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CONTOS DO
TEMPO

NOTA DO SITE:

É muito difícil identificar de onde uma história popular se originou.

A divisão por continentes, países e regiões é para dar uma ideia da disseminação geográfica das narrativas.

FLOR DO TEMPO

Conto Peruano

Era um casal muito pobre. Eles viviam numa cabana, no meio da estrada, com sete filhos. Nem me perguntem como eles conseguiam viver, porque eram realmente muito pobres.

Uma noite, batidas na porta e um desconhecido que pedia pousada. O casal não queria deixar entrar. Eles tinham vergonha de sua pobreza. Mas... A cidade estava tão longe e a noite tão alta... Que eles permitiram.

O desconhecido entrou e dormiu. No dia seguinte, ofereceu moedas de prata e pediu o filho mais velho do casal. Que o levaria, daria boa educação e ele voltaria como homem de grande proveito. O casal não queria deixar. Tinha medo de nunca mais ver seu filho. Mas pensaram que o menino poderia ter mais sorte do que com eles ali. E as moedas de prata ajudariam na criação dos outros filhos. Então, eles aceitaram.

O tempo passou... Lentamente...

O casal nunca mais viu seu filho.

Outra noite, batidas na porta e um desconhecido que pedia pousada. O casal não queria deixar entrar. Tinha saudades de seu filho mais velho. Mas... A cidade estava tão longe e a noite tão alta... Que eles permitiram.

O desconhecido entrou e dormiu. No dia seguinte, ofereceu moedas de prata e pediu o segundo filho mais velho. Que o levaria, daria boa educação e ele voltaria como homem de grande proveito. O casal não queria deixar. Tinha muita saudade de seu outro filho. Mas pensaram que esse menino também poderia ter mais sorte do que com eles ali. E as moedas de prata ajudariam na criação dos outros filhos. Então, eles aceitaram.

O tempo passou... Lentamente...

Um a um os filhos do casal foram levados.

Até que restou apenas o filho mais novo do casal.

E uma noite, batidas na porta e um desconhecido que pedia pousada. O casal não queria deixar entrar. Mas o caçula falou:

 

- Mãe e pai, eu sou esperto! Eu vou descobrir o que aconteceu com meus irmãos! Eu vou trazer eles de volta!

 

O casal reluta, mas terminam aceitando.

O desconhecido entrou e dormiu. No dia seguinte, ofereceu moedas de prata e levou o caçula.

Homem e menino andaram, muito tempo, na estrada. Eles entraram numa floresta. Caminharam ainda mais. Até que apareceu uma grande pedra. O desconhecido fez um gesto mágico e a pedra se abriu. Eles entraram. Era um túnel. Eles caminharam muito tempo até que saíram do túnel e chegaram numa praia. Uma praia estranha. A areia escura. O mar quieto. Sem ondas, sem vento. O menino olhou a distância e viu, no meio da bruma, vultos. Eram corpos distorcidos. Barbas compridas. O desconhecido falou:

 

- Esses são meus hospedes antigos. Você deve tomar conta deles. Mas atenção: você não deve falar com eles de maneira nenhuma, senão uma grande desgraça cairá sobre todos nós.

 

O tempo passou... Lentamente... E silenciosamente...

 

O menino ficou tomando conta dos vultos.

Um dia, ele escutou um gemido vindo de um dos vultos. O menino perguntou o que estava acontecendo e o vulto quis saber quem era ele. O rapaz contou toda sua história. E o vulto, o velho, começou a chorar:

 

- Não vê? Não percebe? Somos nós, seus irmãos! Foge daqui! Foge! Se não a mesma coisa vai acontecer com você!

 

O menino insistiu que queria ajudar. Então o vulto, o velho, falou:

 

- Se você quer ajudar, vai precisar de muita coragem. Segue por esse caminho. Vai andar muito tempo, até encontrar um jardim estranho. Nesse jardim, você tem que encontrar a flor do tempo. Depois, mais coragem ainda, você deve procurar uma coruja com o pio triste. Passe a flor do tempo nos olhos da coruja. Depois, venha para a praia e passe a flor nos nossos olhos, que nós voltaremos a ser jovens.

 

Assim foi dito. Assim foi feito.

O menino andou, por muito tempo, até encontrar um jardim. Era um lugar estranho. Formas distorcidas. Cores esmaecidas. No meio do jardim, uma menina linda. Mais bonita ainda porque tinha cabelos azuis. Ela segurava uma bola de ouro.

 

- Você veio brincar comigo?

 

O menino falou que sim, mas que antes precisava encontrar a flor do tempo. A menina apontou para o chão e o rapazinho viu uma flor linda com pétalas transparentes. Ele colheu a flor do tempo e, num ímpeto, passou a flor no seu olho esquerdo.

Tudo desapareceu.

Quando ele deu por si, estava novamente na casa dos seus pais. Seus irmãos brincavam a sua volta. Muito jovens. Ele mesmo era um bebê. Estava num berço. O menino tentava entender o que estava acontecendo quando... Batidas na porta e um desconhecido que pedia pousada. O menino tentou avisar para os pais não abrirem a porta, mas de sua boca só saia grito e choro. Era apenas um bebê.

Tudo aconteceu de novo. Um a um os filhos do casal foram levados.

Até que restou apenas o filho mais novo. E uma noite... Batidas na porta, um desconhecido, choro de pai e mãe, moedas de prata, homem e menino na estrada, uma floresta, uma pedra, um túnel, uma praia, vultos, um caminho, um jardim e uma menina linda. Mais bonita ainda porque tinha cabelos azuis.

 

- Você veio brincar comigo?

 

O menino olhou para o chão e viu a flor do tempo. Ele colheu a flor e, num ímpeto, passou no seu olho direito.

Tudo desapareceu.

Quando ele deu por si, estava num castelo diante de um espelho. Não era mais um menino. Era um homem com roupas de gala. Um homem de grande proveito. Ao seu lado estava uma mulher linda. Mais bonita ainda porque tinha cabelos azuis. A mulher pegou na sua mão e eles caminharam pelo palácio. Ricamente decorado. Ouro, prata, mármores, cristais. Eles desceram por uma grande escadaria e chegaram num salão. Lá o menino homem viu sua família. Seus irmãos acompanhados por mulheres. Seu pai e sua mãe muito velhos. A mulher de cabelos azuis o conduziu até um berço onde ele viu um bebê com roupas de batizado.

- Será meu filho? Quem será?

 

Ele estava quase pegando a criança quando, batidas na porta e um criado anunciou:

 

- Senhor, o cavalo está pronto. É hora de partir.

 

O menino homem pensou:

 

- Partir? Não sei para onde... Não sei o que está acontecendo...

 

 Ele percebeu que ainda tinha na mão a flor do tempo e a passou no seu olho esquerdo.

Tudo desapareceu.

E ele se viu novamente no jardim. A sua frente, a menina de cabelos azuis que levava na mão uma coruja com o pio triste. O menino passou a flor do tempo nos olhos da coruja que imediatamente se transformou no homem desconhecido:

 

- O que você quer de mim?

- O que eu quero? Eu quero que você liberte meus irmãos! Eu quero que você deixe minha família em paz!

- Apenas um desejo será atendido.

 

O homem desconhecido falou isso e desapareceu numa cortina de fumaça.

O menino correu para a praia e passou a flor do tempo nos olhos de seus irmãos que voltaram a ser jovens. E todos retornaram para casa dos pais.

O tempo passou... Lentamente...

O menino cresce e vira um homem.

Um dia, ele está no seu castelo diante de um espelho. Um homem com roupas de gala. Um homem de grande proveito. Ao seu lado está sua mulher linda. Mais bonita ainda porque tem cabelos azuis. A mulher pega na sua mão e eles caminham pelo palácio. Ricamente decorado. Ouro, prata, mármores, cristais. Eles descem por uma grande escadaria e chegam num salão. Lá o homem menino vê sua família. Seus irmãos acompanhados por suas cunhadas. Seu pai e sua mãe muito velhos. A mulher de cabelos azuis o conduz até um berço onde ele vê seu filho com roupas de batizado. Ele vai pegar a criança quando... Batidas na porta e um criado que anuncia:

 

- Senhor, o cavalo está pronto. É hora de partir.

 

O homem menino olha para sua família que olha para ele com tristeza. Ele vai até a porta, abre e vê, ao longe, o desconhecido que o espera.

 

(RECONTO DE AUGUSTO PESSÔA)

O COBERTOR DO MEU AVÔ

 

Um menino nasceu e o avô, que era um grande alfaiate, quis dar um presente. Entre linhas, carretéis e tecidos, ele conseguiu fazer, para o neto, um cobertor para que ele fosse ninado para dormir.

O tempo passou. O menino engatinhou, depois começou a andar e a brincar. Sempre com o cobertor para lá e para cá. Tanto andou e brincou, que o cobertor ficou todo estragado. E a mãe falou:

 

- Meu filho, larga isso! Esse cobertor está velho!

 

Mas o menino não queria:

 

- É o cobertor que meu avô fez para mim. Vou pedir para ele consertar!

 

O menino foi e encontrou o seu avô no meio de tecidos, carretéis e linhas. O homem olhou para o cobertor, virou e mexeu. Começou a cortar e conseguiu fazer uma calça e um casaco para o neto. O menino ficou feliz.

O tempo passou e o menino não tirava aquela roupa. Tanto brincou, correu e pulou, que a roupa ficou toda estragada. Até que a mãe falou:

 

- Meu filho, larga isso! Essa roupa está velha!

 

Mas o menino não queria:

 

- É a roupa que meu avô fez para mim. Vou pedir para ele consertar!

 

O menino foi e encontrou o seu avô no meio de tecidos, carretéis e linhas. O homem olhou para a roupa, virou e mexeu. Começou a cortar e conseguiu fazer um colete para o neto. O menino ficou feliz.

O tempo passou e o menino não tirava aquele colete. Tanto brincou, passeou e estudou, que o colete ficou todo estragado. Até que a mãe falou:

 

- Meu filho, larga isso! Esse colete está velho!

 

Mas o menino não queria:

 

- É o colete que meu avô fez para mim. Vou pedir para ele consertar!

 

O menino foi e encontrou o seu avô no meio de tecidos, carretéis e linhas. O homem olhou para o colete, virou e mexeu. Começou a cortar e conseguiu fazer uma gravata para o neto. O menino ficou feliz.

O tempo passou e o menino não tirava aquela gravata. Tanto estudou e trabalhou, que a gravata ficou toda estragada. Até que a mãe falou:

 

- Meu filho, larga isso! Essa gravata está velha!

 

Mas o menino não queria:

 

- É a gravata que meu avô fez para mim. Vou pedir para ele consertar!

 

O menino foi e encontrou o seu avô no meio de tecidos, carretéis e linhas. O homem olhou para a gravata, virou e mexeu. Começou a cortar e conseguiu fazer um botão para o neto. O menino ficou feliz.

O tempo passou. Passou bastante. O menino cresceu. Virou homem, casou e nasceu seu primeiro filho. Não encontrou mais o seu avô no meio de tecidos, carretéis e linhas. Mesmo assim, com cuidado, ele pediu a sua esposa que costurasse o botão no cobertor de ninar do seu filho. E o botão, já velhinho, ficou bonito enfeitando o sono do seu filho.

 

ADAPTAÇÃO DE AUGUSTO PESSÔA

O RELÓGIO DE NASRUDIN

 

Era uma vez, um homem chamado Nasrudin. Ele morava com sua mulher numa casinha bem ajeitada e os dois pareciam felizes. Só tinha um problema. O Nasrudin não conseguia parar em nenhum emprego. Não que ele fosse preguiçoso ou imprestável. Era um bom trabalhador. Respeitava e era querido pelos colegas de trabalho. Os patrões também gostavam dele, mas a questão é que ele sempre chegava atrasado. Não conseguia nunca chegar na hora. Por mais que ele tentasse. E os patrões terminavam despedindo o Nasrudin apesar de gostarem dele.

 

- Você é um bom funcionário, mas não consegue cumprir os horários. Assim não dá!

 

O Nasrudin ficava chateado, mas não sabia o que fazer. O problema é que ele também começou a perder os amigos. Marcava um encontro para bater um papo ou para ir a algum lugar, mas ele sempre se atrasava. No início os amigos não ligavam. Aceitavam esses atrasos. Mas, como ele sempre se atrasava, alguns começaram a se chatear. Diziam:

 

- Você nunca chega na hora? Assim não dá!

 

O Nasrudin não sabia o que dizer. Com o tempo, os atrasos foram acontecendo sempre e os amigos reclamavam cada vez mais:

 

- Ah! Não combino mais nada com você! Você não respeita nem os horários, nem os amigos! Assim não dá!

 

E o Nasrudin foi ficando sozinho. Os amigos não o procuravam e nem adiantava procurar. Os amigos estavam realmente chateados.

A coisa foi ficando pior quando os seus horários começaram a se desencontrar com os da sua esposa. Ela marcava para encontrar com ele, mas o Nasrudin nuca chegava na hora. A esposa não ficou só chateada. Ela quis resolver o problema de qualquer jeito:

 

- Nasrudin! Você não me respeita! Não chega nunca nos horários combinados! Ou você dá um jeito nisso, ou eu vou embora daqui. Você nunca mais vai me ver! Assim não dá!

 

O pobre coitado não sabia o que fazer. Não conseguia se acertar com o horário. Não podia ser só pela correria do dia-a-dia. Devia ter outro culpado. O Nasrudin ficou pensando e a sua esposa continuava a reclamar:

 

- Nasrudin, nossos horários não batem, esse seu relógio está sempre errado, você não vai tomar uma providência?

 

Foi aí que o Nasrudin entendeu. Ele sempre acertava seu relógio de bolso pelo grande relógio de parede que tinha na sala. Mas esse relógio de parede vivia desregulado, ora estava adiantado, ora estava atrasado. A culpa era do relógio de parede. O Nasrudin foi até os fundos da casa, voltou com uma caixa de ferramentas e pegou o martelo. A mulher ficou assustada e perguntou:

 

- O que você vai fazer, homem de Deus?

 

E o Nasrudin respondeu:

 

- Vou acertar o meu relógio!

 

 O homem bateu com toda a força no relógio de parede. Na mesma hora, o mecanismo se quebrou e os ponteiros pararam. A mulher ficou de boca aberta:

 

- Nasrudin?! Agora o relógio nunca mais vai funcionar!

 

E o homem respondeu:

 

- Engano seu. Antes, o nosso relógio estava sempre errado. Agora, pelo menos, duas vezes por dia, ele vai marcar a hora certa.

 

E acabou a história.

 

 

Adaptação de Augusto Pessôa

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