O que eu estou fazendo aqui? Mamãe, eu ainda moro aqui. Estou arrumando as coisas para o apartamento novo. (...) Que apartamento novo? O apartamento que eu comprei, Mamãe. (...) Não esse. O novo. Esse já é meu. (...) Se eu estou gastando muito é problema meu. (...) Eu não sou mal criado, Mamãe. (...) Sei, Mamãe... (...) Eu não estou fazendo a mudança sozinho. O Cézinha vem me ajudar. (...) O Cézinha, Mamãe. Do fã-clube da Elvira. (...) A senhora conhece. É o presidente do fã-clube. (...) É... Diz que vem me ajudar! Sabe como é... (...) Eu levei à senhora no apartamento novo. (...) Claro que levei, Mamãe. (...) Não. Não ia dar certo eu morar aí com a senhora. (...) Porque não, Mamãe. A senhora tem a sua vida, eu tenho a minha... (...) Não! A senhora não é uma velha chata. Ai, meu Deus...

RODNEY: (DE FORA) Aristeu, onde tem uma toalha?

ARISTEU: (TAPANDO O FONE) Na porta do banheiro.

RODNEY: Traz uma toalha!

ARISTEU: (GRITANDO) Na porta do banheiro! (VOLTANDO AO TELEFONE) Alô... (...) Com ninguém, Mamãe. (...) O Cézinha ainda não chegou. (...) Também não era o Rodney. (...) Não era o Rodney, Mamãe. (...) Mas, não era...

RODNEY: (DE FORA) Onde está o desodorante?

ARISTEU: (TAPANDO O FONE) Debaixo da pia!

RODNEY: (DE FORA) Cadê meu desodorante?

ARISTEU: (HISTÉRICO) Cala boca, Rodney. (VOLTA AO TELEFONE. OUTRO TOM) Não era o Rodney, Mamãe. (...) Eu sei que o Rodney não presta e a senhora não gosta dele, mas não era ele que... (...) Eu deixo à senhora falar... (...) Eu não estou falando sozinho, mamãe! Eu não sou maluco! (...) Não era o Rodney. (...) Era... Um amigo... Um amigo meu que está aqui me ajudando... (...) Também não é o Cézinha (...) A senhora não conhece. (...) Outro? Que outro, Mamãe? Eu quero descansar... Eu estou cansado. (...) Como cansado de quê, Mamãe? Eu trabalho muito... Estou de mudança para o apartamento novo... Estou tentando alugar esse... O Cézinha vem aqui! E a senhora sabe como o Cézinha fala. Ah, ele só fala de Elvira... Da Rádio... Das músicas... É Elvira pra cá, Elvira pra lá. Está certo que ele vem me ajudar na mudança para o apartamento novo... (...) Que apartamento novo? Mamãe, eu acabei de falar...

RODNEY: (DE FORA) Aristeu, cadê minha cueca?

ARISTEU: (GRITANDO PARA FORA SEM TAPAR O FONE) Não enche! (VOLTANDO AO TELEFONE) Alô... (...) Não foi pra senhora, mamãe! Foi o Rodney... Hummm... Ah... Quer saber de uma coisa? O Rodney está aqui sim. E ele é meu namorado. Ouviu, Mamãe? NA-MO-RA-DO. MA-RI-DO. Eu sou gay. (...) É VIADO, Mamãe! É isso mesmo. E me deixa em paz. (BATE O TELEFONE) TÔ com a morta hoje!

RODNEY: (SAINDO DO BANHEIRO)T            ava falando no telefone?

ARISTEU: Não... Estava cantando Babalú em Grego!

RODNEY: Quem era?

ARISTEU: Mamãe. Contei para ela que sou gay.

RODNEY: E ela não sabia? Ela é cega?

ARISTEU: (FAZ UMA CARETA PARA O OUTRO E ENTRA NO BANHEIRO) Ai, que bom!  Você lavou o banheiro.

RODNEY: Eu não.

ARISTEU: (VOLTANDO COM UMA TOALHA NA MÃO) Bom... Do jeito que o banheiro está molhado ou você estava lavando o banheiro usando a toalha como pano de chão ou estava tentando se afogar.

RODNEY: (SE VESTINDO) Não enche!

ARISTEU: Vai sair?

RODNEY: Vou.

ARISTEU: Posso saber aonde vai?

RODNEY: Vou levar minha avó para passear...

ARISTEU: Ai, que bonito. Eu vou chorar... Eu vou chorar... Eu tenho que chorar...

RODNEY: Qual é o problema?

ARISTEU: Não é para acreditar na história? Eu acredito.

RODNEY: Você tá doente.

ARISTEU: E essa roupa tão apertada assim? Você vai morrer gangrenado, meu filho.

RODNEY: Engraçadinho.

ARISTEU: Se você não morrer, pode matar a velha...

RODNEY: Por quê?

ARISTEU: Dá para ver até a tua alma com essa roupa! Ela vai querer lembrar o passado com o netinho... Pode não aguentar...

RODNEY: Para com isso. Você tá ficando chato.

ARISTEU: Diz uma coisa: essa Vó foi a que morreu no mês passado? Ah, Não! Todo mundo tem duas avós. Você também deve ter. Não esquece isso, hein? Se você matar essa, acabou.

RODNEY: Mas tem também mãe, pai, tio, tia, primo, prima...

ARISTEU: É verdade. Família. Você tem isso? Deve ter. Olha... Mas essa história de matar não é boa. Matando, acabou. Essa de passear é melhor, pois dá para fazer mais vezes. Ah, mas você pode ir ao cemitério visitar o túmulo.

RODNEY: Você tá me chamando de mentiroso?

ARISTEU: Não. De jeito nenhum. Eu estou insinuando que você mente.

RODNEY: Você sabe que eu não gosto disso.

ARISTEU: Por que será que todo mentiroso não gosta de ser chamado de mentiroso?

RODNEY: PORRA TU É FODA!

ARISTEU: Que beleza! Que frase! Que construção: “POR-RA TU É FO-DA”. Uma frase curta, mas brilhante. Você distribuiu bem os palavrões - um no início e outro no fim. O verbo é que está meio estranho, mas pensa bem: “PORRA TU ÉS FODA”. Não. Não teria a mesma força.

RODNEY: Você tá me gozando?

ARISTEU: Não, você é que está. Aliás, minto. Eu não vejo você fazer isso há muito tempo.

RODNEY: O quê?

ARISTEU: Gozar.

RODNEY: Palhaço.

ARISTEU: É... Realmente eu sou. Todo sábado você tem alguma coisa para fazer: é uma vó que morre, uma tia doente, a prima que vai casar, um amigo que você não vê há anos... É engraçado. Todo sábado... Todo sábado. E só no sábado. Parece promessa. Eu finjo que acredito. Que está tudo bem. Mas hoje é demais. Você não está vendo que eu preciso de você aqui. Tem tanta coisa para fazer. Vem gente ver o apartamento. O Cézinha vem aí, mas eu preciso...

RODNEY: O Cézinha vem aí?

ARISTEU: Se interessou logo, né? Mas eu preciso de um homem forte. O Cézinha só vai ficar olhando.

RODNEY: Você precisa é de um burro de carga.

ARISTEU: Burro já tem, mas pelo visto ele não é de carga.

RODNEY: Olha... Você não me irrita.

ARISTEU: Não me irrita? Você é que ficava me irritando. Por mim, eu continuava morando aqui. Mas você achava pequeno, apertado, sufocante. Trabalhei que nem um condenado para comprar o outro maior. Estou endividado até a alma, mas comprei o apartamento para você...

RODNEY: Pra mim não. O apartamento não está nem no meu nome.

ARISTEU: Você queria que eu botasse o apartamento no seu nome? Você é um escândalo, Rodney. Realmente de burro você não tem nada.

RODNEY: Você não confia em mim. Você acha que eu estou com você por quê?

ARISTEU: Eu ainda não sei. Estou entre o dinheiro que eu te dou, as roupas que eu te dou, ou lugar para morar. Ainda não decidi. Talvez pela comida. Afinal eu cozinho tão bem.

RODNEY: Eu gosto de você.

ARISTEU: Claro. Papai Noel existe e é gay. Conta outra, cara. Você gosta do que eu te dou.

RODNEY: Você não se respeita e nem é coerente.

ARISTEU: Hummmmmm... Falando difícil... O que você entende de respeito e coerência, menino?

RODNEY: Não dá para conversar com você. Você é muito escroto.

ARISTEU: Sou escroto, mas te sustento. (RODNEY FAZ MENÇÃO DE SAIR) Não, você não vai. (SEGURA O OUTRO PELO BRAÇO).

RODNEY: (SOLTANDO-SE E EMPURRANDO ARISTEU) Me larga.

ARISTEU: Seu putinho! Vagabundo!

 

(RODNEY DÁ UM SOCO EM ARISTEU QUE CAI NO CHÃO)

 

RODNEY: Eu vou embora, mas vou voltar! E quando eu voltar, eu vou te encher de porrada! Você vai se arrepender de ter me chamado de putinho!

 

(RODNEY SAI BATENDO A PORTA)

 

ARISTEU: Vai mesmo! Vai... Vai desgraçado... Mas não volta. Se voltar eu é que meto a mão na sua cara. (PAUSA - ESCUTA) Será que ele ouviu essa? Acho que não. (PASSANDO A MÃO NO ROSTO) Tem força esse demônio. Eu tinha que arrumar um homem mais fraquinho. Pelo menos, quando ele me batesse não ia doer tanto. (ENTRA NO BANHEIRO) Cadê o espelho? (VOLTANDO) Eu guardei todos. Foi a primeira coisa que eu guardei. E agora nem posso ver a minha cara. Eu é que não vou desembalar tudo. Mamãe não me deixa fazer máscara, o outro vem e me dá um soco. Minha cara deve estar uma derrota... Ai, e o Cézinha vêm aí. Também o que ele vem fazer aqui? Eu cheio de coisa para fazer. Viado arruma cada hora para vir na casa da gente! Só vem para bisbilhotar... Ih, o outro vai voltar, se encontra o Cézinha aqui bate nele também. Bem feito para deixar de ser metido. (PAUSA) E eu tinha que chamar o garoto de putinho? Já sei, vou dizer que ele se enganou. Eu chamei ele de... Lindinho!  Não vai colar. O homem é burro, mas não é surdo. Aquilo ouve. Parece tuberculoso. Também, eu fui chamar logo de putinho... Se fosse um puto inteiro, mas putinho é triste. Talvez Gigolô... Cafetão... Cafetão, ele ia gostar. Prostituto! Prostituto é chique! Você é um prostituto... Prostituto... (TOCA A CAMPAINHA - ARISTEU DÁ UM PULO) É ele! Mas já voltou? Está doido para dar porrada! (TOCA A CAMPAINHA - ARISTEU CORRE PARA A PORTA - PARA) Tocando a campainha? Deve estar disfarçando para eu abrir e ele meter a mão na minha cara. Também pode estar vindo manso arrependido tocando a campainha de leve... (TOCA A CAMPAINHA) Está ficando nervoso! Também não abro!... Ih, pode ser o Cézinha. Essa droga de porta não tem olho mágico, nem trinco. Eu sempre disse que sem olho mágico e sem trinco não dá certo. Não se pode ver quem está do outro lado: um assaltante, um sequestrador, um estuprador... Hummm... Eu tenho que botar um olho mágico ou um trinco nessa porta... Não sei pra que, eu não moro mais aqui! Quem vier que ponha! (CAMPAINHA). Eu vou abrir. Tomara que seja o Cézinha. (PARA). E se não for? E se for o outro e ele me bater? Eu não tenho dinheiro para a plástica. Não abro. (CAMPAINHA). Como tem gente insistente nesse mundo... Eu podia gritar! E se for o Cézinha. Vai ser um vexame... Calma... Eu tenho que abrir. Respira fundo, conta até dez e... (ESCANCARA A PORTA). Eu te amo! Não me bata por favor!

MARISA: (ENTRANDO) Eu não tenho a menor intenção de bater no senhor...

ARISTEU: Ai... Rô... O quê? Quem é... Quem é você?

MARISA: Eu posso entrar?

ARISTEU: A senhora já entrou. O que a senhora deseja?

MARISA: Eu vim ver o apartamento.

ARISTEU: O quê? O apartamento? Desculpe... Eu pensei que fosse outra pessoa.

MARISA: Eu imagino.

ARISTEU: A senhora ligou? No anúncio pedia para ligar antes.

MARISA: Eu liguei e falei com um rapaz.

ARISTEU: O Rodney... Ele esqueceu... Desculpe. Bem... O apartamento é isso...  Ou... É esse... A sala, a cozinha, o banheiro, acabou.

MARISA: Eu posso dar uma olhada?

ARISTEU: À vontade.

 

(MARISA ANDA PELA SALA. ENTRA NO BANHEIRO E DEPOIS NA COZINHA).

 

ARISTEU: Desculpe a bagunça, mas eu estou de mudança.

MARISA: Não tem importância.

ARISTEU: Tem uma vista ótima.

MARISA: (APONTANDO PARA A JANELA) A parede do outro prédio?

ARISTEU: (PUXA MARISA PELA MÃO E A LEVA ATÉ A JANELA) Nada, boba. Se você debruçar na janela... (DEBRUÇA). Ui! Não debruça muito se não cai. (APONTANDO) Está vendo aquele pedacinho ali? É a praia.

MARISA: É... Uma vista, ou melhor, um pedacinho lindo.

ARISTEU: (OLHANDO MAIS ATENTAMENTE PARA ELA) Desculpe, mas eu acho que conheço à senhora.

MARISA: Ai... Meu Deus. O senhor tem uma caneta?

ARISTEU: Caneta?

MARISA: É. Para o autógrafo.

ARISTEU: Eu não quero seu autógrafo... Ah... Agora que eu estou reconhecendo... A senhora não é a cantora? Marisa Madey da Rádio Nacional?

MARISA: Sou eu.

ARISTEU: Marisa Madey... Marisa Madey... Gente, eu pensei que a senhora tinha morrido.

MARISA: Não morri. Você é meu fã?

ARISTEU: Não, eu sou fã da Elvira. Elvira Martins.

MARISA: Elvira, a pequenininha da voz pequena.

ARISTEU: Não. Elvira, a pequena. Apenas. Aliás, acho bom a senhora ir embora por que o Cézinha vem aí.

MARISA: Quem é Cézinha?

ARISTEU: É o presidente do Fã-Clube da Elvira. Ele não vai gostar nada de encontrar a senhora na minha casa.

MARISA: Mas a Elvira já morreu.

ARISTEU: E daí. O que importa é que ela está viva dentro de nós.

MARISA: Isso é besteira. Não se preocupe. Essas coisas não têm mais importância. Eu abandonei tudo isso agora.

ARISTEU: Agora não. Há muito tempo, meu bem. Estamos em 1980 se fizer as contas...

MARISA: (INTERROMPENDO) Isso não interessa. O tempo é só um fator.

ARISTEU: É mesmo. Para alguns um fator bem chatinho, não é? Mas a senhora querendo alugar esse apartamentozinho?

MARISA: Ele é perfeito para os meus propósitos.

ARISTEU: Que propósitos?

MARISA: Isso é problema meu.

ARISTEU: Não. Engano seu. É problema meu também. O apartamento é meu. A senhora só vai morar aqui. Isso se eu deixar e a senhora pagar.

MARISA: (SUSPIRO) Esses terráqueos são tão cansativos.

ARISTEU: Terráqueos? A senhora não é daqui?

MARISA: Mais ou menos.

ARISTEU: Quando a senhora cantava lá na Rádio Nacional parecia que era daqui. Agora, realmente não está parecendo muito.

MARISA: Eu não gostaria de lembrar esse tempo. Isso é passado, coisas materiais que não ajudam. Eu descobri a minha luz.

ARISTEU: A sua luz? Desculpe, mas só de curiosidade: Qual é a sua luz? (MARISA PARECE NÃO QUERER RESPONDER) Por favor.

MARISA: Bom, já que o senhor insiste. (ENIGMÁTICA) O senhor tem a honra de estar diante da Sacerdotisa - Mor da Ordem Terceira dos Viajantes Saturnianos.

ARISTEU: (A PARTE) Só me faltava essa! (P/ELA) A senhora é o quê?

MARISA: Sacerdotisa-Mor da Ordem Terceira dos Viajantes Saturnianos!

ARISTEU: Saturnianos vem de Saturno? Aquele dos anéis? Por isso é que a senhora usa tanto anel?

MARISA: Isso é sério, meu senhor.

ARISTEU: Agora, me diz uma coisa? A senhora Sacerdotisa, e ainda por cima MOR, vem morar numa kitchenettezinha? A Ordem Terceira deve estar muito pobre...

MARISA: Não me obrigue a dizer os motivos. O senhor pode não aguentar.

ARISTEU: Eu aguento. Hoje eu aguento tudo. Estou de mudança, disse para minha mãe que sou gay, levei um soco, o Cézinha vem aí, a senhora entra me dizendo que é Sacerdotisa. Qualquer coisa que vier eu aguento. Pode falar.

MARISA: Bom... Os Saturnianos estão preparando sua vinda para a Terra.

ARISTEU: Eles vêm para cá? Fazer o quê?

MARISA: Eles vêm nos ensinar o seu modo de vida. Estão muito preocupados com a Terra. Querem nos ensinar as suas relações de amor. Mostrar uma melhor forma de viver...

ARISTEU: E quem disse isso para a senhora?

MARISA: Eu me comunico com eles.

ARISTEU: Que coisa. E a senhora já viu algum deles?

MARISA: Vários.

ARISTEU: Como eles são? Verdes?

MARISA: Não! São louros. Tem aproximadamente dois metros de altura. Fortes. De pele morena e olhos azuis.

ARISTEU: Minha filha, eu quero um agora! Onde tem? Onde? Eles vêm para cá? Pode trazer todos!

MARISA: A data precisa ainda não foi acertada.

ARISTEU: E eles transam? São liberais? Fazem de tudo? Como é que é?

MARISA: O sexo para eles é diferente.

ARISTEU: Hummmm... Como é que é?

MARISA: O contato físico não existe. Tudo acontece através da mente.

ARISTEU: E eles querem ensinar isso aqui. Não vai dar certo. Ainda mais no Brasil. Não vai dar certo mesmo.

MARISA: É muito mais prático.

ARISTEU: Quem está falando de praticidade? Eu estou falando de sexo. Não precisa ser prático. Tem que ser bom. Gostoso. Mas, desculpe a intimidade, a senhora já transou com algum deles?

MARISA: Claro. Eu estou esperando um filho.

ARISTEU: Ah, a senhora está grávida? Não parece. A senhora está meio velhinha para isso. De quantos meses?

MARISA: Estou grávida há dois anos.

ARISTEU: Uma gestação longa! Mas, não cresce nada? A barriga? Onde está a criança?

MARISA: Está no meu cérebro.

ARISTEU: Ainda bem que não cresceu. Ia ficar com um cabeção. Podiam pensar que era tumor.

MARISA: É uma gestação diferente.

ARISTEU: Eu imagino. Agora, para encurtar a história: por que aqui nessa kitchenette?

MARISA: Aqui é um ponto cósmico de ligação entre Saturno e a Terra.

ARISTEU: A kitchenette é um ponto cósmico?

MARISA: Não. Todo o prédio. Será mais fácil a minha ligação com eles.

ARISTEU: Olha, a senhora me faz um favor? Saia porque eu tenho mais o que fazer.

MARISA: O senhor não entendeu.

ARISTEU: A senhora é que não entendeu. Eu estou tendo um dia péssimo. E a senhora ainda vem com essa história maluca. Eu não posso. O Cézinha vem aí. E se ele encontra à senhora aqui, vai ser uma confusão. E ainda tem o Rodney. Se não quer apanhar é melhor ir embora. Depois, a senhora pode querer me pagar telepaticamente e eu não vou querer receber.

 

(ARISTEU ABRE A PORTA E COMEÇA A EMPURRAR MARISA DE LEVE)

 

MARISA: Por favor, meu senhor...

ARISTEU: Por favor, digo eu. Saia.

MARISA: (NERVOSA) Vamos sentar e conversar melhor. Eu lhe explico...

ARISTEU: Vai sentar num cometa. Saia.

MARISA: Meu amigo, o senhor não entendeu...

ARISTEU: Mas que mulher teimosa. (ENÉRGICO) Saia!

MARISA: (GRITANDO) Não... Não... Pelo amor de Deus. Eu não aguento mais. Estou cansada. (CAI NO CHÃO) Por favor,... Por favor...

ARISTEU: (FECHANDO A PORTA) Calma, minha senhora. Não vai parir aqui pelo amor de Deus. (SEGURA A CABEÇA DELA)

MARISA: Ai... Ai... Ai...

ARISTEU: (AJUDANDO MARISA A LEVANTAR E SENTAR) Vou pegar um copo d'água. (SAI)

MARISA: Ai, que vergonha.

ARISTEU: (VOLTANDO COM O COPO) Tome, minha senhora. Calma.

MARISA: (BEBE) Desculpe. Eu não tenho para onde ir. Estou cansada. Passei a noite na rua. Não tinha onde dormir.

ARISTEU: Mas a senhora não é sacerdotisa?

MARISA: Isso é invenção. Para eu explicar essa pobreza que eu vivo. Para eu não ficar louca!

ARISTEU: A senhora está perto disso. Mas a senhora não era cantora famosa? Que loucura é essa?

MARISA: Eu perdi tudo. Fiz muita besteira na vida. E depois quem quer ouvir Marisa Madey da Rádio Nacional. Meus cacarecos estão num guarda-móveis. Eu não tenho dinheiro para tirar. Fui despejada...

ARISTEU: Para. Se não eu vou chorar.

MARISA: Eu não sei o quê fazer...

ARISTEU: Olho, eu gostaria muito de ajudar, mas o Cézinha vem aí. Eu estou querendo ser tesoureiro do fã-clube. Como ele é o presidente, eu tenho que bajular um pouquinho. E se ele pega à senhora aqui, eu não vou ser nem faxineiro...

MARISA: Eu não tenho dinheiro nem para comer...

ARISTEU: E ainda tem o Rodney... A senhora não comeu?

MARISA: Com que dinheiro?

ARISTEU: A senhora deve estar morrendo de fome. Bom, um lanchinho eu faço para a senhora. Um lanchinho rápido.

 

(ARISTEU LEVANTA E VAI PARA A COZINHA)

 

MARISA: Não precisa... Eu já lhe dei tanto trabalho...

ARISTEU: (DE FORA) Trabalho nenhum, Marisa. A senhora faz um lanchinho rápido e depois vai embora.

MARISA: O senhor sabe o meu nome e eu não sei o seu.

ARISTEU: Meu nome é Aristeu. Mas, o seu não é Marisa. É... (LEMBRANDO) Eucledir?

MARISA: É... Eucledir. Tive que mudar. Alguém podia fazer sucesso com esse nome? Aristeu... Era o nome do meu primeiro marido, sabia?

ARISTEU: E é por isso que eu me chamo Aristeu.

MARISA: Ah é?

 

(ARISTEU VOLTA COM DOIS SANDUÍCHES)

 

MARISA: Já fez?

ARISTEU: Era para o Rodney. Eu tenho que ter sempre essas coisas em casa por que ele adora sanduíche. Ai, o Rodney... (PÕE OS SANDUÍCHES SOBRE A MESINHA) O Papai era louco pela senhora. Desde os tempos de menina prodígio. Ia ver a senhora no teatro. Não perdia uma.

MARISA: Eu comecei no circo.

ARISTEU: Ou isso. Vou pegar um suquinho. Come, mulher. Come rápido. (VAI PARA A COZINHA - FALANDO DE FORA) A senhora casou novinha, não foi?

MARISA: Quinze anos mais ou menos.

ARISTEU: Pois é, quando eu nasci a senhora já era casada. Já estava na Rádio Nacional.

MARISA: Eu entrei na Rádio mais ou menos nessa época.

ARISTEU: (VOLTANDO COM O SUCO) Então, o Papai queria uma menina e a Mamãe um menino. E eu nasci. Papai ficou chateadíssimo. Ele queria botar o seu nome na menina aqui. Não se conformava. Ele começou a inventar. Primeiro queria me dar o nome de Mariso. Pode? Mamãe quase morreu. Disse que não, não e não. Ele enlouqueceu: era Marisil, Marisei, Mariseu. Ia ficar Mariseu. Cruz-credo! Então, Mamãe teve a salvadora ideia de dar o nome do seu marido. Que era uma homenagem do mesmo jeito. Papai ficou satisfeito, porque ele adorava o seu marido. Achava ele fino, elegante, educado...

MARISA: Ele dava na minha cara.

ARISTEU: Mentira? É mesmo?

MARISA: Todo dia. Eu odiava aquele homem. Vagabundo. Só era bom de cama, mas depois tomei um nojo dele...

ARISTEU: Parece o Rodney... Ai meu Deus, o Rodney... Come logo isso. Mas por que casou?

MARISA: Meu pai pegou a gente trepando e me obrigou a casar. Disse que eu era uma menina e coisa e tal. Ou Aristeu casava ou morria. Como ele era um covarde casou logo...

ARISTEU: Parece o Rodney mesmo.

MARISA: Quem é esse Rodney que você fala tanto?

ARISTEU: É meu namorado. Um covardão.

MARISA: Então é igual ao Aristeu. Foi só o meu pai ameaçar e ele casou logo com a pura virgem aqui. O meu pai só não sabia que eu já não era mais virgem desde os treze anos.

ARISTEU: Naquela época?

MARISA: Você acha que naquela época ninguém trepava? Que casava todo mundo virgem? Era só no papai mamãe. Conversa.

ARISTEU: Mas seu casamento durou pouco.

MARISA: É. Ele morreu... Acidente. Eu acho que ele se matou.

ARISTEU: Por quê?

MARISA: Ele era metido a machão. Um dia eu cheguei em casa mais cedo e peguei ele na cama com outro homem.

ARISTEU: Não diga. Quem?

MARISA: Aquele cantor. Ed Alonso. Os dois pelados em cima da cama. Um em cima do outro. Quando eles me viram... Que vexame. O Ed não falava nada. Olhão arregalado... Nem se mexia. O Aristeu começou a chorar. Parecia uma criança, se vestia e chorava me pedindo desculpas. E o Ed parado em cima da cama com a bunda para cima.

ARISTEU: E a senhora?

MARISA: Eu não falei nada. Só olhava. Olhava para um depois para o outro. Eu não entendia direito o que estava acontecendo. De repente o Aristeu se desesperou. Começou a gritar. Saiu correndo e pegou o carro. Ele dirigia feito louco. Bateu, capotou, morreu.

ARISTEU: Meu Deus! E a senhora fez o quê?

MARISA: Eu, antes de saber que ele tinha morrido, e ainda com aquele homem de bunda para cima deitado na minha cama... Eu queria dormir... Apagar. Pedi para o Ed sair da minha cama, nem da casa, só da cama e me deitei. Nem vi o que ele fez. Eu queria dormir muito. Uns vinte anos. Acho que não dormi nem uma hora. Vieram me avisar que ele tinha morrido. Eu levantei meio anestesiada, mas me deu vontade de fazer um escândalo. Acabar com o Ed. Ir aos jornais... O diabo! Na época o Ed era cantor galã. A mulherada se rasgava por ele. Hoje é que ele é essa bichona que tá aí. Eu ia acabar com ele. A sorte que eu tive foi contar essa história primeiro para o meu empresário. Ele me aconselhou a não fazer escândalo. Que podia não ser bom para minha carreira. Eu estava em início de carreira e o Ed era um cantor consagrado. Depois o empresário do Ed veio falar comigo. Um tal de Lopes. Um homem gordo, suado, horroroso. Devia comer o Ed também. Ofereceu dinheiro, disse que me ajudava. O dinheiro eu não aceitei, mas a ajuda sim. E calei minha boca chorando pesadas lágrimas de viúva. Eu queria dar uma festa. Detestava aquele homem.

ARISTEU: Coitada. Mas come. Come logo. Pára de falar e come.

MARISA: Imagina se seu pai sabe dessa história? Ele ainda é vivo?

ARISTEU: Não sei... Não vejo Papai desde os meus dez anos. Ele fugiu com uma dona. Eu acho que é por isso que Mamãe não gosta da senhora.

MARISA: Por quê?

ARISTEU: A dona era a sua cara. Vizinha lá de casa no Rocha. Até o nome era o mesmo: Marisa. E era Marisa mesmo. Ela adorava quando confundiam, mas ela era mais velha que a senhora. Bonitona... E Papai também. Forte. Um homem, sabe? Em compensação o marido dela não dá nem para descrever. O fim. Mamãe também era uma lástima. Aliás, não sei o que o Papai viu na Mamãe. Gordinha, baixota, não se arrumava... Não deu outra. A dona vivia lá em casa pedindo para Mamãe fazer roupa para ela. Nessa época Mamãe não costurava pra fora, mas a dona insistia. Queria as roupas iguais as da senhora. Dizia que Mamãe tinha boa mão. Ela terminava fazendo. Um dia eu acordei, já tinha passado a hora do colégio. Tinha um monte de gente lá em casa. A Mamãe só chorava. Um choro de raiva. Nem falava. Só chorava. Demorou anos para ela falar comigo sobre isso. Como se eu já não soubesse.

MARISA: Homem não presta.

ARISTEU: É o que Mamãe sempre diz. Ela passou a costurar para fora e se deu muito bem com isso. Ela chorava um pouquinho, mas depois passou. Eu adorei. Papai era bonitão, mas chato. Vivia pegando no meu pé. Que eu tinha que brincar com os meninos da rua... Que eu vivia em casa. Que eu era isso... Aquilo. Ele sentia que eu era gay. Ainda bem que foi embora. Mamãe nunca mais casou, nem queria saber de homem.

MARISA: Eu casei.

ARISTEU: (RINDO) Mais duas vezes. (OS DOIS RIEM)

MARISA: O Armando, meu terceiro marido, eu não gosto nem de lembrar. Safado. Só queria o meu dinheiro. Eu não o culpo de todo por essa pobreza que eu vivo, mas ele ajudou bastante.

ARISTEU: Se eu não tomar cuidado o Rodney faz a mesma coisa.

MARISA: Mas pelo menos você trepa com ele.

ARISTEU: Se é que pode chamar aquilo de trepar. Sabe quando o homem não está nem ligando? Parece que está se masturbando? Se você não tivesse ali não faria a menor diferença. Se estivesse com uma vaca ou uma cadela acho que ele ia gostar mais. Fica só se olhando no espelho.

MARISA: O Armando era à mesma coisa. Mas o Agenor, meu segundo marido, era um homem. Mais velho... Sério. Bonitão. Uma época boa. Se já não bastasse esse homem maravilhoso, eu estava no auge do sucesso. Era música, festa, dinheiro, roupas... Eu tinha roupa. Muita. Vestidos que eu nunca usei. Tudo dado pelos fãs que...

 

(TOCA A CAMPAINHA)

 

ARISTEU: Meu Deus!  Quem será?

MARISA: Só atendendo para ver. (VAI A DIREÇÃO DA PORTA)

ARISTEU: Não. (SEGURA MARISA) E se for o Rodney?... E se for o Cézinha?

MARISA: Vê quem é.

ARISTEU: Não dá para ver. Não tem olho mágico nessa porta.

MARISA: Que pobreza.

 

(TOCA A CAMPAINHA)

 

MARISA: Pergunta quem é... Se não a pessoa vai ficar insistindo.

 

(ARISTEU VAI CAUTELOSAMENTE ATÉ A PORTA)

 

ARISTEU: Quem é?

CÉZINHA: (DE FORA) É o Cézinha, Aristeu. Abre.

ARISTEU: Ai, o que eu faço?

MARISA: Abre a porta.

ARISTEU: Mas se ele encontra você aqui vai ser um escândalo. Adeus tesouraria.

CÉZINHA: (DE FORA) Abre, Aristeu.

ARISTEU: (P/FORA) Já vai. (P/MARISA) Já sei! Vai para o banheiro. Eu digo que é o Rodney que está no banheiro e despacho ele rápido.

MARISA: Ai, meu Deus.

ARISTEU: Vai logo e não reclama, mulher. (MARISA VAI PARA O BANHEIRO) Se tranca. (RESPIRA FUNDO E ABRE A PORTA DA RUA).

CÉZINHA: (ENTRA PULANDO E SE CONTORCENDO) Ai, demorou...

ARISTEU: Você que demorou. O quê houve?

CÉZINHA: (PULANDO E SE CONTORCENDO) Depois eu explico.

ARISTEU: Por que pula tanto? Está sentindo alguma coisa?

CÉZINHA: Estou apertado para ir ao banheiro. (VAI PARA O BANHEIRO).

ARISTEU: Banheiro! (CORRE E SE COLOCA NA FRENTE DO OUTRO) Não pode!

CÉZINHA: Por quê?

ARISTEU: É... O banheiro... O banheiro está limpo... Acabei de lavar.

CÉZINHA: Você está me chamando de porco?

ARISTEU: Não. Nada disso... Mas que loucura é essa de ir ao banheiro assim correndo?

CÉZINHA: É o remédio para emagrecer que eu estou tomando. É diurético. Um horror. Eu vivo no banheiro.

ARISTEU: Mas que diabo de remédio é esse?

CÉZINHA: Depois eu conto... Tô apertado... Tem alguém aí dentro?

ARISTEU: O Rodney.

CËZINHA: Pede para ele abrir.

ARISTEU: Não posso. Ele deve estar tomando banho... Não gosta...

CÉZINHA: Tem vergonha de ficar nu?

ARISTEU: É isso.

CÉZINHA: Ele não era go-go-boy? Ficava nu na frente de um monte de gente. Vai ter vergonha de ficar nu na minha frente?

ARISTEU: Ele ficou traumatizado. Não consegue mais ficar nu na frente de muita gente. Mais de um para ele é multidão.

CÉZINHA: Mas sou eu só. Não é a torcida do Flamengo.

ARISTEU: Ah, mas eu tenho que entrar também.

CÉZINHA: Mas por quê? Você fica com ciúme? Nem se preocupe... Eu nem olho para ele. Homem de amigo meu, pra mim, é mulher!

ARISTEU: Você quer uma garrafinha? Também tem penico. Quer?

CÉZINHA: Bicha, tendo um banheiro aqui eu vou usar penico? (BATENDO NA PORTA) Rodney, abre. É o Cézinha. Eu estou apertado. Rodney... Rodney... (P/ARISTEU) Ele está ai mesmo?

ARISTEU: Ele é tímido.

CÉZINHA: Tímido? Ele está morto aí dentro. Você matou o homem e trancou no banheiro. Sua louca assassina. (BATENDO NA PORTA) Abre, Rodney. Pelo amor de Deus. Rodney, eu não estou aguentando mais. Está quase saindo, Rodney...

MARISA: (DE FORA - ENGROSSANDO A VOZ) Não posso...

CÉZINHA: O que é isso? É ele?

ARISTEU: Ele está rouco.

CÉZINHA: Está rouco? Está com gogueira. Não é o Rodney que está aí.

ARISTEU: É sim.

CÉZINHA: Não interessa se é o Rodney ou se não é o Rodney. Seja quem for. Que seja Marisa Madey, que Deus a tenha e o diabo a carregue, mas abra pelo amor de Deus.

ARISTEU: (A PARTE) Não é que ele adivinhou?

 

(A PORTA ABRE)

 

CÉZINHA: Graças a Deus.

 

(CÉZINHA ENTRA E DÁ UM GRITO)

 

MARISA: (SAINDO DO BANHEIRO) Aristeu, seu amigo se mijou todo!

ARISTEU: Ai, meu Deus.

CÉZINHA: (VOLTANDO COM A CALÇA MOLHADA) Aristeu essa é a Marisa...

MARISA: Marisa Madey.

CÉZINHA: Marisa Madey... Marisa Madey... Gente, eu pensei que ela tinha morrido.

MARISA: Isso já está ficando irritante.

CÉZINHA: Aristeu, o quê essa mulherzinha está fazendo na sua casa?

MARISA: Mulherzinha não...

ARISTEU: Eu posso explicar.

CÉZINHA: Não tem explicação. Aristeu ponha essa mulherzinha daqui pra fora.

MARISA: Ah, que abusado.

CÉZINHA: Aristeu, ou ela ou eu.

MARISA: Sai você, viado mijão!

CÉZINHA: O quê? Sua ridícula. Quem você pensa que é?

MARISA: Eu sou Marisa Madey!

CÉZINHA: Marisa "MADEIRA"... Cara de "MADEIRA"... Cara de "PAU"!

MARISA: Olha não começa, seu viadinho...

CÉZINHA: Viadinho, não... Eu tenho nome. Eu sou presidente do fã-clube de Elvira Martins...

MARISA: Elvira, "a pequenininha da voz pequena?”

CÉZINHA: Não. Elvira, a pequena. Apenas. Ela era delicada. Ela sabia cantar...

MARISA: Ela sabia era abrir as pernas.

CÉZINHA: Isso é mentira. Você é que é uma despeitada. Uma invejosa.

MARISA: Todo mundo sabia disso. Sabia como ela subiu na Rádio.

CÉZINHA: E você?

MARISA: Eu subi pelo meu talento. Eu sei cantar. Eu tenho voz...

CÉZINHA: Ah... Ah... Ah...

MARISA: O quê? Está dizendo que eu não tenho talento? Meto a mão na sua cara, viado...

CÉZINHA: Vem meter...

ARISTEU: (QUE ESTAVA O TEMPO TODO TENTANDO APARTAR A BRIGA - GRITA) Para! (OS DOIS PARAM E OLHAM PARA ARISTEU) Sentando os dois. (ELES OBEDECEM) Ai, que dia, meu Deus. Deve ser carma que eu estou pagando. Na última encarnação eu fui Lucrécia Borgia. Estou pagando tudo que ela fez. (P/OS DOIS) Vocês não têm vergonha? Dois adultos brigando que nem criança. Brigando por besteira.

CÉZINHA: Besteira não. Ela falou da minha estrela.

ARISTEU: Ela é estrela, mas essa também é. E além do mais isso tudo já passou...

CÉZINHA: Como passou? A Elvira está viva...

MARISA: Tá nada. Ela já morreu.

CÉZINHA:... Está viva dentro de nós. Nos nossos corações.

MARISA: Ai, meu Deus. Agora só falta esse viado chorar.

CÉZINHA: Está com inveja?

MARISA: Inveja de quê?

CÉZINHA: Do amor que eu tenho por ela.

MARISA: Não fala besteira.

ARISTEU: Por que a gente não pensa nisso de uma maneira mais agradável.

CÉZINHA: Eu não tenho que ser agradável com essa mulherzinha.

MARISA: Mas essa bicha é teimosa.

CÉZINHA: Bicha não... Bicha não... Eu não lhe dou essas intimidades.

MARISA: E eu quero ter intimidade com você?

ARISTEU: (GRITANDO) Chega! (TOCA O TELEFONE - ELE ATENDE) Alô. (...) Não tem apartamento nenhum pra alugar... (BATE O TELEFONE - PAUSA - ARISTEU PERCEBE O QUE FEZ) Olha só... Olha só... Olha só o que eu fiz. Parem de brigar que eu já estou ficando maluco.

CÉZINHA: Eu só quero saber o que ela está fazendo aqui?

MARISA: Eu vim alugar o apartamento.

CÉZINHA: Tá mal... Tá mal mesmo...

MARISA: Qual é o problema?

CÉZINHA: Humm... Morar nessa pocilga...

ARISTEU: Peraí... Eu moro na pocilga.

CÉZINHA: Eu não quis dizer isso.

MARISA: Quis dizer o quê?

CÉZINHA: Aristeu, eu não quero mais saber de nada. Não fico embaixo do mesmo teto com essa mulher. Só me chame quando ela for embora. (SAI BATENDO A PORTA)

MARISA: Vai mesmo... Vai... Parece que é doido.

ARISTEU: (SENTANDO) Adeus tesouraria. Que dia, meu Deus. Que dia!  Ainda tem o Rodney...

MARISA: Mas que tem esse Rodney? Ele não é seu namorado?

ARISTEU: É meu namorado. Mas a gente teve uma briguinha. Ele saiu batendo a porta e disse que... Que ia voltar para me bater...

MARISA: Mas você não disse que ele era covarde?

ARISTEU: Covarde para os outros. Comigo ele exercita toda sua valentia. Se eu fosse um rato, uma barata, um extraterrestre ele tinha medo. Mas como eu sou uma bicha, ele mete a mão.

MARISA: Que gente é essa com quem você anda?

ARISTEU: O que você tem com isso? Você é muito abusada.

MARISA: Desculpe.

ARISTEU: Se você não estivesse aqui, nada disso teria acontecido. Essa situação ridícula. Você tinha que sair daquele banheiro?

MARISA: Você quer o quê? O homem mandou o diabo me carregar. E ainda por cima ele estava quase derrubando a porta... Nossa, que ódio esse seu amigo tem de mim...

ARISTEU: É coisa de fã.

MARISA: Peraí... Nós estamos em 1980. Esse tempo já passou. Tem que avisar isso para ele.

ARISTEU: Mas para ele não passou. E você não tem nada com isso.

MARISA: Não me dia que você acredita nesse papo que “a Elvira está viva no coração”?

ARISTEU: Acredito sim. E daí?

MARISA: Você fala de um jeito. Parece que a culpa é minha.

ARISTEU: E a culpa é de quem? Se você tivesse ido embora quando eu mandei...

MARISA: Ninguém manda em mim.

ARISTEU: Ah, não? Você está na minha casa. Não percebeu isso?

MARISA: Eu estou incomodando, não é?

ARISTEU: É.

MARISA: Eu sei. Eu sempre incomodo.

ARISTEU: Ah, não vem de drama que não cola!

MARISA: Não é drama, Aristeu. É verdade.

ARISTEU: Você quer que eu chore agora ou só daqui a pouco?

MARISA: É sério, Aristeu. Você não sabe o que é ter tudo na vida. Ser praticamente uma rainha. Uma deusa. E de uma hora para outra perder tudo.

ARISTEU: Muitas vezes a culpa é nossa.

MARISA: E você acha que eu não sei disso? Eram festas... Fotos... Capas de revistas... Fãs... Flores... Papel picado... Tudo. O que você quer que eu faça?

ARISTEU: Ah... Pense por um lado positivo.

MARISA: É, Pollyanna. E na minha vida? Onde está o lado positivo?

ARISTEU: Bom, na sua vida realmente é meio difícil. Ah, mas você devia... (UM BOLERO ANTIGO COMEÇA A TOCAR NUM APARTAMENTO VIZINHO) Ouve.

MARISA: Bolerão. Esse era dos bons. Do meu tempo.

ARISTEU: (VAI PARA A JANELA) Lembra a minha avó. Ela adorava essa música. A minha avó... Você deveria ter conhecido a minha avó. Ela era uma mulher maravilhosa. Dizia que tinha uma palavra mágica: LINDO!  Uma palavra simples, mas que tem música. Ela que dizia isso. Quando alguém estava chateado ela dizia: LINDO! LINDO! LINDO!  E a gente podia ser o que quisesse. Fazer o que quisesse. Era só imaginar. (OS DOIS SE OLHAM) LINDO! LINDO! LINDO! (CAMINHANDO E FAZENDO POSE) E eu sou uma estrela de Hollywood. Linda, amada, invejada. Os homens caem aos meus pés, mas eu só tenho um amor. Único. Que me ama profundamente. E nós vivemos felizes num lugar maravilhoso como o nosso amor. Que é lindo...

MARISA: LINDO! LINDO! LINDO! E eu volto no tempo. Sou Marisa Madey - A Rainha do Rádio -. Estou num show grandioso. O público delira com a minha entrada. O papel picado cai festejando a minha glória. (CAI PAPEL PICADO NO PALCO TODO) A orquestra toca a minha introdução. (SOM DE ORQUESTRA) Eu sou divina. Eu sou maravilhosa.

ARISTEU: LINDO! LINDO! LINDO! E eu agora sou seu maior fã. Seu amado e seu amante. Você me admira tanto quanto eu te admiro. Nos fascinamos. Beijo tua mão e tua boca... (BEIJAM - SE)

 

(BATEM A PORTA COM VIOLÊNCIA - A MÚSICA E O PAPEL PICADO CESSAM)

 

RODNEY: (DE FORA) Aristeu, abre essa porta.

ARISTEU: É o Rodney. Que eu faço?

MARISA: Abre a porta.

ARISTEU: Ele vai me bater.

RODNEY: (DE FORA) Aristeu, abre!

MARISA: Abre. Deixa de ser covarde.

ARISTEU: Covarde? Você fala isso por que nunca sentiu o peso da mão do Rodney. Aquilo parece que tem chumbo na mão.

RODNEY: (DE FORA) Abre logo!

ARISTEU: Meu Deus...

MARISA: Já sei. Aristeu vai para o banheiro.

ARISTEU: O quê? Ficou maluca?

MARISA: Agora você é que vai para o banheiro. Deixa comigo. Eu te atrapalhei uma vez, mas agora eu vou ajudar. Fica lá dentro, mas cola o ouvido na porta para ouvir tudo que eu falar.

ARISTEU: Mas...

MARISA: Anda Aristeu. (ARISTEU OBEDECE) Se tranca.

RODNEY: (BATENDO NA PORTA) Como é, Aristeu? Não vai abrir não?

 

(MARISA VAI ATÉ A PORTA E ABRE. RODNEY ENTRA).

 

RODNEY: Quem é a senhora?

MARISA: (MISTERIOSA) Não sei se posso dar essa informação.

RODNEY: Hein?

MARISA: Não sei se você resistiria a essa informação.

RODNEY: Onde tá o Aristeu?

MARISA: O corpo dele está ali. (APONTA PARA O BANHEIRO)

RODNEY: O corpo?

MARISA: Sim, o corpo. O espírito está em outro lugar.

RODNEY: Ele morreu?

MARISA: Não. Ele está fazendo uma viagem.

RODNEY: No banheiro?

MARISA: Sim. Uma viagem interplanetária.

RODNEY: No banheiro?

MARISA: Sim. Uma viagem para o meu mundo.

RODNEY: Mas no banheiro?

 

(RODNEY FAZ MENÇÃO DE BATER NA PORTA DO BANHEIRO).

 

MARISA: Não faça isso. Se você o fizer poderá ser fatal. Somente eu posso interromper a viagem.

RODNEY: Mas quem é a senhora?

MARISA: Eu sou a Sacerdotisa-Mor da Ordem Terceira dos Viajantes Saturnianos.

RODNEY: (SEM ENTENDER) Sacerdotisa-Mor?

MARISA: (OUTRO TOM) É a principal. (VOLTANDO AO TOM DE MISTÉRIO) É a poderosa, a única, a absoluta.

RODNEY: O quê a senhora fez com o Aristeu?

MARISA: Ele teve que ser mandado para outra dimensão.

RODNEY: Mas por quê?

MARISA: Ele era muito infeliz. Tinha muita mentira a sua volta. Muita.

RODNEY: Ah, também não é assim...

MARISA: Você é o principal culpado.

RODNEY: Ah, eu não sou o "MOR", não.

MARISA: Então, você não mentia para ele?

RODNEY: De jeito nenhum.

MARISA: Eu vou perguntar para ele. Está vendo esse anel? É o anel da verdade. É o anel com que eu me comunico com outros mundos. E com ele eu posso mandar qualquer um para outra dimensão.

RODNEY: (APAVORADO) Dona, eu não quero ir para outra dimensão. Eu gosto muito dessa aqui. Eu juro. Eu estou dizendo a verdade.

MARISA: Veremos. (P/O BANHEIRO) Aristeu!  Aristeu, você está me ouvindo? Eu passei telepaticamente para você toda a conversa que eu tive com esse rapaz. Agora saia desse recinto e venha para cá. Precisamos conversar.

 

(A PORTA DO BANHEIRO SE ABRE. ARISTEU SAI COM UMA TOALHA ENROLADA NA CABEÇA. ANDA E AGE COMO SE ESTIVESSE EM TRANSE).

 

RODNEY: Aristeu, o quê a "MOR" fez com você?

MARISA: Não adianta falar com ele. Ele só escuta a minha voz.

RODNEY: Porque ele está com essa toalha na cabeça?

MARISA: É... Um turbante para a viagem... Você também vai precisar de um.

RODNEY: Aristeu, fala para a "MOR" que eu só digo a verdade para você.

MARISA: Aristeu sente aqui. Agora diga: Esse homem fala a verdade?

ARISTEU: (FALA LENTAMENTE COM VOZ GROSSA) Eu digo. Eu repito. Esse homem...

RODNEY: Olha lá o que você vai falar.

MARISA: Silêncio. Deixe-o falar. Fala, Aristeu.

ARISTEU: Eu digo. Eu repito. Esse homem...

RODNEY: Para... Para... Para...

MARISA: Cala a boca!  Fala, Aristeu.

ARISTEU: Eu digo. Eu repito...

RODNEY: Ele pode se enganar. Ele já tá meio velho. Às vezes troca às coisas.

ARISTEU: Eu digo. Eu repito: "Meio velho" é a sua mãe.

RODNEY: Ele ouviu?

MARISA: É sinal que o contato já está sendo feito. Fala logo, Aristeu.

RODNEY: Não, dona MOR. Pelo amor de Deus.

MARISA: Fala, Aristeu.

RODNEY: Dona MOR, por favor...

MARISA: Fala!

ARISTEU: Eu digo. Eu repito...

RODNEY: Chega! Eu confesso. Eu minto um pouquinho, mas bem pouquinho...

MARISA: Porque mente?

RODNEY: Eu não posso falar.

MARISA: (MOSTRANDO O ANEL) O anel... Cuidado com o anel...

RODNEY: Eu falo... Eu falo... Eu tô saindo com o Cézinha. Ele jogou o maior lero para cima de mim. Dava presente... Uma graninha... E sabe como é... Uma mão lava a cara...

MARISA: Uma mão lava a outra!

RODNEY: Isso. Todo sábado a gente se encontrava num motel, mas hoje deu o maior rolo. Eu acho que ele marcou comigo, mas o Aristeu disse que ele vinha para cá. Eu não entendi nada. E a senhora sabe como é. Eu não posso perder mais essa bocada.

ARISTEU: (LEVANTANDO E INDO PARA CIMA DE RODNEY) Ah, safado!  Então, você está me traindo com o Cézinha?

RODNEY: O quê é isso? Dona, o que deu nele?

ARISTEU: O que deu? Eu é que vou dar na sua cara já, já...

MARISA: (APARTANDO) Calma, Aristeu.

ARISTEU: Como calma, Marisa? Como calma?

RODNEY: Marisa? Ela não é sacerdotisa?

ARISTEU: Não, ela é Marisa Madey.

RODNEY: Marisa Madey... Marisa Madey... Gente...

MARISA: Já sei. Você pensava que eu tinha morrido.

RODNEY: Não. Nunca ouvi falar.

MARISA: Piorou.

ARISTEU: Ela era cantora da Rádio Nacional. Jogou essa história de Sacerdotisa para cima de você e o imbecil caiu que nem um patinho.

RODNEY: Peraí, imbecil não...

ARISTEU: Cala a boca, se não eu meto a mão na sua cara. Agora quem canta de galo sou eu. Cafajeste, me traindo com o Cézinha. Por isso que aquele desgraçado não saia daqui. Sempre querendo me ajudar. Canalha.

RODNEY: Oh, Aristeu, você tem que entender. Eu precisava de mais essa bocada. Eu tenho estilo. Eu tenho uma posição...

ARISTEU: Estilo? Posição? A posição que você tem é de quatro, seu jumento.

RODNEY: Oh, Aristeu...

ARISTEU: (FURIOSO) Ai!  Cala boca... Cala boca... Ainda dizia que ia levar a avó para passear. A pobre da velha deve estar se rebolando no túmulo...

RODNEY: Ela ainda é viva.

ARISTEU: É? Mas o neto dela está prestes a morrer. Avó... Avó... Quando que aquela bicha é avó. Ela no máximo é tia. Tia velha.

 

(TOCA A CAMPAINHA)

 

ARISTEU: (GRITANDO) Quem é?

CÉZINHA: (DE FORA) É o Cézinha, Aristeu.

ARISTEU: Ahhh... (OUTRO TOM) Calma. Já sei o quê eu vou fazer. Marisa já para o banheiro. E você também canalha. Só vão sair daí quando eu mandar.

MARISA: Esse banheiro tem uma rotatividade.

 

(MARISA E RODNEY ENTRAM NO BANHEIRO)

 

CÉZINHA: (DE FORA) Aquela mulher já foi embora?

ARISTEU: Já, "querido". Eu vou abrir para você. (ABRE A PORTA)

CÉZINHA: (ENTRANDO) Ela já foi embora mesmo?

ARISTEU: Claro, meu "amor"...

CÉZINHA: Nossa... como você demora para abrir a porta.

ARISTEU: É que eu estava arrumando umas coisas, “anjo"... Falando em demorar, porque você demorou tanto para vir me ajudar na mudança?

CÉZINHA: É... Eu? É... Eu fui... Fui levar minha avó para passear e ela se atrasou.

ARISTEU: É mesmo, “paixão"? Que coisa engraçada.

CÉZINHA: Por que?

ARISTEU: Deve estar acontecendo uma passeata de avós pela cidade e ninguém me avisou nada. Está todo mundo levando as velhas para passear. As velhinhas devem estar andando uma atrás da outra...

CÉZINHA: Que história é essa, Aristeu?

ARISTEU: Cézinha, minha "gracinha", me diz uma coisinha: Você ainda tem avó?

CÉZINHA: Claro. Eu fui levar ela para passear.

ARISTEU: E ela anda? Tem perna para passear, ou vai de cadeira de rodas?

CÉZINHA: Por que você está me perguntando isso?

ARISTEU: Não, "benzinho", por que eu acho você velho para ter mãe que dirá avó.

CÉZINHA: Que é isso, Aristeu?

ARISTEU: Nada, "doçura". Cézinha, me diz uma coisa: você sabe onde está o Rodney?

CÉZINHA: Não. Por que?

ARISTEU: Por nada, "candura". Ele deve estar em algum motel vagabundo esperando uma tia velha. Ou talvez uma avó!

CÉZINHA: Por que você está dizendo isso?

ARISTEU: Você já vai saber. (ABRE A PORTA DO BANHEIRO) Podem sair os dois.

 

(MARISA E RODNEY SAEM DO BANHEIRO. OS DOIS TÊM TOALHAS ENROLADAS NA CABEÇA).

 

CÉZINHA: Que palhaçada é essa?

ARISTEU: Vocês querem tirar essas toalhas da cabeça.

MARISA: São turbantes de viagem.

CÉZINHA: Aristeu, que significa isso? Essa mulher ainda aqui, seu traidor.

ARISTEU: Ah, eu que sou traidor? E você é o quê, canalha?

CÉZINHA: Não sei do que você está falando.

MARISA: Essa bicha é falsa. (P/ CÉZINHA) O Aristeu já sabe de tudo!

CÉZINHA: Tudo o quê?

MARISA: Do seu caso com o Rodney!

CÉZINHA: É mentira.

RODNEY: Ah, não é não. É verdade sim. Cuidado com o anel, Cézinha.

CÉZINHA: Cala a boca, idiota.

ARISTEU: Os dois calados. Então, Sr. Cézinha, eu abro a porta da minha casa, como amigo, para o senhor roubar o meu homem.

CÉZINHA: Ah, Aristeu, a carne é fraca...

ARISTEU: A carne não. As pelancas. Sua tia velha... Sua avó de passeio...

CÉZINHA: Eu posso explicar.

ARISTEU: Explicar o quê? E ainda me inventam essa história barata de avó.

RODNEY: Aristeu, você tem que entender...

ARISTEU: Cala a boca, Chapeuzinho Vermelho anabolizada.

CÉZINHA: Aristeu, eu posso explicar tudo.

ARISTEU: Não quero explicação nenhuma. Você me fez até um favor. Ponha-se daqui para fora. E leve esse jumento junto.

RODNEY: Oh, Aristeu, você Tá me botando para fora?

ARISTEU: Ainda pergunta, caricatura do capeta?

CÉZINHA: Aristeu, você trata o Rodney muito mal.

ARISTEU: Eu trato ele mal? Sabe o quê você é Cézinha? Uma bocada. Uma boa bocada. (ABRINDO A PORTA) Saiam.

CÉZINHA: Aristeu esqueça a tesouraria.

ARISTEU: E eu quero saber de tesouraria, sua bocada velha?! Saiam! E não me apareçam mais aqui. (PEGA UMA ALMOFADA E COMEÇA A BATER NOS DOIS. CONFUSÃO. OS DOIS SAEM. ARISTEU BATE A PORTA) Bocada. Desgraçado. O pior que eu também sou uma bocada.

MARISA: Que baixaria.

ARISTEU: Canalhas. O patife trepando com o Cézinha nas minhas barbas.

MARISA: Que confusão que eles fizeram.

ARISTEU: O Rodney deve ter embolado tudo. Aquilo é uma anta.

MARISA: Esquece isso.

ARISTEU: É verdade. Eu tenho que ter mais amor próprio.

MARISA: Bom... Eu acho que já atrapalhei demais...

ARISTEU: Que nada. Você só me ajudou.

MARISA: Você que me ajudou muito, mas eu tenho que ir embora.

ARISTEU: Vai para onde?

MARISA: Sei lá. Eu não tenho dinheiro. Não vou te enganar, eu ia tentar morar aqui de graça.

ARISTEU: Perfeito. Você está sendo sincera. Eu não estou muito acostumado a isso. Vamos fazer o seguinte? Você vai morar comigo no apartamento novo, até conseguir alguma coisa para poder se virar.

MARISA: Eu não tenho dinheiro.

ARISTEU: Eu sustentei o Rodney tanto tempo. Sustentar você por um tempo não vai ser difícil. Vai ser até mais barato.

MARISA: Não... Não... Não ia ser bom. Eu vou seguindo a minha vida. É o mais certo.

ARISTEU: Tem certeza?

MARISA: Claro. (FAZ POSE. TOM DE MISTÉRIO) A Sacerdotisa volta a atacar. (TOM NORMAL) Quem sabe eu encontro um otário que caia na minha história...

ARISTEU: (RINDO) Você é doida. Mas olha, se a coisa apertar e só me procurar.

MARISA: Obrigada Aristeu. Te cuida.

ARISTEU: Marisa, me dá teu autógrafo?

 

(MARISA SORRI. PEGA UM PAPEL E UMA CANETA NA BOLSA ESCREVE E ENTREGA A ARISTEU).

 

ARISTEU: Olha, eu vou te confessar uma coisa: Eu sempre gostei mais de você do que da Elvira. Era só uma coisa da Mamãe.

 

(MARISA DÁ UM BEIJO NA TESTA DE ARISTEU E SAI. ELE FECHA A PORTA, SUSPIRA E COMEÇA A ARRUMAR AS COISAS DO LANCHE. TOCA O TELEFONE).

 

ARISTEU: Alô. (...) Mamãe, é a senhora? Mamãe desculpe. Eu não queria dizer aquilo... (...) Aquilo o quê? Como aquilo o quê, Mamãe? No telefone, quando eu falei com a senhora... (...) Eu sei... Também te amo, Mamãe. (...) Mamãe, a senhora não imagina o que me aconteceu hoje. Se eu contar a senhora não vai acreditar... (COMEÇA A RIR)

 

FIM

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