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SOBRE O CONTO POPULAR

Na construção da narrativa do conto popular está sempre presente a situação inicial: personagens num tempo e num lugar (geralmente distantes do tempo e local do espectador/ouvinte) onde algum tipo de problema vai iniciar um conflito. Esse conflito será resolvido pelo herói ou heroína com auxilio dos poderes mágicos ou inteligência que o encaminham para o encontro final com a felicidade eterna.

A felicidade eterna não é um fim em si, mas um anseio que permeia a humanidade.

Essa linguagem simbólica é identificada em qualquer lugar do mundo, reconhecida e assimilada por pessoas de todas as idades, credos e raças.

Flávio Desgranges em seu livro PEDAGOGIA DO TEATRO: PROVOCAÇÃO E DIALOGISMO (São Paulo: Hucitec, 2006.) a partir de uma interpretação da educadora Sonia Kramer sobre a história de Xerezade, destaca importância dessas narrativas:

 

“ Podemos afirmar, construindo uma leitura particular da história, que o rei Xeriar, ao ouvir as narrativas, chocou os ovos da própria experiência, fazendo nascer deles o pensamento crítico. Ouvir a contação das histórias constituiu-se, nesse sentido, em vigorosa experiência pedagógica para o rei, que, à medida que ia compreendendo as tramas, reportava-se à própria existência; à medida que interpretava as histórias narradas, revia criticamente aspectos de sua vida, tomando consciência da própria história, estando, assim, em condições de transformá-la.  A experiência artística se coloca, desse modo, como reveladora, ou transformadora, possibilitando a revisão crítica do passado, a modificação do presente e a projeção de um novo futuro”.

           

SOBRE A ONÇA E O BODE

A Onça e o Bode é uma narrativa popular encontrada em diversas regiões do Brasil. Encontramos a mesma história com pequenas variações de personagens: “o veado e a onça” e “o coelho e a onça”.

Não é um conto exclusivamente brasileiro. Muitos pesquisadores acreditam que sua origem é africana. Na Nigéria existe uma versão idêntica à brasileira. Mas a narrativa se espalhou pelo mundo. Encontramos versões no Paraguai, no Haiti, Venezuela, Cabo Verde e também entre os povos árabes. As soluções finais dos contos diferem, mas em todas as narrativas os dois personagens constroem uma casa sem saber da presença do outro.

A versão brasileira é um bom exemplo de como na cultura popular o mais fraco derrota o mais forte através da inteligência.

 

CENA: no palco pernas cenográficas de tecido que podem ser de chita para dar um clima bem regional. No meio do palco um grande varal ou uma arara grande onde serão colocados adereços para formar uma casa. Esses adereços podem ser confeccionados com papelão, espuma ou tecido. A casa deve ter uma aparência rústica. Como uma casa de sopapo ou sapê.

Entra um personagem: é um andarilho. Usa um chapéu de couro com chifres e uma barbicha. Está vestido com coisas que encontrou nas suas andanças. Carrega uma mala bem rústica e uma trouxa.

 

BODE: Bom dia! Boa tarde! Boa noite, minha gente!! Estou chegando aqui nessas paragens! Para aqueles que não me conhecem... Eu me apresento: sou Auspício Auspicioso da Felicidade Alegre! Um nome pomposo e meio enrolado! Mas vocês podem me chamar pelo nome que me chamam desde do dia que nasci: Bode! Isso mesmo: Bode! Sou um bode desde que nasci. Mas sou um bode diferente! Ando daqui pra lá e de lá pra cá! Já andei por todo esse mundão sem fim! E quer saber de uma coisa? Eu estou ficando cansado!! Não tenho pouso certo e já andei muito por esse chão! Mas vou explicar melhor nessa canção!

 

(A MÚSICA COMEÇA E O BODE CANTA E DANÇA)

 

MÚSICA: DAQUI PRA LÁ!

 

BODE:           Daqui pra lá! De lá pra cá!

                        Minha vida é caminhar!

                        De lá pra cá! Daqui pra lá!

                        Quando é que isso vai acabar?

 

                        Sou povo da estrada

                        E vivo pra lá e pra cá!

                        Procuro e nunca encontro

                        Uma casa para morar!

 

                        Andei por todo sertão

                        E já viajei para o Japão!

                        De ônibus, barco ou avião

                        Já fui até ao Paquistão!

 

                        Mas já tô cansado

                        De tanto andar!

                        Não aguento mais!

                        Quero casa para morar!

                       

                        Daqui pra lá! De lá pra cá!

                        Minha vida é caminhar!

                        De lá pra cá! Daqui pra lá!

                        Quando é que isso vai acabar?

                       

(A MÚSICA PARA)

 

BODE: Pois é, minha gente! Estou cansado! Quero um lugar para descansar esses meus ossos velhos! Mas não sei onde pode ser! (O BODE COMEÇA A REPARAR NO LUGAR) Mas olha que esse lugar aqui até que é ajeitado! (ELE VAI ATÉ A MALA E TIRA UM SOL – FEITO DE SUCATA – E FALA ENQUANTO PENDURA O ADEREÇO NO VARAL OU ARARA) Tem vezes que a gente nem percebe o que tem em volta!! Um sol bonito desses! Tanta flor! E esse descampado está perfeito para construir uma casa! Só está precisando de uma limpezinha! (PEQUENA PAUSA) Peraí... Eu bem podia fazer essa limpeza e construir uma casa aqui! É ou não é? Mas é pra já! (ELE PEGA NA MALA UMA PEQUENA VASSOURA E VARRE ENQUANTO FALA) Tirando umas folhas daqui... Limpando a poeira dali... Acertando o terreno... E num instante está tudo pronto para fazer a minha casa! (PARA DE VARRER) Se Deus me ajudar vou fazer a casa mais linda desse mundo!! Vou deixar minha mala aqui bem guardadinha! (GUARDA A VASSOURA NA MALA E ESCONDE TUDO ATRÁS DE UMA DAS PERNAS CENOGRÁFICAS) E agora é só pegar material pra levantar minha casa! Vai ser muito bom!! Vai ser maravilhoso!! Parece que eu já estou vendo a minha casa nova! Esperem um pouco que eu já volto!!

 

(O BODE SAI. DO OUTRO LADO DO PALCO UM GRITO – ENTRA A ONÇA – ELA FICA ANDANDO AGITADA PELO PALCO. O FIGURINO PODE TER CARACTERÍSTICAS REGIONAIS)

 

ONÇA: Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! Minhas costas! Quanta dor nas costas! Não dá pra ser feliz assim! (REPARA NA PLATÉIA) Ah... desculpem... é que ter dor nas costas não é nada bom... e eu nem me apresentei! Mas nem precisa, né? Todo mundo me conhece! Eu... Eu sou a onça!

 

(A MÚSICA COMEÇA E A ONÇA CANTA E DANÇA)

 

MÚSICA: A RAINHA DA FLORESTA!!

 

ONÇA:          Acho bom ter medo de mim!

                        Sou feroz, terrível! Sou a tal!

                        Ninguém escapa das minhas garras

                        Sou uma caçadora sem igual!

 

                        Sou a onça! A grande caçadora!

                        Sou a onça! A maior predadora!

                        Sou a onça! Ninguém me contesta!

                        Sou a onça! A rainha da floresta!

 

                        Mas na verdade

                        Não é bem assim

                        Eu posso ser amiga

                        É só gostar de mim!

 

                        Sou a onça! Romântica e sonhadora!

                        Sou a onça! Linda e encantadora!

                        Sou a onça! Eu sou uma festa!

                        Sou a onça! A rainha da floresta!

 

(A MÚSICA PARA. E A ONÇA SUSPIRO E GEME)

 

ONÇA: Ai! Ai! Ai! Mas como eu posso ser uma rainha se não tenho nem um castelo? Nem uma casinha? Tenho que dormir no chão duro e fico com uma dor danada nas costas! Aiiiiiii! Eu preciso arrumar uma casa! Um lugar para construir minha casa... (REPARANDO EM VOLTA) Mas olha só que esse lugar é bem simpático... um terreno limpo... muitas flores... nesse terreno limpo eu posso fazer a minha casa... Deus está me ajudando! Só pode ser isso! Achei esse descampado já aplainado! Vou fincar umas estacas para marcar o terreno! (PEGA O SUPORTE  ATRÁS DAS PERNAS CENOGRÁFICAS E POSICIONA NO PALCO ENQUANTO FALA) É só colocaar uma aqui... outra acolá.... e num instante... o terreno está marcado! Agora é só pegar mais material pra construir minha casa!! Ah... vai ser maravilhoso!!

 

(A ONÇA SAI E O BODE ENTRA PELO OUTRO LADO TRAZENDO OBJETOS QUE SERÃO PENDURADOS NO VARAL)

 

BODE: (MEIO DESAJEITADO) Ai! Peraí! Cuidado! Olha que eu caio! (SE APRUMA) Pronto! Ufa! Quase cai! (REPARANDO AS ESTACAS) Mas olha só! Ai! Nem acredito! Que beleza! Deus está me ajudando mesmo! As estacas já estão fincadas para marcar o terreno! Agora é só levantar as paredes! (ELE PENDURA A PAREDE NO SUPORTE) Uma parede aqui! Outra aqui! E ajeita com cuidado! Prontinho! Agora é só pegar mais material para terminar minha casa! Nem acredito, meu Deus! Muito obrigado! Enfim vou ter uma linda casa!

 

(O BODE SAI E A ONÇA ENTRA PELO OUTRO LADO TRAZENDO OBJETOS QUE SERÃO PENDURADOS NO SUPORTE)

 

ONÇA: (REPARANDO AS PAREDES) Ui! Nem acredito! As paredes já estão de pé! Mas que coisa boa! Como Deus é generoso! Levantou essas paredes pra mim! Ia dar tanto trabalho fazer isso! Bom... Mas uma casa não pode ficar sem telhado! (PENDURA O TELHADO NO SUPORTE ENQUANTO FALA) Ai! É meio complicado fazer um telhado! Ajeita daqui! Acerta dali! Agora sim! Está uma beleza! Vou buscar meus móveis! Finalmente terei uma casa só minha! Um verdadeiro castelo! O castelo da rainha da floresta! Obrigada, meu Deus!

 

(A ONÇA SAI E O BODE ENTRA PELO OUTRO LADO TRAZENDO OBJETOS QUE SERÃO PENDURADOS NO SUPORTE)

 

BODE: (REPARANDO O TELHADO – MUITO FELIZ) Ai, meu Deus!! Ai, meu Deus! Ai, meu Deus do céu! Muito obrigado! Ia dar um trabalhão fazer esse telhado! (REPARANDO MELHOR) Mas... peraí... Como é que entra nessa casa? Não tem porta, nem janela! Ah... Mas eu dou um jeito nisso! (PENDURA UMA PORTA E UMA JANELA NO SUPORTE ENQUANTO FALA) Sem porta e janela não dá! Como é que eu vou viver num lugar fechado? Pronto! Agora sim! Obrigado, meu Deus! Vou buscar os meus móveis e viver feliz na minha casinha nova!

 

(O BODE SAI E A ONÇA ENTRA PELO OUTRO LADO COM OBJETOS DE CASA – PODE SER UMA ALMOFADA E UM BANQUINHO)

 

ONÇA: Pronto! Já estou aqui com as minhas coisas... (REPARANDO) Meu Deus! A porta e a janela! Eu tinha esquecido que precisava de porta e janela! Falta de prática... Sabe como é, né? Nunca tive uma casa! Mas é mesmo uma beleza a minha casa! Quase um castelo: tem dois quartos, sala, cozinha e banheiro! Muito conforto! Ai... Mas essa trabalheira toda me deu um cansaço... (ESPREGUIÇA) Vou dormir um pouco... Vou dormir nesse quarto daqui! (APONTA PARA ESQUERDA) Mas antes de dormir... Vou trazer a noite... (ELA VIRA O ADEREÇO DO SOL QUE ESTÁ PENDURADO NO SUPORTE E APARECE A LUA – A ONÇA SE ESPRIGUIÇA) Enfim... S Rainha da Floresta vai entrar em seu castelo!! (BOCEJANDO) Ahhhhh... Deixa eu dormir... Amanhã eu penso o que eu faço com o outro quarto!

 

(A ONÇA VAI PARA TRÁS DA ARMAÇÃO/CASA PELA ESQUERDA. O BODE ENTRA PELO OUTRO LADO COM OBJETOS DE CASA – PODE SER UM PENICO E UM LENÇOL)

 

BODE: (REPARANDO A LUA) Nossa! Nem vi o tempo passar! Já é noite! A lua já está no céu! Mas agora eu estou tranquilo! Estou aqui com as minhas coisas e, graças a Deus, tenho uma casa! E que casa! Um luxo: dois quartos, sala, cozinha e banheiro! Vou dormir nesse quarto aqui (APONTA PARA DIREITA E DEPOIS SE ESPREGUIÇA) Ahhhhhh... Amanhã eu penso o que eu faço com o outro quarto!

 

(O BODE VAI PARA TRÁS DA ARMAÇÃO/CASA PELA DIREITA. A LUZ BAIXA EM RESISTÊNCIA E LOGO SOBE DE NOVO – UMA PERCUSSÃO DELICADA PODE ACOMPANHAR ESSE MOVIMENTO DE LUZ - UM GALO CANTA EM OFF – A ONÇA ESPREGUIÇANDO SAI DETRÁS DA ARMAÇÃO/CASA PELA ESQUERDA)

 

ONÇA: Nossa! O galo já cantou e a lua ainda nem foi dormir! Vou resolver isso! (A ONÇA VIRA O ADEREÇO DA LUA E APARECE O SOL) Pronto! Vai descansar lua por que eu dormi como um anjo! Nenhuma... Mas nenhuma dor nas costas! (SUSPIRA) Ai! Como é bom acordar na sua própria casa! Agora eu tenho que pensar o que eu tenho que fazer com aquele outro quarto...

 

(O BODE ESPREGUIÇANDO SAI DETRÁS DA ARMAÇÃO/CASA PELA DIREITA – A ONÇA OLHA PARA ELE ESPANTADA)

 

BODE: Que noite maravilhosa! Bom dia, sol! Bom dia, dia! Bom dia, natureza! Bom dia, onça! (O BODE TOMA UM GRANDE SUSTO) Onça?! Ai! O que é isso?

 

ONÇA: (MEIO ZANGADA) Compadre bode, o que é que você estava fazendo dentro da minha casa?

 

BODE: (SE REFAZENDO DO SUSTO) Como sua casa? A casa é minha, dona onça!

 

ONÇA: (ZANGADA) Não é, não! A casa é minha!

 

BODE: (ZANGADO) É minha!

 

ONÇA: (ZANGADA) MINHA!

 

BODE: (ZANGADO) MINHA!

 

(OS DOIS FALAM BEM RÁPIDO)

 

ONÇA: Eu finquei as estacas!

 

BODE: E eu aplainei o terreno...

 

ONÇA: Eu coloquei o telhado!

 

BODE: Eu levantei as paredes e coloquei a porta e a janela!

 

ONÇA: Meus móveis estão aí dentro!

 

BODE: Os meus móveis também estão lá dentro!

 

JUNTOS: Fiz tudo com a ajuda de Deus!

 

(OS DOIS PARAM E SE OLHAM)

 

BODE: Não foi com a ajuda de Deus?

 

ONÇA: Deus também ajudou! Mas quem fez o serviço mesmo fui eu e você, compadre! Fizemos a casa juntos! E nem percebemos...

 

BODE: E o que a gente faz agora?

 

ONÇA: (MEIO MISTERIOSA) Ora... já que a gente teve tanto trabalho... Fizemos isso tudo juntos... E pe-re-rê... E tá-tá-tá! Porque nós não moramos juntos na casa? A casa é grande... Tem dois quartos... Tem espaço suficiente para nós dois...

 

BODE: E como é que vai ser isso?

 

ONÇA: Vai ser uma beleza!

 

(A MÚSICA COMEÇA – A ONÇA E O BODE CANTAM E DANÇAM)

 

MÚSICA: A CASA DA ONÇA E DO BODE

 

JUNTOS:                  Construímos juntos nossa casa

                                   E vamos nela morar!

                                   Vai ser um céu na terra!

                                   Uma harmonia no lar!

 

BODE:                       Mas será que vai dar certo?

                                   Será que vamos nos arranjar?

                                   Morar junto é bem difícil

                                   A gente pode até brigar!!

 

ONÇA:                      Vai ser uma alegria!

                                   Uma coisa de encantar!

                                   Os dois morando juntos

                                   Uma felicidade sem par!

 

BODE: (APARTE)  Isso é conversa da onça!

                                               Ela quer me enganar!

                                               Mas daqui eu não saio!

                                               Minha casa eu não vou deixar!

 

ONÇA: (APARTE)  Esse bode é muito esperto!!

                                               E vai querer me enganar!!

                                               Eu vou arrumar um jeito

                                               De nessa casa sozinha morar!!

 

JUNTOS:      Construímos juntos nossa casa

                        E vamos nela morar!

                        Vai ser um céu na terra!

                        Uma harmonia no lar!

                        Será???          

 

(A MÚSICA PARA)

 

ONÇA: Então, compadre bode... o que o senhor me diz?

 

BODE: Está bem, dona onça! A gente vai morar junto, mas precisa se organizar!

 

ONÇA: Mas é claro! Sem organização não dá! Eu tenho até uma sugestão pra gente se organizar!

 

BODE: Que sugestão é essa?

 

ONÇA: Olha só... Eu vou sair agora e trazer comida para o nosso almoço! Depois o compadre sai e arranja comida para o nosso jantar! A gente pode fazer isso todo dia. Que tal?

 

BODE: (RECEOSO) É... Parece uma boa ideia... A senhora arruma o almoço... E eu arranjo o jantar...

 

ONÇA: Então eu já vou... (APARTE PARA PLATÉIA) Eu vou é arrumar um jeito de botar esse bode pra fora daqui antes que ele me expulse da minha casa! Vou dar um susto tão grande nesse bode que ele vai embora rapidinho!

 

(A ONÇA SAI – O BODE FICA PREOCUPADO)

 

BODE: Ai... Meu Deus! O que será que essa onça vai aprontar! Vocês sabem, né? Onça é um bicho esperto... Matreiro! Eu tenho que ficar de olho aberto se não ela me bota daqui pra fora! Mas eu não tô com medo, não! E não vou sair da minha casa de jeito nenhum! Não vou mesmo! Afinal de contas eu sou um bode corajoso! Eu sou Auspicioso Auspício da Felicidade Alegre! Não tenho medo de nada! Sou valente! (EM OFF SOM DE RUGIDO FORTE – O BODE SE ASSUSTA) Ai, meu Deus! Ai, meu Deus!! O que será isso? (EM OFF SOM DE RUGIDO FORTE) Ai, meu Deus! Meu padinho Ciço! Deve ser a onça! Será que ela já arranjou o almoço?

 

(A ONÇA ENTRA ARRASTANDO UM GRANDE SACO. ELA JOGA O SACO NO MEIO DA CENA)

 

ONÇA: Olhe, compadre bode, o nosso almoço! Você pode prepará-lo!

BODE: Mas o que é isso? O que tem nesse saco?

ONÇA: Um bode que eu cacei!

 

 

BODE: Mas é um bode enorme! (APARTE) Credo! Um bode muito maior do que eu! Se ela caçou esse bode tão grande o que não vai fazer comigo?!

 

ONÇA: (APARTE) Eu não cacei esse bode! Comprei lá no supermercado! Mas ele não precisa saber, né? (PARA O BODE) Então, compadre... Vai querer almoçar?

 

BODE: (DISFARÇANDO) Ih... Comadre... Sabe o que é... Não estou com a menor fome... A senhora pode almoçar sozinha... Acho que vou até sair e já arrumar alguma coisa para o nosso jantar...

 

ONÇA: Então está bem, compadre! Vou lá naquele outro descampado para preparar o meu almoço!

 

BODE: Vai, amiga onça! Pode ir... (A ONÇA SAI ARRASTANDO O SACO) E agora, meu Deus, o que é que eu faço? Se a onça pegou aquele bode enorme... O que não vai fazer comigo?! Eu tenho que pensar em alguma coisa pra derrotar a onça! Dessa casa eu não saio mesmo!

 

(A MÚSICA COMEÇA – O BODE CANTA)

 

MÚSICA: PENSA! PENSA, BODE VELHO!

 

BODE:           E agora o que eu faço?

                        Como é que eu vou me arranjar?

                        Tô numa enrascada tremenda!

                        Como é que eu vou me safar?

 

                        Pensa! Pensa, Bode velho!

                        Pra uma salvação arranjar!

                        Pensa! Pensa, Bode velho!

                        Que você vai se salvar!

 

                        A onça tem muita força,

                        Mas é burra de amargar!

                        Quero ter uma boa ideia

                        Pra onça poder enganar!

 

                        Pensa! Pensa, Bode velho!

                        Pra uma salvação arranjar!

                        Pensa! Pensa, Bode velho!

                        Que você vai se salvar!

 

                        A esperteza vai vencer a força

                        De uma forma bem legal!

                        A esperteza vai vencer a força

                        De uma forma genial!

 

                        Pensa! Pensa, Bode velho!

                        Pra uma salvação arranjar!

                        Pensa! Pensa, Bode velho!

                        Que você vai se salvar!

 

(A MÚSICA PARA)

 

BODE: É... Está tudo muito bom! Está tudo muito bem! Mas tenho que ter uma ideia genial pra derrotar a onça... Mas que ideia é essa?

 

(A ATRIZ QUE FAZ A ONÇA ENTRA VESTIDA COM UM CASACÃO E UMA MÁSCARA – ELA FARÁ UMA OUTRA ONÇA – O BODE REPARA NELA)

 

BODE: Mas olha lá! Uma onça pintada muito maior que aquela que mora comigo! E essa onça está me dando uma boa ideia!

 

(O BODE CANTAROLANDO CHEGA PERTO DA ONÇA PINTADA)

 

BODE: Lá - Lá – Lá! Lá - Lá – Lá! Lá - Lá – Lá! Lá - Lá - Lá!

 

ONÇA PINTADA: (REPARANDO E FALANDO COM VOZ GROSSA) Olá, senhor bode! Porque está tão feliz? Cantando com tanta alegria?

 

BODE: Como vai, dona pintada? Que beleza de pelo! Cheio de pintas!

 

ONÇA PINTADA: (VAIDOSA) Gostou? Tenho essa pelagem desde que nasci! Mas porque o amigo está tão feliz e cantante?

 

BODE: Ah... Amiga pintada, eu estou feliz porque não tenho pintas!

 

ONÇA PINTADA: Como é que é? O senhor está feliz por não ter pintas? Que história é essa?

 

BODE: A senhora não está sabendo? Uma ventania terrível vai levar todos os bichos que tem pintas! E só os que tem pintas! Todos os bichos pintados estão trocando suas pelagens...

 

ONÇA PINTADA: É verdade, amigo bode?

 

BODE: Por essa luz...

 

ONÇA PINTADA: Que perigo, não é?

 

BODE: Um perigo enorme! Os pintados que não trocarem a pele vão sair voando pelos ares! Sabe lá onde vão parar! As galinhas d´angola já trocaram as penas! As girafas também trocaram de roupa! Até os dálmatas estão de pelagem nova!

 

ONÇA PINTADA: Ai, meu Deus! Então a coisa é séria mesmo! Que coisa terrível! Como é que eu faço pra trocar de roupa? O amigo bode me ajuda?

 

BODE: Ah, dona pintada, não sei...

 

ONÇA PINTADA: Por favor, é uma amiga que lhe pede...

 

BODE: Ih... Não sei, não...

 

ONÇA PINTADA: Por favor... Por favor... Por favor...

 

BODE: Então está bem! Já que a senhora insiste...

 

ONÇA PINTADA: E como é que eu faço?

 

BODE: A senhora vai ali pra trás e tira a sua pele!

 

ONÇA PINTADA: E vou ficar pelada?

 

BODE: Claro que não, amiga pintada! Eu vou arrumar uma roupa bem legal pra você! Pode ficar tranquila! Vai ali e tira a sua pele!

 

(A ONÇA PINTADA VAI PARA COXIA E FALA FORA DE CENA)

 

ONÇA PINTADA: (FORA DE CENA) Ai! Tá difícil, bode! Ajuda aqui!

 

BODE: Já vou, pintada!

 

(O BODE VAI ATÉ A COXIA E PÕE AS MÃOS DENTRO E FAZ COMO SE ESTIVESSE PUXANDO A PELE)

 

ONÇA PINTADA: (FORA DE CENA) Força, bode!

 

BODE: Tô fazendo!

 

ONÇA PINTADA: (FORA DE CENA) Puxa com força, amigo bode!

 

BODE: Tô puxando!

 

ONÇA PINTADA: (FORA DE CENA) Mais forte!

 

BODE: Tá difícil!

 

(O BODE PUXA COM FORÇA E CAI DO OUTRO LADO DO PALCO COM A PELE/CASACO DA ONÇA PINTADA NA MÃO)

 

BODE: Consegui!

 

(A ONÇA PINTADA COLOCA SÓ A CABEÇA PRA FORA DA COXIA)

 

ONÇA PINTADA: E agora, amigo bode... Cadê minha roupa nova?

 

BODE: Já vou pegar! (O BODE SAI)

 

ONÇA PINTADA: Anda logo que eu já tô com frio! Não posso ficar assim pelada!

 

(O BODE VOLTA TRAZENDO UMA GRANDE FOLHA)

 

BODE: Tome, amiga pintada! A sua nova roupa! (ENTREGA A FOLHA PARA A PINTADA)

 

ONÇA PINTADA: Mas isso é uma folha! (A PINTADA SAI DA COXIA – A FOLHA COBRE TODO O CORPO DA ATRIZ) Uma onça não pode ficar vestida com uma folha! Parece Adão e Eva no paraíso! O que as outras onças vão falar? Vão zombar de mim!

 

BODE: A senhora acha?

 

ONÇA PINTADA: Claro que sim! Como é que eu vou aparecer vestida desse jeito? Que desculpa eu posso dar?

 

BODE: (OLHANDO PRA DENTRO DA COXIA COMO SE AVISTASSE ALGUÉM) Acho melhor a senhora arrumar uma desculpa rapidinho porque tá vindo uma onça pra cá!

 

ONÇA PINTADA: Uma onça! Ai, meu Deus, ela não pode me ver assim!

 

BODE: (AINDA OLHANDO PRA FORA DE CENA) É... Mas ela já tá chegando! É melhor a senhora sair daqui!

 

ONÇA PINTADA: Ai, meu Deus!

 

(A ONÇA PINTADA SAI CORRENDO)

 

BODE: Ah... Dessa daí eu já me livrei! Agora tenho que preparar a segunda parte do meu plano! A onça não perde por esperar! Vou morar sozinho na minha casa! Oba!

 

(O BODE SAI E A ONÇA ENTRA SEM A MÁSCARA)

 

ONÇA: Cadê aquele bode danado! Aposto que deve estar morrendo de medo e deve ter fugido daqui! Ainda bem! Finalmente vou morar sozinha na minha casa! No meu castelo!

 

(O BODE ENTRA CANTAROLANDO VESTIDO COM O CASACO - CARREGA UMA GRANDE PANELA E UMA COLHER DE PAU – ELE COLOCA A PANELA NO CENTRO DO PALCO E FICA MEXENDO NELA COM A COLHER)

 

BODE: LÁ-RA-RA-RA-RA-RARÁ!! LÁ-RA-RA-RA-RA-RARÁ!!

 

ONÇA: O que é isso, bode? O que você está fazendo? Pensei que você tinha ido embora...

 

BODE: (SEM PARAR DE MEXER) Eu, dona onça, porque eu iria embora da minha casa?

 

ONÇA: Não sei.... Achei que o amigo estava com medo.... Mas o que você está fazendo?

 

BODE: (SEM PARAR DE MEXER) O nosso jantar, comadre onça!

 

ONÇA: E esse casaco? Onde você arranjou?

 

BODE: (SEM PARAR DE MEXER) Ué! Esse casaco é a pele do nosso jantar! Cacei uma onça pintada, tirei a pele, fiz esse casaco e agora estou fazendo o nosso jantar com a carne!

 

ONÇA: Mas esse casaco é muito grande! Essa onça devia ser muito grande!

 

BODE: Enorme, comadre! Imensa! Muito maior que a senhora!

 

ONÇA: (APAVORADA) Como é que o senhor conseguiu pegar essa onça tão grande, compadre bode? Essa pintada devia ser muito maior do que eu!

 

BODE: (PISCA PARA A PLATÉIA – DEPOIS MISTERIOSO PARA A ONÇA) Ah... Dona onça... Eu tenho um poder mágico! Uma magia muito poderosa! A maior magia de todos os tempos! Eu assobio três vezes e aponto assim e... BIMBA! Qualquer bicho cai durinho da silva! Não importa o tamanho!

 

ONÇA: (APAVORADA) É mesmo, compadre? Que coisa!

 

BODE: Estou achando que a senhora não está acreditando no meu poder! Não está acreditando na minha magia! Se não acredita quer que eu experimente?

 

ONÇA: (APAVORADA) Não, compadre! Não precisa! Eu acredito no senhor! Claro que acredito...

 

BODE: (MISTERIOSO) Acho que não está acreditando, não... Eu vou mostrar pra senhora o meu poder!

 

ONÇA: (APAVORADA) Não precisa, compadre! Eu acredito no senhor! Juro que acredito...

 

(O BODE DÁ UM SALTO E ASSOVIA)

 

BODE: Fiuuuuuuu... Que já foi o primeiro assobio!

 

ONÇA: (CADA VEZ MAIS APAVORADA) Não precisa, não...

 

(O BODE DÁ OUTRO SALTO E ASSOVIA)

 

BODE: Fiuuuuuuu... Que já vai o segundo assobio!

 

ONÇA: (TOTALMENTE APAVORADA) Não precisa mesmo...

 

(O BODE DÁ OUTRO SALTO E ASSOVIA)

 

BODE: O terceiro assobio: Fiuuuuuuu... Agora é só apontar!

 

(O BODE VAI APONTAR PARA A ONÇA – ELA GRITA)

 

ONÇA: SOCORRO! Não! Não! Por favor!

 

(A ONÇA GRITANDO SE ENCOLHE TODA MORRENDO DE MEDO – ESSA MOVIMENTAÇÃO PODE SER ACOMPANHADA POR UMA SONOPLASTIA – O BODE FICA COM PENA DA ONÇA)

 

BODE: Oh, dona onça! Calma! Era só uma brincadeira! Não precisa ficar com tanto medo!

 

ONÇA: É verdade, bode? É só uma brincadeira?

 

BODE: Claro que é!

 

ONÇA: E porque você está fazendo isso?

 

BODE: Porque a senhora estava querendo me botar pra fora da minha casa!

 

ONÇA: Eu achei que o senhor é que estava querendo me botar pra fora e morar sozinho aqui!

 

BODE: Eu? A senhora é que caçou aquele bode grande pra me assustar!

 

ONÇA: Cacei nada! Comprei no supermercado! Estava em promoção! Mas o senhor quis me assustar com essa história de assobio mágico!

 

BODE: Já falei! Era só brincadeira! Estou vendo que a gente estava pensando a mesma coisa! Um querendo assustar o outro! Construímos a casa juntos sem saber e agora quase que estragamos tudo!

 

ONÇA: Pois é! E agora? O que a gente faz?

 

BODE: E se a gente morasse junto aqui numa boa?

 

ONÇA: Mas a gente é tão diferente! Será que vai dar certo?

 

BODE: E porque os diferentes não podem viver juntos? Se um respeitar o outro pode dar certo! Que tal a gente tentar?

 

ONÇA: Eu topo! Mas será que vai dar certo mesmo?

 

BODE: Claro que vai! É só a gente querer!

 

(A MÚSICA COMEÇA – O BODE E A ONÇA CANTAM E DANÇAM)

 

MÚSICA: UMA CASA PARA DOIS

 

JUNTOS:      Nós somos diferentes,

                        Mas podemos nos respeitar!

                        Uma casa para dois!

                        Assim vai ser o nosso lar!      

 

BODE:           Temos agora a nossa casa

                        E é nela que vamos morar!

                        Vai ser um céu na terra!

                        Cheiro de harmonia no ar!

 

ONÇA:          Vai ser uma alegria!

                        Uma coisa de encantar!

                        Temos agora a nossa casa

                        Uma felicidade sem par!

 

JUNTOS:      Nós somos diferentes,

                        Mas podemos nos respeitar!

                        Uma casa para dois!

                        Assim vai ser o nosso lar!      

 

ONÇA:          Essa história aqui termina

                        E nos traz grande emoção!

                        Guardada com muito carinho

                        Bem dentro do coração!

 

BODE:           Perguntamos nesse instante,

                        Quem pergunta quer a verdade:

            Será que a nossa peça

                        Trouxe pra vocês felicidade?

 

JUNTOS:      Pedimos, se não for muito,

                        Que a resposta seja dada

                        Com um aplauso caloroso

                        E de forma apaixonada!

FIM

UMA CASA PARA DOIS.jpg
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