PERSONAGENS:
-
PEDRO
-
PAULO
-
MARIA
CENA: O cenário é o quintal de uma casa com uma árvore sombria (que pode ser feita com pernas cenográficas), varal, caixas de papelão, baldes, engradados com garrafas. Os objetos de cena serão retirados desses materiais. A cena começa. Entram as bruxas. As bruxas vestem roupas coloridas e usam meia máscara. Dão gargalhadas e começam uma dança como se estivessem num ritual. Elas tocam, cantam e dançam.
MÚSICA: QUANDO SOPRA O VENTO
TODOS: Mistura rabo de rato com perna de saci
Põe um olho de cobra e unha de quati
É chegada a hora! Chegou o momento!
Hora da assombração! Quando sopra o vento.
UUUUUUUUUUUUU / UUUUUUUUUUUUUUU
BRUXA 1: Olha que arrepio! Olha o medo que dá!
Quem é que tem coragem? Quem é que vai ficar?
BRUXA 2: É chegada a hora! Chegou o momento!
Hora da assombração quando sopra o vento.
BRUXA 3: As bruxas se encontram nessa hora e lugar
Vem de toda parte! Vem pra infernizar!
TODOS: Mistura rabo de rato com perna de saci
Põe um olho de cobra e unha de quati
É chegada a hora! Chegou o momento!
Hora da assombração! Quando sopra o vento.
UUUUUUUUUUUUU / UUUUUUUUUUUUUUU
(UMA DAS BRUXAS TIRA A MÁSCARA. É UMA MENINA – MARIA. A MÚSICA PÁRA. AS OUTRAS BRUXAS PARAM DE DANÇAR).
MARIA: (TIRANDO A MÁSCARA E A CARACTERIZAÇÃO DE BRUXA) Pára, gente!! Que besteira!!
(AS OUTRAS BRUXAS TIRAM AS MÁSCARAS E SUAS CARACTERIZAÇÕES – SÃO PEDRO E PAULO)
PAULO: Que foi, Maria?
PEDRO: É! O quê foi que aconteceu?
MARIA: A gente não veio aqui pra contar história de assombração? Precisa dessa palhaçada toda? Precisa?
PAULO: Ah, Maria, tem que ter um clima...
MARIA: Que mané clima??
PAULO: Poxa, Maria!! O Pedro veio lá do prédio dele pra brincar aqui no nosso quintal e você dá uma dessa? No prédio dele não tem quintal!!
PEDRO: Mas tem “PLAY”! A gente brinca no “PLAY”!!
MARIA: Ainda não entendi. Vocês disseram que a gente vinha aqui pra fora pra contar história de assombração, não é?
PAULO: Então, Maria... pra isso precisa ter um “clima”, sacou?
PEDRO: É, Maria. Pra isso a gente veio aqui pra fora. Pra debaixo da árvore.
MARIA: Não sei pra quê que a gente veio aqui pra fora pra debaixo dessa árvore. Podia contar história lá dentro de casa...
PAULO: E você não sabe que é embaixo das árvores que as bruxas se encontram pra contar suas maldades? Que essa é a hora que sopra o vento? UUUUUUU!!
PEDRO: A hora da assombração!!! UUUUUU!!!
MARIA: Eu não acredito em bruxa! Esse negócio de bruxa é uma bobagem!
(PAULO VAI POR TRÁS DE MARIA E LHE DÁ UM SUSTO)
PAULO: BUUU! Olha a bruxa!
MARIA: Ai! (VÊ QUE É PAULO QUE A ASSUSTOU) Ih, vai procurar o quê fazer, menino!!
(PEDRO E PAULO COMEÇAM A RIR)
PAULO: Viu? Você bem se assustou!
PEDRO: Bem se assustou com a BRUXA!!!
MARIA: Pedro, eu não me assustei com bruxa nenhuma. Eu me assustei com o bobão desse meu irmão. Não acredito nessas coisas. E nessa árvore não tem bruxa nenhuma. É a árvore que eu e o Paulo brincamos todo dia de manhã.
PEDRO: Mas de noite...
PAULO: A meia-noite... na hora que sopra o vento...
PEDRO: As bruxas vêm até aqui pra contar suas histórias terríveis! Contar todas as maldades que elas fizeram pelo mundo.
MARIA: Já falei que eu não acredito nisso! E o vento não sopra só a meia-noite!
PEDRO: Quer dizer que você não acredita em fantasma, nem em visagem?
MARIA: Que é isso? VISAGEM?
PAULO: É fantasma!
MARIA: Nunca ouvi falar nisso!
PEDRO: A minha madrinha chamava de visagem, não chamava de fantasma. Ela morria de medo de visagem!
MARIA: Pois então, eu não acredito, nem tenho medo de VISAGEM, nem de fantasma, nem de bruxa!
PEDRO: Então, o que você veio fazer aqui, Maria?
PAULO: É. O que você veio fazer aqui?
MARIA: Vim ouvir essas histórias bobas que vocês tem pra contar.
PAULO: História boba não...
PEDRO: (COM VOZ CAVERNOSA) História de assombração!!!
MARIA: (ENCOLHENDO OS OMBROS) Nem te ligo farinha de trigo!
PAULO: Quero ver se você não vai ligar mesmo depois que a gente começar...
MARIA: Pois então começa logo!
PEDRO: Pois então á agora! Quando sopra o vento!! A hora das histórias terríveis!! Eu vou contar uma das mais terríveis! Uma história que a vovó me contou: OS TRÊS FIOS DE CABELO DE OURO DO DIABO!
(PEDRO COMEÇA A CONTAR. MARIA E PAULO TIRAM ADEREÇOS DAS CAIXAS DE PAPELÃO E SE TRANSFORMAM NAS PERSONAGENS – PRINCESA E RAPAZ).
PEDRO: Essa história quem me contou foi a minha vó Ana....
MARIA: Ela é nossa vó também, Pedro!
PAULO: Deixa ele contar, Maria!
PEDRO: Bom.... como eu ia dizendo... Quem me contou essa história foi a NOSSA vó Ana! E contou numa noite escura como essa. E a vó Ana não mente. Só fala a verdade! E ela contou essa história de arrepiar os cabelos. E a história era assim: Diz que tinha um rapaz (APONTA P/ PAULO) que era apaixonado por uma princesa (APONTA P/ MARIA). Era um amor bonito que dava gosto de ver. (OBSERVANDO A CENA ELE PEGA ADEREÇOS E SE TRANSFORMA NO REI. DEPOIS PEGA UMA GARRAFA E FAZ UM CHOCALHO COM ELA. A INTERPRETAÇÃO DOS TRÊS – RAPAZ, PRINCESA E REI – É BEM CARICATA).
RAPAZ: Ah, Princesa, como eu te amo!
PRINCESA: Meu querido, eu também te amo!
RAPAZ: Então eu vou pedir sua mão para seu pai – o Rei – para que a gente possa casar.
PRINCESA: Não, meu amor! Papai é muito bravo. Ele não vai consentir. Ele não vai deixar.
RAPAZ: E se eu disser para ele que atenderei a qualquer pedido que ele me fizer.
PRINCESA: Não sei. Tenho medo. Mas, talvez assim você possa conseguir.
(PEDRO JÁ ESTÁ COM OS ADEREÇOS DO REI E “ENTRA” NA CENA)
REI: Ahá!! Peguei os dois!
RAPAZ E PRINCESA: Oh!
REI: Minha filha, eu já não disse que eu não quero que você fique de conversa com esse rapaz?
PRINCESA: Mas papai, eu o amo!
REI: Não interessa! Minha filha não vai namorar um pobretão. Você vai se casar com um guerreiro poderoso que vai cumprir tarefas impossíveis!
RAPAZ: Pois, senhor meu rei, quero a mão de sua filha em casamento! E cumprirei para isso qualquer tarefa que o senhor me pedir! Pode ser a mais difícil!
REI: É mesmo? Então vamos ver se você é realmente valente! Você terá a mão da minha filha em casamento se trouxer para mim três... Entendeu? Três fios de cabelo de ouro do diabo! (PERCUSSÃO MACABRA FEITA COM O CHOCALHO)
RAPAZ E PRINCESA: Oh!
REI: Traga os fios de ouro para mim e a princesa será sua. Caso contrário, nunca mais apareça por aqui! (O REI GARGALHANDO SE ESCONDE ATRÁS DE UM LENÇOL).
PRINCESA: E agora, meu amor? O que será de nós?
RAPAZ: Iremos nos casar! Vou pegar esses fios de ouro que seu pai deseja!
PRINCESA: Mas são fios de ouro do diabo! (O REI APARECE ATRÁS DO LENÇOL E FAZ A PERCUSSÃO MACABRA)
RAPAZ: (INFLAMADO) Não importa! Buscarei esses fios de ouro e nós seremos felizes para sempre! Nada me deterá! Irei até o inferno para realizar minha tarefa! (O REI APARECE ATRÁS DO LENÇOL E FAZ A PERCUSSÃO MACABRA - PAUSA – MUDANÇA DE TOM) Mas onde é o inferno?
PRINCESA: Eu não sei bem, meu amor. Mas acho que é pra lá. (ELES ESTÃO DE UM LADO DA CENA E A PRINCESA APONTA PARA O OUTRO LADO).
RAPAZ: Pois é para lá que eu irei! (P/ A PRINCESA) Adeus, meu amor! Espere por mim! Espere que eu voltarei com os fios de ouro do diabo! (O REI APARECE ATRÁS DO LENÇOL E FAZ A PERCUSSÃO MACABRA – OS DOIS OLHAM FEIO PARA ELE).
PRINCESA: Adeus, meu amor! Vou esperar! Vou esperar você com o coração na mão! (A PRINCESA FICA DANDO ADEUS – PEDRO SAI DE TRÁS DO LENÇOL E TIRA A CARACTERIZAÇÃO DE REI – DURANTE A FALA DE PEDRO, MARIA TIRA A CARACTERIZAÇÃO DE PRINCESA)
PEDRO: E a viagem do rapaz começou! Ele não sabia como chegar no inferno, mas foi pelo caminho perguntando!
(A MÚSICA COMEÇA – DEVE SER TOCADA POR PAULO - O RAPAZ VAI CAMINHANDO NUMA COREOGRAFIA – PEDRO O ACOMPANHA INDICANDO O CAMINHO)
MÚSICA: ONDE É QUE FICA?
RAPAZ: Onde é que fica? Onde será?
Qual o caminho que vou tomar?
Onde é que fica? Onde será?
È no inferno que vou chegar!
O meu amor vai me levar.
Esse caminho vou encontrar.
Não tenho medo! Eu vou achar!
E no inferno eu vou chegar!
Onde é que fica? Onde será?
Qual o caminho que vou tomar?
Onde é que fica? Onde será?
È no inferno que vou chegar!
(PEDRO PEGA UM GALHO QUE VAI REPRESENTAR UMA ÁRVORE. DURANTE A MÚSICA ELE SE CARACTERIZA COMO UM POBRE E VELHO ALDEÃO – COM OBJETOS TIRADOS DOS CAIXOTES - SE COLOCA NA FRENTE DO RAPAZ E COMEÇA A CHORAR. A MÚSICA PÁRA. MARIA OBSERVA).
RAPAZ: (P/ O ALDEÃO) Ei, você! Você aí, velho aldeão! O quê houve? Por que está chorando?
ALDEÃO: É por causa dessa árvore! (MOSTRA)
RAPAZ: Isso é uma árvore, velho aldeão?
ALDEÃO: É uma árvore sim!
RAPAZ: Tá bom! Se você está dizendo!
ALDEÃO: E era uma árvore maravilhosa! Uma árvore mágica! Que dava todos os frutos que existem no mundo!
RAPAZ: Isso aí dava todos os frutos que existem no mundo? Desculpe, mas não parece...
ALDEÃO: Mas dava. E agora ela está assim: seca... morta... triste... sem vida... (CHORA)
RAPAZ: Calma, meu velho! Ah, se eu pudesse lhe ajudar...
ALDEÃO: Me ajude! Por favor, me ajude!
RAPAZ: Mas eu não posso! Eu tenho que achar o inferno!
ALDEÃO: Pra quê você quer ir ao inferno?
RAPAZ: Eu tenho que pegar três fios de cabelo de ouro do diabo! (MARIA FAZ A PERCUSSÃO MACABRA COM O CHOCALHO)
ALDEÃO: Eu sei onde é o inferno!
RAPAZ: Sabe! Então vamos fazer assim: o senhor me diz onde é o inferno, que quando eu voltar lhe ajudo. Combinado?
ALDEÃO: Combinado. O inferno é pra lá! (APONTA PARA O OUTRO LADO. DIFERENTE DA PRINCESA).
RAPAZ: Mas tinham me dito que o inferno era pra lá (APONTA PARA O MESMO LADO DA PRINCESA)
ALDEÃO: Não, eu tenho certeza! O inferno é pra lá! (APONTA)
RAPAZ: Então está bom! Eu vou seguindo o meu caminho! Adeus, velho aldeão! Até a volta!
ALDEÃO: Até a volta! E não se esqueça de mim! (PEDRO FICA DANDO ADEUS – O RAPAZ VOLTA A CANTAR – DURANTE A MÚSICA PEDRO TIRA A CARACTERIZAÇÃO DE ALDEÃO E DEPOIS OBSERVA A CENA)
MÚSICA: ONDE É QUE FICA?
RAPAZ: Onde é que fica? Onde será?
Qual o caminho que vou tomar?
Onde é que fica? Onde será?
È no inferno que vou chegar!
O velho aldeão assim falou
Novo caminho ele apontou..
Não tenho medo! Eu vou achar!
E no inferno eu vou chegar!
Onde é que fica? Onde será?
Qual o caminho que vou tomar?
Onde é que fica? Onde será?
È no inferno que vou chegar!
(DURANTE A MÚSICA MARIA SE CARACTERIZA COMO UMA BELA ALDEÃ COM OBJETOS TIRADOS DO VARAL. LEVA NAS MÃOS UMA JARRA. COLOCA-SE NA FRENTE DO RAPAZ E COMEÇA A CHORAR. A MÚSICA PÁRA).
RAPAZ: O que houve, bela aldeã? Porque você está chorando?
ALDEÃ: É por causa dessa fonte! (MOSTRA A JARRA)
RAPAZ: Isso é uma fonte, bela aldeã?
ALDEÃ: É uma fonte sim! E das boas!
RAPAZ: Tá bom! Se você está dizendo!
ALDEÃ: E era uma fonte maravilhosa! Uma fonte mágica! Que saciava a sede de todos os habitantes da aldeia!
RAPAZ: Isso aí saciava a sede de todos os habitantes da aldeia? Desculpe, mas não parece...
ALDEÃ: Mas saciava. E agora ela está assim: seca... morta... triste... sem vida... (CHORA)
RAPAZ: Ih, eu já ouvi isso! Calma, bela aldeã! Ah, se eu pudesse lhe ajudar...
ALDEÃ: Me ajude! Por favor, me ajude!
RAPAZ: Mas eu não posso! Eu tenho que achar o inferno!
ALDEÃ: Pra quê você quer ir ao inferno?
RAPAZ: Eu tenho que pegar três fios de cabelo de ouro do diabo! (PEDRO FAZ A PERCUSSÃO MACABRA COM O CHOCALHO)
ALDEÃ: Eu sei onde é o inferno!
RAPAZ: Sabe! Então vamos fazer assim: você me diz onde é o inferno, que quando eu voltar lhe ajudo. Combinado?
ALDEÃ: Combinado. O inferno é pra lá! (APONTA PARA O OUTRO LADO. DIFERENTE DO VELHO ALDEÃO).
RAPAZ: Mas tinham me dito que o inferno era pra lá (APONTA PARA O MESMO LADO DO VELHO ALDEÃO)
ALDEÃ: Não, eu tenho certeza! O inferno é pra lá! (APONTA) Você vai chegar lá e encontrar um barqueiro que vai levar você até o inferno!
RAPAZ: Então está bom! Eu vou seguindo o meu caminho! Adeus, bela aldeã! Até a volta!
ALDEÃ: Até a volta! E não se esqueça de mim! (MARIA FICA DANDO ADEUS – O RAPAZ VOLTA A CANTAR – DURANTE A MÚSICA MARIA TIRA A CARACTERIZAÇÃO DE ALDEÃ)
MÚSICA: ONDE É QUE FICA?
RAPAZ: Onde é que fica? Onde será?
Qual o caminho que vou tomar?
Onde é que fica? Onde será?
È no inferno que vou chegar!
A bela aldeã foi que mostrou
O caminho certo ela apontou..
Não tenho medo! Eu vou achar!
E no inferno eu vou chegar!
Onde é que fica? Onde será?
Qual o caminho que vou tomar?
Onde é que fica? Onde será?
È no inferno que vou chegar!
(DURANTE A MÚSICA PEDRO SE CARACTERIZA COMO BARQUEIRO DO INFERNO COM OBJETOS TIRADOS DO VARAL. PEGA NA COXIA UM GRANDE BARCO. A MÚSICA PÁRA. MARIA FAZ UMA PERCUSSÃO SUAVE. COMO BARULHO DE ÁGUA. O RAPAZ ACENA PARA O BARQUEIRO COMO SE ACENASSE PARA UM TÁXI. O BARQUEIRO PÁRA E O RAPAZ “ENTRA” NO BARCO).
BARQUEIRO: O senhor vai para onde?
RAPAZ: Eu tenho que ir para o inferno.
BARQUEIRO: Então vamos. (OS DOIS VÃO ANDANDO COM O BARCO. O BARQUEIRO COMEÇA A CHORAR).
RAPAZ: Ai, meu Deus. Todo mundo chora nessa história. (P/ O BARQUEIRO) O que foi que houve? Porque o senhor está chorando?
BARQUEIRO: É por causa desse barco!
RAPAZ: Não vai me dizer que esse barco era maravilhoso! Um barco mágico! Que agora está aí: seco... morto... triste... sem vida, né?!
BARQUEIRO: Não. Não é nada disso. Eu estou cansado de viver aqui nesse barco. Eu queria conhecer o mundo, mas eu não consigo me livrar desse destino. Fico pra lá e pra cá nesse barco. Eu não agüento mais.
RAPAZ: Ah, se eu pudesse lhe ajudar...
BARQUEIRO: Me ajude! Por favor, me ajude!
RAPAZ: Mas eu não posso! Eu tenho que ir para o inferno!
BARQUEIRO: Pra quê você quer ir ao inferno?
RAPAZ: Eu tenho que pegar três fios de cabelo de ouro do diabo! (MARIA FAZ A PERCUSSÃO MACABRA)
BARQUEIRO: Eu vou lhe levar no inferno!
RAPAZ: Então vamos fazer assim: você me deixa lá no inferno, que quando eu voltar lhe ajudo. Combinado?
BARQUEIRO: Combinado. O inferno é aqui! (O BARCO PÁRA E O RAPAZ “SALTA” DO BARCO PARA A TERRA FIRME)
RAPAZ: Obrigado, barqueiro! Eu vou seguindo o meu caminho! Adeus! Até a volta!
BARQUEIRO: Até a volta! E não se esqueça de mim! (SAI)
RAPAZ: Nossa mãe! Eu tenho que lembrar de tanta gente! (A LUZ MUDA. FICA TUDO SOMBRIO – É O INFERNO. UMA PERCUSSÃO ESTRANHA TOMA CONTA DA CENA. O RAPAZ OLHA ASSUSTADO AO REDOR) Credo! Aqui que é o inferno! Que coisa horrível! Agora eu tenho que encontrar o diabo!
(MARIA SE CARACTERIZA COMO UMA VELHA. ELA PEGA UM PANO QUE REPRESENTA A CASA DO DIABO E PENDURA NO VARAL. A VELHA E O RAPAZ SE ENCONTRAM NO MEIO DA CENA E TOMAM UM SUSTO).
VELHA: (TOMANDO FÔLEGO) Que é isso? O que você quer aqui?
RAPAZ: (TOMANDO FÔLEGO) Nossa, que susto! A senhora pode me dar uma informação? Eu estou procurando a casa do diabo!
VELHA: A casa do diabo?
RAPAZ: É!
VELHA: É aqui!
RAPAZ: É aqui? E a senhora está fazendo o quê aqui?
VELHA: Eu sou a mãe do diabo!
RAPAZ: Mãe do diabo? Mas a senhora não é diaba!
VELHA: Ih, isso é uma longa história. Depois eu lhe conto. Mas primeiro eu quero saber: o quê você está fazendo aqui?
RAPAZ: Ah, dona, não sei se a senhora vai poder me ajudar. Estou precisando de três fios...
VELHA: Três fios de cabelo de ouro do meu filho, não é?
RAPAZ: É. Como é que a senhora sabe?
VELHA: Ah, rapaz, as notícias voam por essas bandas! Mas olha, se eu fosse você ia embora daqui rapidinho. Porque se meu filho pega você aqui ele “te estripa todo”!
RAPAZ: Ai, dona. Nem me diga. E eu ainda tenho que ajudar um velho aldeão que tinha uma árvore que dava todos os frutos do mundo e que não dá mais nada. Uma bela aldeã que tinha uma fonte que saciava a sede de todo mundo e que não faz mais nada. E um barqueiro que quer conhecer o mundo e não consegue deixar de ser barqueiro. Eu não sei o quê vou fazer.
VELHA: Ih, menino! Fiquei com dó de você. Eu vou lhe ajudar!
RAPAZ: Vai!
VELHA: Vou. (A VELHA FAREJA ALGO) Hummm... está sentindo o cheiro?
RAPAZ: Um cheiro de enxofre.
VELHA: É meu filho que está chegando. Você vai se esconder. Fique quietinho, mas preste bastante atenção em tudo que meu filho falar. Anda! Raspa!
(O RAPAZ SE ESCONDE. A VELHA FICA DISFARÇANDO. UMA PERCUSSÃO FEITA POR PEDRO ANTECEDE SUA ENTRADA. ELE ENTRA VESTIDO DE DIABO. ENTRA GRITANDO).
DIABO: Minha mãe! Cadê você, minha mãe?!
VELHA: Tô aqui, meu filho!
DIABO: Minha mãe sinto aqui cheiro...
VELHA: Cheiro de quê, meu filho?
DIABO: (FAREJANDO) Cheiro de gente! Tem gente aqui, minha mãe!
VELHA: Tem nada, meu filho! Chegue perto de mim que vou lhe fazer um cafuné.
DIABO: Mas eu estou sentindo, minha mãe! É cheiro de gente. E cheiro de gente boa. Que é o pior cheiro que tem.
VELHA: Você está é cansado de fazer tanta maldade pelo mundo. Chegue aqui perto de mim que eu lhe faço um cafuné bem gostoso. (A MÃE PEGA UMA CADEIRA E SENTA)
DIABO: Está bem, minha mãe! (SE APROXIMA DA MÃE E SENTA NO CHÃO AO SEU LADO) Quero cafuné! Quero cafuné!
(A VELHA COMEÇA A FAZER O CAFUNÉ NO DIABO. ELA SUSPIRA).
DIABO: Que foi, minha mãe? Por que suspira?
VELHA: Uma história que eu ouvi, meu filho. Uma história de um velho aldeão que tinha uma árvore que dava todos os frutos do mundo e que já não dá mais nada.
DIABO: (GARGALHANDO) Fui eu, minha mãe!
VELHA: Foi você? (ARANCA UM FIO DA CABEÇA DO DIABO – MOSTRA – GUARDA NO BOLSO)
DIABO: Ai! Cuidado!
VELHA: Desculpe, meu filho! Mas o quê foi que você fez?
DIABO: Eu coloquei uns ratos na raiz da árvore. E os ratos estão lá roendo a raiz. E é por isso que ela não dá mais frutos. É só tirar os ratos de lá que a árvore volta a dar frutos. Mas ninguém vai fazer isso!
VELHA: Entendi, meu filho! (P/ O RAPAZ) Entendeu?
DIABO: Entendeu, quem? Tem alguém aqui?
VELHA: Entendeu você. Que ninguém vai tirar esses ratos de lá. Mas deixa eu fazer mais cafuné.
DIABO: Ah, cafuné. Quero cafuné!
(A VELHA VOLTA A FAZER O CAFUNÉ NO DIABO. ELA SUSPIRA).
DIABO: Suspirando de novo, minha mãe?
VELHA: Ah, meu filho, foi uma outra história que eu ouvi. Uma história de uma aldeã bonita que tem uma fonte que saciava a sede de todo mundo e que já não dá mais nada.
DIABO: (GARGALHANDO) Fui eu também, minha mãe!
VELHA: Foi você também? (ARANCA O SEGUNDO FIO DA CABEÇA DO DIABO – MOSTRA – GUARDA NO BOLSO)
DIABO: Ai! Cuidado!
VELHA: Desculpe, meu filho! Mas o quê foi que você fez?
DIABO: Eu coloquei um sapo gordo embaixo da fonte. E o sapo não deixa a água passar. É só tirar o sapo de lá que a fonte volta a jorrar. Mas ninguém vai fazer isso!
VELHA: Entendi, meu filho! (P/ O RAPAZ) Entendeu?
DIABO: Entendeu, quem? A senhora está falando com alguém? Tem alguém aqui?
VELHA: Entendeu você. Com quem eu estaria falando? Estou explicando que ninguém vai tirar esse sapo gordo de lá. Ninguém vai acabar com uma idéia tão boa como essa. Mas deixa eu fazer mais cafuné.
DIABO: Ah, cafuné. Quero cafuné!
(A VELHA VOLTA A FAZER O CAFUNÉ NO DIABO. ELA SUSPIRA).
DIABO: Mas a senhora está suspirando muito, minha mãe?
VELHA: Ah, meu filho, foi uma terceira história que eu ouvi. E essa é das boas. Um barqueiro que não consegue sair do barco. Ele tem até vontade de conhecer o mundo, mas não consegue sair do barco de jeito nenhum.
DIABO: (GARGALHANDO) Se for igual a esse barqueiro daqui, eu sei como resolver!
VELHA: É mesmo, meu filho? (ARANCA O TERCEIRO FIO DA CABEÇA DO DIABO – MOSTRA – GUARDA NO BOLSO)
DIABO: Ai! Assim eu vou ficar careca, minha mãe!
VELHA: Desculpe, meu filho! Mas como é que resolve a história do barqueiro?
DIABO: É só o barqueiro entregar o barco pra outra pessoa e ir embora. A outra pessoa é que fica presa no destino do barco. Esse barqueiro bobão que está aí, não sabe disso. E ele vai ficar ai pra sempre, porque ninguém vai contar, né?
VELHA: Entendi, meu filho! (P/ O RAPAZ) Entendeu?
DIABO: Entendeu, quem? A senhora está de palhaçada comigo. Tem alguém aqui! E eu vou achar!
VELHA: Não tem ninguém aqui! Sabe qual é o seu mal? Seu mal é sono! Vá dormir que isso passa!
DIABO: A senhora tem razão. (BOCEJANDO) Eu estou com um sono... Esse cafuné me deu mais sono ainda
(O DIABO SE ESPREGUIÇA. DEITA NO CHÃO E DORME. O RAPAZ SAI DO ESCONDERIJO E SE APROXIMA DA VELHA).
VELHA: (ENTREGANDO OS FIOS DE OURO P/ O RAPAZ) Entendeu direitinho, não é?
RAPAZ: Entendi. Muito obrigado!
VELHA: Vai embora antes que meu filho acorde.
(O RAPAZ MOSTRA OS TRÊS FIOS DE OURO LEVANTANDO OS PARA O ALTO. ELE SAI POR UM LADO E A VELHA SAI POR OUTRO LEVANDO A CADEIRA E O PANP QUE CARACTERIZA A CASA DO DIABO. PEDRO LEVANTA E TIRA A CARACTERIZAÇÃO DE DIABO – A LUZ VOLTA AO NORMAL).
PEDRO: E assim o rapaz voltou no caminho. Ajudou a resolver o problema do barqueiro que pode sair pelo mundo. Ajudou a bela aldeã que viu sua fonte jorrar água de novo. E fez a árvore do velho aldeão voltar a dar todos os frutos do mundo. Entregou os fios de ouro para o rei e se casou com a linda princesa. E foram...
MARIA: (ENTRANDO) Peraí, essa história acaba assim?
PEDRO: Acaba.
MARIA: E isso é história de assombração, Pedro?
PAULO: (ENTRANDO) Claro que é, Maria! Tinha até diabo!
PEDRO: É mesmo! Tinha até diabo!
MARIA: Hum! Só porque tem diabo? Um diabo bobo. Diabo que gosta de cafuné. Diabo com mãe. Nunca vi diabo com mãe!
PEDRO: E você já viu algum diabo?
MARIA: Não vi. Mas aposto que eles não tem mãe! Que história mais boba. Não fiquei com nem um pouquinho de medo!
PAULO: Mas agora você vai ficar com muito medo. Pois agora é a hora que sopra o vento!!
MARIA: Não tem ouvindo nenhum vento soprar! E eu vou ficar com medo por quê?
PAULO: Porque eu vou contar a história da MARIA ANGULA!
MARIA: Da Maria o quê?
PEDRO: Da Maria Angula!
MARIA: Que nome mais esquisito!
PAULO: É esquisito, mas você vai morrer de medo dessa história!
MARIA: (DEBOCHANDO) E tem VISAGEM?
PEDRO: Maria, não brinca com essas coisas!
PAULO: Isso é sério! A história é de arrepiar!
MARIA: Eu só quero ver!
(MARIA E PEDRO SE CARACTERIZAM PARA A HISTÓRIA COM OBJETOS TIRADOS DOS CAIXOTES E VARAL. PAULO SE POSICIONA PARA COMEÇAR A CONTAR).
PAULO: É uma história terrível que minha babá me contou...
MARIA: (INTERROMPENDO) E babá conta história terrível por acaso, Paulo?
PEDRO: Fica quieta, Maria! Ouve a história!
PAULO: (CONTINUANDO) Uma história de dar medo! A história de Maria Angula! Que era uma menina levada! Moleca e sapeca! Leva e trás! Vivia aprontando por aí! Mexia com toda gente. Implicava com Deus e o mundo! E não queria nada com coisa nenhuma!
(MARIA JÁ CARACTERIZADA COMO MARIA ANGULA FAZ CARETAS E TREJEITOS PARA A PLATÉIA – PEDRO TOCA E CANTA A MÚSICA).
MÚSICA : MARIA ANGULA
PEDRO: Eita como é danada!!
Que moleca espevitada!!
Essa é da pá virada!!
Ô menina mal criada!!
É a Maria Angula
Que xinga, que mente, que faz careta
É a Maria Angula
Sapeca, malandra, uma espoleta
É a Maria Angula
Que briga, bagunça, que é o capeta!!
Eita como é danada!!
Que moleca espevitada!!
Essa é da pá virada!!
Ô menina mal criada!!
(TERMINADA A MÚSICA, PAULO SE POSICIONA)
PAULO: E a mãe dela viva tentando aconselhar a filha:
(PAULO SE CARACTERIZA COMO A MÃE DE MARIA ANGULA)
MÃE: Maria Angula, minha filha, tome jeito! Venha aprender a fazer um bordado... a fazer uma comida gostosa...
MARIA ANGULA: Ah, mãe, me deixa! Não quero saber dessas coisas!
MÃE: Mas você não vai arrumar marido assim, garota! Quem vai querer casar com você?
MARIA ANGULA: E quem disse que eu quero casar? Ih, me deixa em paz!
MÃE: Ai, essa menina não tem jeito! (PAULO TIRA A CARACTERIZAÇÃO)
PAULO: Mas o tempo passou e Maria Angula se tornou moça. E começou a sentir falta de alguma coisa. E achou que era hora de encontrar um companheiro. Alguém para casar. Para caminhar junto pela vida. (DURANTE A FALA MARIA MUDA DE POSTURA E SE TRANSFORMA EM MARIA ANGULA ADULTA) E procurou alguém para ser seu marido. (MARIA PROCURA PELO PALCO ATÉ QUE PEDRO, CARACTERIZADO COMO MARIDO, VAI ATÉ ELA) Achou e eles decidiram se casar! (PEDRO E MARIA FAZEM A CENA – PAULO TOCA A MARCHA NUPCIAL – PEDRO E MARIA ENCENAM O CASAMENTO) Depois do casamento vieram os problemas... (PAULO SAI).
MARIDO: Maria Angula, minha querida mulher, agora estamos casados.
MARIA ANGULA: É, meu marido. E a nossa lua-de-mel foi tão linda.
MARIDO: E esse é o nosso primeiro dia de vida juntos. Bom, eu vou trabalhar e gostaria que você fizesse uma comidinha bem gostosa para o meu jantar.
MARIA ANGULA: Uma comidinha gostosa?
MARIDO: É, minha querida. E sabe o quê eu estou com vontade de comer?
MARIA ANGULA: Não. O quê?
MARIDO: Carne assada. Quero uma carne assada bem suculenta para o meu jantar. Está bem?
MARIA ANGULA: Está bem.
MARIDO: Então, adeus. Até a noite...(SAI)
MARIA ANGULA: Até a noite, querido! (ESPERA ELE SAIR) E agora? Eu não sei fazer carne assada. Eu não sei fazer é nada! Como é que eu vou resolver isso? Ah, já sei!! Eu vou pedir para vizinha, a dona Mercedes, me ensinar! Ela deve saber fazer isso. (BATE PALMA – CHAMANDO) Dona Mercedes! Dona Mercedes!
(ENTRA PAULO TRAZENDO UM PANO QUE CARACTERIZA UMA JANELA – COMO UM PALCO DE TEATRO DE FANTOCHES - E UMA BONECA - QUE SERÁ DONA MERCEDES – ESSA BONECA DEVE SER UM BONECA COMUM. COMO SE FOSSE UM BRINQUEDO DE MARIA)
MERCEDES: (APARECENDO NA JANELA) Quem é? Ah, é a senhora, Dona Maria!
MARIA: (SAINDO DO PERSONAGEM) Paulo, essa boneca é minha!! Eu gosto muito dela!! Quem mandou você pegar?
PAULO: É só pra fazer a história, Maria!! Posso continuar?
MARIA: Tá bom!! Mas toma cuidado com ela!!
(PAULO RECOMEÇA A HISTÓRIA)
MERCEDES: (APARECENDO NA JANELA) Quem é? Ah, é a senhora, Dona Maria!
MARIA ANGULA: Tudo bem, Dona Mercedes?
MERCEDES: Tudo bem, Dona Maria! Mas o que a senhora deseja?
MARIA ANGULA: Sabe o quê é, Dona Mercedes, é que meu marido está com vontade de comer carne assada e eu estou meio esquecida de como é que faz. Há muito tempo que eu não faço. A senhora lembra?
MERCEDES: Claro, Dona Maria!
MARIA ANGULA: E como é?
MERCEDES: É fácil. É assim:
(A MUSICA COMEÇA EM GRUMELÔ. PEDRO TOCA A MÚSICA E PAULO CANTA).
MUSICA: RECEITA 1
MERCEDES / PAULO: Grumelô! Grumelí! Grumelá!!
Gruméli di pa-lá-lá!!
Grumejô! Grumejí! Grumedá
Grumelda de o-gu-dá!!
Entendeu?
MARIA ANGULA: Entendi. Mas era só isso? Ah, isso eu já sabia!
MERCEDES: Então, está bem, Dona Maria! Até mais!
(PAULO ESCONDE A BONECA E SE COLOCA NA CENA).
PAULO: E Maria Angula foi pra casa fazer a carne assada como Dona Mercedes tinha ensinado.
(PAULO SAI LEVANDO A JANELA - MARIA ANGULA PEGA APETRECHOS DE COZINHA NAS CAIXAS – A MÚSICA COMEÇA – DURANTE A MÚSICA UM DOS ATORES VAI DANDO OUTROS APETRECHOS DE COZINHA PARA MARIA RETIRADOS DAS CAIXAS E CAIXOTES. O OUTRO TOCA A MÚSICA)
MÚSICA: A COZINHA DE MARIA ANGULA
TODOS: Vai pra cozinha, Maria! Vai preparar.
Vai pra cozinha, Maria! Fazer esse jantar.
Vai pra cozinha, Maria! Vai cozinhar.
Vai pra cozinha, Maria! Fazer esse jantar.
MARIA ANGULA: Vou fazer o jantar! Eu vou cozinhar.
Vou fazer a comida pro marido gostar.
Eu nunca fiz isso, mas ninguém saberá
Meu querido marido eu vou enganar
TODOS: Vai pra cozinha, Maria! Vai preparar.
Vai pra cozinha, Maria! Fazer esse jantar.
Vai pra cozinha, Maria! Vai cozinhar.
Vai pra cozinha, Maria! Fazer esse jantar.
MARIA ANGULA: Lava, corta e tempera! Como ensinou a vizinha.
Assa, enfeita e serve! Sou mestre na cozinha.
Depois da casa arrumada, fica aquela beleza!
Marido pode chegar que o jantar já está na mesa!
TODOS: Vai pra cozinha, Maria! Vai preparar.
Vai pra cozinha, Maria! Fazer esse jantar.
Vai pra cozinha, Maria! Vai cozinhar.
Vai pra cozinha, Maria! Fazer esse jantar.
(MARIA ANGULA RECOLOCA OS APETRECHOS DE COZINHA NAS CAIXAS E SAI – PAULO SE POSICIONA)
PAULO: O jantar da Maria Angula ficou uma delícia. A carne assada estava no ponto. O marido sentou e comeu pra se danar. Depois o casal foi dormir. O marido dormiu o sono dos justos. Roncou tanto que chegou a babar. Mas no dia seguinte...
(PAULO SAI – ENTRA O MARIDO SEGUIDO POR MARIA ANGULA)
MARIDO: Maria o jantar estava uma delícia!
MARIA ANGULA: Obrigada, querido!
MARIDO: Há muito tempo eu não comia uma carne assada tão boa! Não sabia que minha mulherzinha era tão boa cozinheira!
MARIA ANGULA: Ora, marido. Isso foi uma bobagem. Eu sou mestra na cozinha! Sei fazer de tudo.
MARIDO: Sendo assim, hoje eu quero um prato bem especial: galinha ao molho pardo!
MARIA ANGULA: Galinha ao molho pardo?
MARIDO: É. Não sabe fazer?
MARIA ANGULA: (DISFARÇANDO) Claro que eu sei! É a minha especialidade!
MARIDO: Pois então eu não vejo a hora de chegar a noite para experimentar essa delícia. Adeus, meu amorzinho! Vou trabalhar. Até a noite com minha galinha ao molho pardo! (SAI)
MARIA ANGULA: Até a noite com sua galinha ao molho.... Aí meu Deus! Como será que faz isso? Nunca fiz isso na minha vida. E agora? Ah, já sei!! Eu vou pedir para vizinha de novo! A dona Mercedes deve saber fazer esse troço!! (BATE PALMA – CHAMANDO) Dona Mercedes! Dona Mercedinha!
(ENTRA PAULO TRAZENDO A JANELA E A BONECA DE DONA MERCEDES)
MERCEDES: (APARECENDO NA JANELA) Quem é? Ah, é a senhora, Dona Maria!
MARIA ANGULA: Tudo bem, Dona Mercedes?
MERCEDES: Tudo bem, Dona Maria! Mas o que a senhora deseja?
MARIA ANGULA: Sabe o quê é, Dona Mercedes, é que meu marido está com vontade de comer galinha ao molho pardo e eu estou meio esquecida de como é que faz. Há muito tempo que eu não faço. A senhora lembra?
MERCEDES: Claro, Dona Maria!
MARIA ANGULA: E como é?
MERCEDES: É assim:
(A MUSICA COMEÇA EM GRUMELÔ. PEDRO TOCA A MÚSICA E PAULO CANTA).
MUSICA: RECEITA 2
MERECEDES / PAULO: Dispelelô! Dispelelí! Dispelelá!!
Dispiméli di pa-lá-lá!!
Dispomjô! Dispemjí! Dispemdá
Dispimeli de pal-ma-lá!!
Entendeu?
MARIA ANGULA: Entendi. Mas era só isso? Ah, isso eu já sabia!
MERCEDES: Então, está bem, Dona Maria! Até mais!
(PAULO SAI LEVANDO A JANELA - MARIA ANGULA PEGA APETRECHOS DE COZINHA – A MÚSICA COMEÇA – DURANTE A MÚSICA UM DOS ATORES VAI DANDO OUTROS APETRECHOS DE COZINHA PARA MARIA – O OUTRO ATOR FAZ A MÚSICA, MAS TUDO É FEITO NUM RITMO MAIS ACELERADO).
MÚSICA: A COZINHA DE MARIA ANGULA
TODOS: Vai pra cozinha, Maria! Vai preparar.
Vai pra cozinha, Maria! Fazer esse jantar.
Vai pra cozinha, Maria! Vai cozinhar.
Vai pra cozinha, Maria! Fazer esse jantar.
MARIA ANGULA: Vou fazer o jantar! Eu vou cozinhar.
Vou fazer a comida pro marido gostar.
Eu nunca fiz isso, mas ninguém saberá
Meu querido marido eu vou enganar
TODOS: Vai pra cozinha, Maria! Vai preparar.
Vai pra cozinha, Maria! Fazer esse jantar.
Vai pra cozinha, Maria! Vai cozinhar.
Vai pra cozinha, Maria! Fazer esse jantar.
MARIA ANGULA: Lava, corta e tempera! Como ensinou a vizinha.
Escalda, enfeita e serve! Sou mestre na cozinha.
Depois da casa arrumada, fica aquela beleza!
Marido pode chegar que o jantar já está na mesa!
TODOS: Vai pra cozinha, Maria! Vai preparar.
Vai pra cozinha, Maria! Fazer esse jantar.
Vai pra cozinha, Maria! Vai cozinhar.
Vai pra cozinha, Maria! Fazer esse jantar.
(NO FIM DA MÚSICA MARIA ENTREGA OS APETRECHOS PARA PAULO QUE RECOLOCA NAS CAIXAS E SAI. PEDRO SE POSICIONA COMO MARIDO – O RITMO VOLTA AO NORMAL).
MARIDO: Maria o jantar de ontem estava uma delícia!
MARIA ANGULA: Obrigada, querido!
MARIDO: Há muito tempo eu não comia uma galinha ao molho pardo tão boa! Parecia a comidinha da minha mãe!
MARIA ANGULA: A comidinha da sua mãe?
MARIDO: É!
MARIA ANGULA: Que bom, querido! Que bom que você ficou satisfeito.
MARIDO: Fiquei muito. E hoje eu quero comer um porquinho a pururuca!
MARIA ANGULA: A pururuca?
MARIDO: É. Não sabe fazer?
MARIA ANGULA: (DISFARÇANDO) Claro que eu sei! Essa também é a minha especialidade!
MARIDO: Pois então eu não vejo a hora de chegar a noite para experimentar essa delícia. Adeus, meu amorzinho! Vou trabalhar. Até a noite com meu porquinho! (SAI)
MARIA ANGULA: Até a noite com sua pururuca... Aí meu Deus! Como será que faz isso? Nunca fiz isso na minha vida. E agora? Ah, já sei!! Eu vou pedir para vizinha de novo! A dona Mercedes deve saber fazer essa pururca!! (BATE PALMA – CHAMANDO) Dona Mercedes! Dona Mercedinha!
(ENTRA PAULO TRAZENDO A ARMAÇÃO DA JANELA E A BONECA DE DONA MERCEDES – A MAIOR PARTE DAS FALAS SERÁ EM GRUMELÔ NUM RITMO BEM ACELERADO)
MERCEDES: (APARECENDO NA JANELA) Quem é? Ah, é a senhora de novo, Dona Maria!
MARIA ANGULA: Tudo bem, Dona Mercedes?
MERCEDES: Tudo bem! Mas o que a senhora deseja agora?
MARIA ANGULA: Sabe o quê é:
(A MUSICA COMEÇA EM GRUMELÔ. PEDRO TOCA A MÚSICA. PAULO E MARIA CANTAM).
MUSICA: RECEITA 3
MARIA ANGULA: Eu queria saber como é que faz:
Pilinini! Pinini! Palaz!
Pilinini di Pa-la-laz!!
A senhora sabe?
MERECEDES / PAULO: Sei! É assim que faz:
Polononi! Poloni! Polaz!!
Polonini de Pa-ra-taz!
Pilinini! Pirini pataz!
Potatoni de pi-ri-maz!!
Entendeu?
MARIA ANGULA: Entendi. Mas era só isso? Ah, isso eu já sabia!
(PAULO SAI LEVANDO A JANELA - MARIA ANGULA PEGA APETRECHOS DE COZINHA – A MÚSICA COMEÇA – DURANTE A MÚSICA UM DOS ATORES VAI DANDO OUTROS APETRECHOS DE COZINHA PARA MARIA E O OUTRO TOCA A MÚSICA, MAS TUDO É FEITO NUM RITMO MAIS ACELERADO – NA MÚSICA SÓ O REFRÃO É CANTADO).
MÚSICA: A COZINHA DE MARIA ANGULA
TODOS: Vai pra cozinha, Maria! Vai preparar.
Vai pra cozinha, Maria! Fazer esse jantar.
Vai pra cozinha, Maria! Vai cozinhar.
Vai pra cozinha, Maria! Fazer esse jantar.
Vai pra cozinha, Maria! Vai preparar.
Vai pra cozinha, Maria! Fazer esse jantar.
Vai pra cozinha, Maria! Vai cozinhar.
Vai pra cozinha, Maria! Fazer esse jantar.
(QUANDO A MÚSICA TERMINA, MARIA ANGULA ESTÁ EXAUSTA NO MEIO DA CENA – PEDRO COMO MARIDO SE POSICIONA)
MARIDO: Minha querida, o jantar ontem estava maravilhoso, mas hoje eu quero...
MARIA: (GRITANDO) Para!
(NESSE MOMENTO VOLTA A PERSONAGEM ORIGINAL – PAULO ENTRA NA CENA TRAZENDO A JANELA – DURANTE AS FALAS, PEDRO E PAULO GUARDAM OS APETRECHOS DE COZINHA)
PEDRO E PAULO: Que foi Maria?
MARIA: Eu vou ficar fazendo esse monte de comida o tempo todo? Isso não é história de assombração nem aqui, nem na China! Isso é história de alimentação!! Cadê a VISAGEM que vocês disseram que tinha?
PEDRO: É agora que ela aparece. Agora que começa a assombração, Maria. Tem que ter um pouco de paciência.
MARIA: Eu só continuo se começar a assombração agora. Eu quero ver essa VISAGEM!
PEDRO E PAULO: Tá bom! Já vai começar!
(PEDRO SAI DE CENA – PAULO SE POSICIONA PARA CONTINUAR A CENA – MARIA FICA OLHANDO PARA ELE COMO SE TOMASSE CONTA PARA QUE ELE REALMENTE COMECE A ASSOMBRAÇÃO)
PAULO: O marido de Maria Angula pediu outro prato para jantar. E como nas outras vezes ela foi pedir para Dona Mercedes ensinar. Depois que a vizinha ensinava a Maria Angula dizia sempre:
MARIA ANGULA: Mas é só isso. Ah, isso eu já sabia!
PAULO: E todo dia era a mesma coisa. Dona Mercedes já estava cansada daquilo e resolveu pregar uma peça na Maria Angula e assim fez:
MARIA ANGULA: (BATE PALMA – CHAMANDO) Dona Mercedes! Dona Mercedinha!
(PAULO VAI PARA TRÁZ DA JANELA E APARECE A BONECA DE DONA MERCEDES)
MERCEDES: (APARECENDO NA JANELA) Quem é? Ah, é a senhora, Dona Maria!
MARIA ANGULA: Tudo bem, Dona Mercedes?
MERCEDES: Tudo bem, dona Maria! Mas o que a senhora deseja?
MARIA ANGULA: Sabe o quê é, Dona Mercedes, é que meu marido está com vontade de comer... MERCEDES: (INTERROMPENDO) Ah, Dona Maria, Hoje eu vou lhe ensinar um prato especial para a senhora fazer uma surpresa para seu marido. Um prato que é uma delícia!
MARIA ANGULA: E que prato especial é esse?
MERCEDES: É BUCHO COM TRIPAS!
MARIA ANGULA: (COM NOJO) Bucho com tripas? E como é que faz?
MERCEDES: É muito fácil: a senhora vai ao cemitério com um facão bem afiado. Espera passar o último enterro. Quando o último caixão passar a senhora vai atrás. Deixa enterrar e espera o pessoal ir embora. Depois a senhora desenterra e abre o caixão. Com o facão a senhora abre a barriga do defunto e tira lá de dentro o bucho com as tripas. Mas tem que dar só três facadas. Lembre-se disso. Só três facadas. Se não estraga o prato. Leva para casa e tempera com sal e pimenta do reino. Faz um refogadinho com cebola, alho, pimentão e tomate. Depois põe bastante água na panela e deixa cozinhar tudo muito bem. E está pronto! É uma delícia! Entendeu?
MARIA ANGULA: (COM MUITO NOJO) Entendi. Mas é só isso? Ah, isso eu já sabia!
MERCEDES: Então, está bem, Dona Maria! Até mais!
(PAULO SAI DE CENA LEVANDO A JANELA – MARIA ANGULA FICA PARADA NO MEIO DA CENA)
MARIA ANGULA: Ai, meu Deus! Será que isso é bom mesmo? A Dona Mercedes sempre me ensinou direitinho. Até agora deu tudo certo. Isso deve dar certo também. Eu vou lá para o cemitério!
(MARIA ANGULA DÁ UMA VOLTA NO PALCO – PEGA O FACÃO – A LUZ MUDA. FICA UMA LUZ SOMBRIA – A MÚSICA COMEÇA TOCADA ´POR PAULO. DEVE SER UMA MÚSICA SOMBRIA TAMBÉM).
MARIA ANGULA: Cheguei no cemitério! (REPARANDO) Que lugar horroroso! Bom, eu vou me esconder para ver os enterros passarem. (SE ESCONDE NUM CANTO DO PALCO) Ih, lá vem o primeiro! Credo!
(A MÚSICA FICA MAIS SOMBRIA – ENTRA PEDRO CARREGANDO UMA CAIXA DE SAPATOS – ELE COMEÇA A ANDAR PELO PALCO – MARIA INTERROMPE – A MÚSICA PÁRA)
MARIA: (SAINDO DA PERSONAGEM) O que é isso aí?
PEDRO: É o caixão, Maria!! Não tá vendo?
MARIA: Desse tamanho? Quem morreu? Um passarinho?
PAULO: É pra fingir, Maria!!
PEDRO: Assim não dá pra continuar a história!! Ela interrompe toda hora!!
MARIA: Tá bom... desculpe... pode continuar...
(A MÚSICA VOLTA – PEDRO VAI PARA A COXIA E VOLTA ATRAVESSANDO TODO O PALCO – A MÚSICA NÃO SERÁ CANTADA POR MARIA QUE SÓ OBSERVA COM MEDO)
MÚSICA: CEMITÉRIO
PEDRO E PAULO: Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh.
A tarde já vai sumindo! É a hora do mistério!
A noite está surgindo no meio do cemitério!
Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh
(PEDRO PASSA COM O “CAIXÃO” – EM SEGUIDA VOLTA CARREGANDO O SEGUNDO “CAIXÃO” – A MÚSICA CONTINUA)
MARIA ANGULA: Olha o segundo caixão!
PEDRO E PAULO: Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh
Cemitério, morada dos mortos! Onde vive um suspiro profundo
Que vem de dentro da alma! E que assombra todo mundo.
Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh
(PEDRO PASSA COM O “CAIXÃO” – EM SEGUIDA VOLTA CARREGANDO O ÚLTIMO “CAIXÃO” – A MÚSICA CONTINUA)
MARIA ANGULA: Olha o terceiro caixão! Esse deve ser o último!
PEDRO E PAULO: Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh.
O caminho de todo vivente termina no cemitério!
Essa é a grande certeza! Esse é o maior mistério!
Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh, Oh
(A MÚSICA VAI SUMINDO AOS POUCOS – MARIA ANGULA SAI DE SEU ESCONDERIJO)
MARIA ANGULA: Foi o último caixão! Eu agora vou lá buscar o bucho! Ai, meu Deus!
(SAI – UMA PERCUSSÃO TERRÍVEL TOMA CONTA DA CENA – AS LUZES PISCAM – ENTRA PAULO)
PAULO: Maria Angula desenterrou o defunto! Ele tinha uma cara terrível! Depois deu as três facadas! Uma! Duas! Três! (AS FACADAS DEVEM SER ACOMPANHADAS DE PERCUSSÃO) Arrancou o bucho! Ai, que nojo!! E Maria Angula foi pra casa preparar aquele prato macabro! Fez tudo direitinho como Dona Mercedes mandou! Arrumou a casa. Arrumou a mesa do jantar e ficou esperando o marido! Ele chegou e comeu até se fartar. Depois o casal foi dormir...
(PAULO SAI DE CENA – ENTRA O MARIDO SEGUIDO POR MARIA ANGULA. ELE CARREGA UM GRANDE LENÇOL)
MARIDO: Minha querida a comida estava deliciosa!
MARIA ANGULA: Gostou, marido?
MARIDO: Adorei! Mas reparei que você não comeu nem um bucadinho. Por quê?
MARIA ANGULA: (COM NOJO) Estou indisposta, meu querido.
MARIDO: Eu acho que você anda trabalhando demais! Amanhã eu vou contratar uma empregada para lhe ajudar na casa.
MARIA ANGULA: É bom, meu querido! Obrigada!
MARIDO: Mas vamos dormir que essa indisposição passa! Ih, mas peraí! Eu esqueci meu livro lá embaixo! Eu já volto!
(O MARIDO SAI - MARIA USA O LENÇOL COMO SE DEITASSE NUMA CAMA – A LUZ MUDA. FICA SOMBRIA – O VENTO COMEÇA A SOPRAR – MARIA ANGULA “SENTA” NA CAMA)
MARIA ANGULA: Que vento é esse? Um vento esquisito... sombrio... (O VENTO AUMENTA – BARULHO DE PASSOS SE APROXIMANDO) São passos! Tem alguém aqui dentro de casa! (PARA FORA) É você, Marido? (O VENTO AUMENTA) Acho que não é ele não!! Tem alguém estranho aqui dentro de casa! (PARA FORA) Marido, cadê você? O que será que está acontecendo?
MORTO: (FORA DE CENA) Maria Angula, devolva minhas tripas que você roubou da minha santa sepultura!
MARIA ANGULA: Ai, meu Deus! É o defunto! A VISAGEM!
(ENTRA PAULO VESTIDO DE FANTASMA COM UM BURACO NA BARRIGA – UMA PERCUSSÃO ACOMPANHA A CENA)
MORTO: Maria Angula, devolva minhas tripas que você roubou da minha santa sepultura!
MARIA ANGULA: (DÁ UM GRITO E DEPOIS FALA) É o defunto mesmo! Socorro, marido, socorro!!!
MORTO: Maria Angula, devolva minhas tripas que você roubou da minha santa sepultura!
(O MORTO CAMINHA PARA ELA COM OS BRAÇOS ERGUIDOS. MARIA ANGULA LARGA O LENÇOL E SAI CORRENDO GRITANDO. O MORTO A SEGUE SEMPRE DIZENDO A SUA FRASE – DEPOIS QUE ELES SAEM A LUZ VOLTA AO NORMAL – COMO SE AMANHECESSE).
MARIDO: (ENTRA SE ESPREGUIÇANDO) Maria... terminei pegando no sono lá embaixo! Nem vi a hora passar... (REPARA QUE A MULHER NÃO ESTÁ DORMINDO) Ué! A Maria já levantou? (CHAMANDO) Maria! Maria! Já levantou, mulher? Cadê você? Maria Angula... (SAI DE CENA COMO SE ESTIVESSE PROCURANDO)
PAULO: (ENTRANDO, AINDA VESTIDO DE MORTO – TIRA A MÁSCARA PARA FALAR – A LUZ VOLTA AO NORMAL) O marido nunca mais encontrou a Maria Angula. Procurou pela vizinhança toda. Até na casa de Dona Mercedes. E foi aí que eles se conheceram, se apaixonaram e se casaram. E dona Mercedes passou a fazer comidas bem gostosas para o seu marido.
(ENTRA PEDRO, AINDA COMO MARIDO, COM A BONECA DE DONA MERCEDES. A MÚSICA COMEÇA – UMA MÚSICA BEM CAFONA)
MÚSICA: FINAL FELIZ
PEDRO/ MARIDO: Assim terminou essa história
Uma história de assombração!
Maria Angula sumiu no mundo
Sem dar nem satisfação!
Mas a vida dá muita volta
E encontrei nova paixão!
Dona Mercedes e seus quitutes
São a minha perdição!!
Minha Mercedes será pra sempre
A dona do meu coração!!
(A MUSICA ACABA – PAULO BATE PALMAS)
PEDRO: (TIRANDO A CARACTERIZAÇÃO E GUARDANDO A BONECA) Essa história é boa! É de arrepiar!
PAULO: Essa é boa mesmo, né? De arrepiar os cabelos!!
MARIA: (ENTRANDO) É... Pode até ser! Mas pra dizer a verdade eu não gostei muito dessa história!
PEDRO E PAULO: (JUNTOS) Por que?
MARIA: Porque a Maria Angula tinha todo direito de não saber fazer as comidas. E esse marido dela era um bobão. Ele tinha que ajudar e não ficar pedindo para ela fazer isso e aquilo.
PAULO: Não tem nada haver isso que você está falando, Maria.
MARIA: Claro que tem! Esse marido era um comilão!! Ele devia morar num restaurante!! Se ele gostasse mesmo dela ficaria mais preocupado com ela do que com as comidas que ela faz! E depois ficou cantando e ainda se casou com a vizinha no final! Só casou por causa das comidas!! Hum... Aposto que esse casamento não vai durar muito!!
PAULO: Ai, Maria! Você complica tudo! E ainda ficou o tempo todo atrapalhando...
PEDRO: Pelo menos você se assustou com a história?
MARIA: É... Dá para dar um sustinho, mas não cheguei a ficar com medo! Essa VISAGEM não chegou a me assustar!
PAULO: Poxa, Maria! Você é dura na queda! Parece até que não tem medo de nada!
PEDRO: Parece até o João Sem Medo!
PAULO E MARIA: João o quê?
PEDRO: O João Sem Medo! Era um camarada que não tinha medo de nada. Podia vir fantasma, visagem, saci, mula-sem-cabeça, cuca, o que fosse. O João não tinha medo de nada. E andava pelas cidades procurando alguma coisa para ter medo. Até que ele chegou numa cidade...
PAULO: O quê que houve? Ele ficou com medo?
MARIA: O quê que ele encontrou? Uma VISAGEM? Agora que vai soprar o vento?
PEDRO: É uma história terrível!
PAULO E MARIA: Conta! Conta!
PEDRO: Pois, então, eu vou contar!
(PAULO E MARIA SE ARRUMAM PARA A CENA PEGANDO ADEREÇOS NAS CAIXAS– PEDRO PEGA UM CHAPÉU E SE POSICIONA PARA CONTAR)
PEDRO: O João andava por todo lado a procura de alguma coisa para ter medo. Só que ele não encontrava. Até que ele ouviu falar de um lugar, aqui perto, onde tinha uma casa mal assombrada. Quem dormisse nessa casa amanhecia ou morto ou maluco. Era certo isso! Pois o João foi até a rua onde ficava a casa e se informou com os moradores...
(PEDRO COLOCA O CHAPÉU – MARIA E PAULO SÃO O MORADOR 1 E O MORADOR 2)
JOÃO SEM MEDO: (CHAMANDO) Ó moço!
MORADOR 1: Que é?
JOÃO SEM MEDO: Boas tarde!
MORADOR 1: Boas tarde!
JOÃO SEM MEDO: É verdade que nessa rua tem uma casa que quem dorme lá amanhecesse ou morto ou maluco?
MORADOR 1: É verdade verdadeira!
JOÃO SEM MEDO: E cadê a casa?
MORADOR 1: É aquela ali! (APONTA PARA A CASA)
(MARIA ENTRA E VAI SE JUNTAR AO MORADOR 1 E A JOÃO).
JOÃO SEM MEDO: É aquela casa?
MORADOR 1: É aquela mesmo!
JOÃO SEM MEDO: Então, quem dorme ali amanhecesse ou morto ou maluco?
MORADOR 1: É isso mesmo!
JOÃO SEM MEDO: Pois olhe, que eu vou dormir lá hoje e não vai me acontecer nada!
MORADOR 2: Que é isso, rapaz!
MORADOR 1: Faça isso não!
MORADOR 2: O senhor ainda é novo. Pode morrer...
MORADOR 1: Pode ficar maluco!
JOÃO SEM MEDO: Pois olhe, eu aposto com vocês que eu vou dormir nessa casa hoje e não vai me acontecer nada!
MORADOR 1: Então está feita a aposta!
MORADOR 2: É isso mesmo!
JOÃO SEM MEDO: Pois então, eu vou lá dormir!
MORADOR 2: (SEGURA JOÃO) Espere um pouco! Vamos ajeitar essa aposta logo. Se o senhor morrer não vai poder pagar a aposta!
MORADOR 1: E se ficar maluco pode não querer pagar!
JOÃO SEM MEDO: Vocês têm razão! (TIRA DO BOLSO O DINHEIRO – FOLHAS DE ÁRVORE OU PAPEL PICADO) Está aqui o meu tanto!
MARIA: (SAINDO DO PERSONAGEM) Ah, não, Pedro!! Isso é dinheiro por acaso? Um troço todo amassado!!
PEDRO: Ai, Maria, é pré fingir, né?
PAULO: Lá vai ela começar a atrapalhar!!
MARIA: Tá bom! Desculpe! Não atrapalho mais!! (VOLTANDO AO PERSONAGEM) E nós cobrimos o seu tanto com.... com... (PEGA UMAS FOLHAS NO CHÃO) Com esse tanto! Vamos deixar na mão de dona Mercedes que é pessoa de confiança!
JOÃO SEM MEDO: Está bem! Amanhã a gente conversa!
(OS DOIS SAEM – A LUZ MUDA – CAI A NOITE)
JOÃO SEM MEDO: Nossa! Já caiu à noite! O negócio aqui é rápido! Eu vou logo para casa! (ELE FAZ UM GESTO COMO SE ENTRASSE NA CASA – UMA PERCUSSÃO TERRÍVEL TOMA CONTA DA CENA) Que casa grande! Escura! Eu vou é procurar um lugar para dormir! (ELE PEGA O LENÇOL E VAI PARA O MEIO DO PALCO) Eu acho que aqui está bom! (SE ESPREGUIÇA E DEITA) Boa noite!
(A PERCUSSÃO PÁRA – COMEÇAM A BATER AS BADALADAS DO RELÓGIO)
JOÃO SEM MEDO: Ih, nem percebi e já deu meia-noite! O tempo aqui voa! (O VENTO COMEÇA A SOPRAR) Que ventania! Ih, vocês ouviram isso? Acho que foi um grito! (GRITO TERRÍVEL). Agora que foi. (P/ FORA) Oh, rapaz, não tem o que fazer não? Assustando os outros! Vai procurar o quê fazer!
(ENTRAM MARIA E PAULO VESTIDOS DE FANTASMAS. ELES TOCAM, CANTAM E DANÇAM)
MÚSICA: EU CAIO
FANTASMAS: Eu caio! Eu vou cair! Eu caio! Eu tô caindo
Eu caio! Eu vou cair! Eu caio! Eu tô caindo
Olha que eu já vou! Olha que eu vou indo!
Eu caio! Eu vou cair! Eu caio! Eu tô caindo
Eu caio! Eu vou cair! Eu caio! Eu tô caindo
Olha que eu já vou! Olha que eu vou indo!
JOÃO SEM MEDO: E eu tenho medo disso rapaz? Cai logo!
(MARIA E PAULO SAEM - GRANDE BARULHO – CAEM DOIS BRAÇOS NO MEIO DA CENA – A MÚSICA PÁRA)
JOÃO SEM MEDO: Olha só: dois braços! E eu tenho medo de braço agora? Ficou até bonito! Uma escultura para enfeitar a casa! Eu vou dormir que é melhor!
(O VENTO VOLTA A SOPRAR – E A MÚSICA VOLTA MAIS FORTE - ENTRAM MARIA E PAULO VESTIDOS DE FANTASMAS. ELES TOCAM, CANTAM E DANÇAM)
MÚSICA: EU CAIO
FANTASMAS: Eu caio! Eu vou cair! Eu caio! Eu tô caindo
Eu caio! Eu vou cair! Eu caio! Eu tô caindo
Olha que eu já vou! Olha que eu vou indo!
Eu caio! Eu vou cair! Eu caio! Eu tô caindo
Eu caio! Eu vou cair! Eu caio! Eu tô caindo
Olha que eu já vou! Olha que eu vou indo!
JOÃO SEM MEDO: Ó, rapaz, você gosta de anunciar, hein? Cai logo, pelo amor de Deus!
(MARIA E PAULO SAEM DE CENA - GRANDE BARULHO – CAEM DUAS PERNAS NO MEIO DA CENA – A MÚSICA PÁRA)
JOÃO SEM MEDO: Olha só: duas pernas! E eu tenho medo de perna, por um acaso? Ficou ainda mais bonito! As esculturas para enfeitar a casa! Eu vou dormir que é melhor!
(O VENTO VOLTA A SOPRAR – E A MÚSICA VOLTA AINDA MAIS FORTE - ENTRAM MARIA E PAULO VESTIDOS DE FANTASMAS. ELES TOCAM, CANTAM E DANÇAM)
MÚSICA: EU CAIO
FANTASMAS: Eu caio! Eu vou cair! Eu caio! Eu tô caindo
Eu caio! Eu vou cair! Eu caio! Eu tô caindo
Olha que eu já vou! Olha que eu vou indo!
Eu caio! Eu vou cair! Eu caio! Eu tô caindo
Eu caio! Eu vou cair! Eu caio! Eu tô caindo
Olha que eu já vou! Olha que eu vou indo!
JOÃO SEM MEDO: Ó, rapaz, mas vai cair a prestação? Cai logo inteiro, pelo amor de Deus!
(GRANDE BARULHO – ENTRAM EM CENA MARIA E PAULO CARREGANDO A CABEÇA E O TRONCO. DURANTE A FALA DE JOÃO SEM MEDO, PAULO MONTA O BONECO E O MOVIMENTA O COMO SE ELE ANDASSE PARA CIMA DE JOÃO – MARIA FAZ UMA PERCUSSÃO QUE ACOMPANHA TODA A CENA).
JOÃO SEM MEDO: Olha só! As pernas... os braços... tá tudo se juntando! A cabeça também!! Mas o que será que vai ser isso, minha gente? Que coisa mais esquisita!! Ah!! É um boneco!! E eu tenho medo de boneco? Essa é boa!! (O BONECO VAI PRA CIMA DE JOÃO) O que é isso, rapaz? Parece que está dançando. E isso é hora de dançar, camarada? Vai procurar um baile!
(PAULO SAI DE TRÁS DO BONECO E ABRE UMA GRANDE CAPA. ELE AGORA É O FANTASMA - MARIA SAI DE CENA LEVANDO O BONECO – O FANTASMA OLHA SÉRIO PARA JOÃO E DEPOIS DÁ UM SORRISO)
JOÃO SEM MEDO: Ih, camarada está rindo pra mim? Está rindo do quê, palhaço?
FANTASMA: Eu sou um fantasma!
JOÃO SEM MEDO: E daí? O quê que eu tenho com isso?
FANTASMA: Eu quero lhe agradecer.
JOÃO SEM MEDO: A mim? Por quê?
FANTASMA: Eu estava aqui enfeitiçado por uma bruxa e o senhor me libertou! Eu quero lhe dar um presente!
JOÃO SEM MEDO: Opa! Tá pra mim! Adoro ganhar presente!
FANTASMA: Então vamos! (PEGA A MÃO DE JOÃO E VAI LEVANDO ELE) Vamos por aqui!
JOÃO SEM MEDO: Já estou indo!
FANTASMA: (MUDANDO DE DIREÇÃO) Vamos por aqui!
JOÃO SEM MEDO: Tá me levando pra onde? Não sabe nem para onde vai!
(CHEGAM EM FRENTE À ÁRVORE)
FANTASMA: (APONTANDO PARA O CHÃO) É aqui! Faça bom proveito! Adeus!
(AS LUZES PISCAM – MARIA FAZ UMA PERCUSSÃO ESTRANHA QUE TOMA CONTA DA CENA – O FANTASMA FAZ GESTOS LARGOS E SAI)
JOÃO SEM MEDO: Esse camarada apontou para o chão? Deve ter algum presente para mim aí! (ABAIXA E FAZ COMO SE FIZESSE FORÇA) Tem alguma coisa aqui! Eu vou puxar! (TIRA DE BAIXO DA ÁRVORE UM CALDEIRÃOZINHO COM O TESOURO – O TESOURO PODE SER PAPEL DOURADO PICADO) É um tesouro! Estou rico! (CANTA O GALO E AMANHECE O DIA) O galo cantou! Não estou maluco, nem morto! Eu venci a aposta! (P/ A COXIA) Hei, pessoal da rua, eu venci a aposta! (SAI).
(ENTRAM MARIA E PAULO)
PAULO: E o João Sem Medo venceu a aposta!
MARIA: Juntou o tesouro com o dinheiro da aposta e ficou muito rico!
PEDRO: (ENTRANDO SEM O CHAPÉU) Comprou a casa. Mandou reformar e diz que ele está morando lá até hoje!
JUNTOS: E acabou a história!
PEDRO: E então Maria? A história foi boa?
MARIA: Ah! Essa foi boa! Dessa história eu gostei! Vocês conhecem mais alguma?
PAULO: O que mais tem é história de assombração!
MARIA: Então conta mais.
PEDRO: É... Deixa eu lembrar...
VOZ OFF: Maria! Paulo! Pedro! Entrem crianças! Está na hora do jantar!
MARIA: (FALANDO P/ A COXIA) Peraí, mãe! A gente tá contando história!
VOZ OFF: Anda logo! Daqui a pouco vai cair o maior toró!
MARIA: (P/ OS MENINOS) A mamãe acha que a gente tem medo de chuva!
PEDRO: Que bobagem! Quem é que vai ter medo de chuva?
PAULO: É mesmo!
(BARULHO DE TROVÃO FORTE – AS LUZES PISCAM)
JUNTOS: (GRITANDO) Ai! O trovão!
(AS CRIANÇAS SAEM CORRENDO. A MÚSICA COMEÇA – VOLTAM AS TRÊS CRIANÇAS CANTANDO E DANÇANDO)
MÚSICA: QUEM TEM MEDO DE ASSOMBRAÇÃO?
TODOS: Quem é que não tem medo? De fantasma e assombração?
Quem é que não sua frio? Sente um gelo na mão?
Com história de visagem, alma penada e danação!
Faz aquele arrepio da espinha até o dedão!
MARIA: Mas é bom ouvir histórias! História de assombração!
PEDRO: Dá uma alegria no peito que espanta o bicho-papão!
PAULO: Mesmo história de fantasma, alma penada e perdição!
TODOS: Vira uma festa tão boa que clareia a escuridão!
Então...
Eu quero ouvir história de fantasma e assombração!
Eu quero suar frio! Sentir um gelo na mão!
Com história de visagem, alma penada e danação!
Dá um arrepio danado que aquece o coração!
FIM