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CONTOS DE
ESPERTEZA

ANANSE E O BOM SENSO

 

Um dia Ananse concluiu que, se conseguisse reunir todo o bom senso do mundo numa cabaça, ficaria rico.

 

— Sim! Guardando comigo todo o bom senso do mundo, muitas pessoas virão me procurar em busca de conselhos para resolverem seus problemas. Então vou cobrar bem caro por eles. Vou ficar rico!

 

Saiu com uma enorme cabaça, recolhendo todo bom senso que encontrava. Quando a cabaça estava cheia, ele resolveu pendurar o pote numa árvore bem alta para que ninguém pudesse pegar. Ele amarrou uma corda em volta do gargalo da cabaça e deu um nó nas duas pontas da corda. Pendurou-a em seu pescoço, junto à barriga, e começou a subir na árvore. Mas a situação ficou complicada. A cabaça balançava para lá e para cá, dificultando a subida. Foi quando Ananse ouviu uma risada que vinha lá de baixo. Ele se virou e viu um garotinho que olhava para cima e se dobrava de tanto rir enquanto dizia:

 

— Que bobo! Por que não coloca a cabaça nas costas?

 

Ao ouvir palavras tão sensatas, vindas da boca de um simples menino, percebeu a bobagem que estava fazendo. Ananse atirou a cabaça no chão e ela se quebrou em mil pedacinhos.

O vento soprou espalhando bom senso pelos quatro cantos do mundo.

Foi assim que cada pessoa ficou com um pouquinho. Uns mais e outros menos.

 

Adaptação de Augusto Pessôa

 

 

O RETRATO DO REI

 

Era uma vez, um rei muito rico e poderoso, que se achava muito bonito. Na verdade, ele era alto e forte, mas o seu nariz era horrível! Imenso, torto, vermelho e enrugado. No entanto, ninguém tinha coragem de falar a verdade para um rei tão poderoso e vaidoso. Por isso, ele se sentia cada vez mais lindo.

Um dia, próximo ao aniversário da rainha sua mãe, ele reuniu os seus ministros e falou:

 — Quero dar um retrato meu de presente para minha mãe! Quero que seja pintado pelo melhor pintor do reino! Vai ser um quadro lindo com um homem bonito como eu'?

Foi dada a ordem para que procurassem o melhor pintor do reino. Apareceu um pintor de uma cidade vizinha. Ele tinha fama de pintar quadros tão perfeitos, que pareciam ter vida. O pintor fez um retrato tão parecido com o rei, que todos ficaram admirados! Todos, menos o próprio rei, que gritou furioso:

— Como ousa pintar meu belo rosto com esse nariz medonho?

O rei mandou enforcar o pobre pintor. E assim foi feito.

Outros pintores também foram convocados e tiveram o mesmo destino. Os ministros já não sabiam o que fazer. Até que um rapaz se ofereceu para realizar a pintura. Esse pintor tinha a fama de agradar a todos que para ele posavam. O rapaz, que era muito esperto, teve uma ideia, pediu para ver o rei e falou ao monarca:

— Majestade, sua fama de grande caçador é imensa. Posso retratar sua nobre figura em seus trajes de caça?

O rei, que era a vaidade em pessoa, adorou a ideia. Ele vestiu seus trajes de caça e empunhou seu rifle reluzente. Posou na frente do pintor para ser retratado. A obra ficou pronta e o artista mostrou o quadro ao rei. O monarca começou a gritar de alegria:

— Venham! Venham todos! Venham ver que trabalho fantástico!

A corte inteira foi ver o resultado. Todos entenderam a esperteza do pintor e falaram:

- Que beleza, majestade! Que maravilha!

O Rei mandou dar um grande tesouro ao pintor. O jovem ficou rico, agradeceu e foi embora.

O quadro ficou exposto na sala principal do castelo. Uma imensa tela retratando o rei com suas vestes de caça e o rifle reluzente bem em frente ao seu nariz. Escondendo, completamente, aquela coisa feia.

 

Adaptação de Augusto Pessôa

A HISTÓRIA MAIS LONGA DO MUNDO

 

Era uma vez um rei que adorava ouvir histórias, mas achava as narrativas curtas demais. Por mais que o contador de histórias do reino se esforçasse, o rei continuava insatisfeito.

Até que um dia, furioso, mandou o seu pobre contador para a prisão e lançou um desafio: daria quinhentas moedas de ouro a quem contasse uma história tão comprida que o fizesse se cansar. Mas o coitado que não conseguisse, em vez de quinhentas moedas, ganharia quinhentas chibatadas. Várias pessoas se candidataram a contar histórias para o rei. Alguns passaram horas e outros chegaram a atravessar dias contando as suas histórias. Mas o rei nunca ficava satisfeito e os coitados levavam chibatadas. Até que veio um esperto contador de histórias que falou:

— Eu vou ganhar essas moedas de ouro.

Ele foi até o castelo e disse ao rei:

— Quero contar uma história para o senhor, meu rei!

O monarca olhou para aquele moço e não acreditou muito nele, mas quis ouvir a história. O jovem contador ficou bem no meio do salão real e começou:

— Era uma vez uma fazenda que tinha um grande celeiro lotado de grãos. Era muito grão. Nesse celeiro tinha um buraquinho. Um buraquinho bem pequeno por onde... ZZZ... Passou um mosquito. O mosquitinho pegou um grão e... ZZZ... Passou pelo buraquinho e levou o grão para outro lado. Depois voltou e... ZZZ... Passou pelo buraquinho, pegou um grão e... ZZZ... Levou para o outro lado. Depois voltou e... ZZZ... Passou pelo buraquinho, pegou um grão e... ZZZ... Levou para o outro lado...

O rei ficou impaciente:

— Mas continue a história! Já entendi essa parte!

E o rapaz, tranquilo, respondeu:

— Não, Majestade. Enquanto não saírem todos os grãos, eu não posso continuar a história.

O rei, não aguentando mais, se deu por vencido. O rapaz esperto ganhou suas moedas de ouro e foi embora.

O monarca, com saudades de ouvir histórias, mandou soltar seu antigo contador e continuou a se deliciar com as narrativas. Mesmo que curtas.

E essa história acabou!

 

Adaptação de Augusto Pessôa

MALASARTES E A PANELA MÁGICA

 

O Pedro Malasartes ficou sem dinheiro depois de uma farra danada. Restou só o suficiente para comprar uma panela usada e bem velha. E na primeira viagem que fez, sentindo uma fome terrível, ele decidiu usar a panela, lá no meio da estrada mesmo. Com uns gravetos secos, o amarelo fez uma fogueira. Tirou uma batata e um toucinho de dentro da sua bolsa. Encheu sua panela com água, que pegou numa cachoeira, e começou a cozinhar a comida. Quando o mirrado almoço estava quase pronto, o Pedro percebeu  que um comboio se aproximava. Era um comboio enorme com uma carga imensa. O caipira teve uma ideia daquelas para enganar o comboio e ganhar um bom dinheiro. Abriu depressa um buraco e colocou as brasas e os tições da fogueira dentro. Cobriu tudo com a areia e colocou a panela que fervia em cima. Ficou esperando até que o comboio carregado se aproximou. Vendo aquela cena estranha, o grupo de comboieiros logo parou. O pessoal do comboio ficou espantado com o que via. Sem fogo nenhum aquela panela fervia. Parecia mágica. Uma panela assim todo mundo quer. E perguntaram ao Malasartes:

— Amigo, que mágica é essa? Sem fogo essa panela está fervendo essa comida. Como é que pode?

O amarelo sem pressa, mexendo na tal panela, contou para os comboieiros essa história:

— É uma panela mágica que ganhei de minha mãezinha. Não carece de ter fogo, pois ela mesma se esquenta sozinha. É uma coisa muito útil quando a gente não tem cozinha. Dá pra fazer de um tudo! Eu sempre cozinho nessa panela.

O grupo de comboieiro ficou espantado. Eles queriam ter aquela preciosidade. Imagina?! Uma panela que não precisa de fogo?! Um objeto desses teria muita utilidade na viagem. E falaram ao caipira:

— Faço um preço, amigo! Podemos fazer negócio!

Mas o malandro, comendo seu almoço, inventou uma saudade:

— Ah! Essa panela não dou nem vendo por nada. Ganhei essa panela de minha velha mãe que já morreu. Olho para a panela e vejo minha mãe adorada. Não posso vender uma relíquia que ganhei de minha mãezinha.

Mas os comboieiros pediram tanto e ofereceram tanto dinheiro, que o malandro, fingindo não ter outra saída, vendeu a panela dada por sua mãe querida. Os comboieiros felizes seguiram pela estrada achando que levavam uma panela encantada. E o Malasartes foi, para o outro lado, viver nova aventura.

Eita amarelo esperto! Esse é da pá virada!

 

ADAPTAÇÃO DE AUGUSTO PESSÔA

HISTÓRIA DE PASSARINHO

 

O Malasartes andava por uma estrada que ele não conhecia. Ele estava pensando em um jeito de conseguir um dinheiro fácil. Mas não tinha ninguém na estrada. Até que o Pedro reparou num montinho fedorento. Uma coisa horrível. Quando reparou na coisa veio um pensamento:

— Tive uma ideia com esse cocô da estrada. Vou ganhar um dinheirinho! Deve passar por aqui gente boa de enganar e que tem muito dinheiro. Vou ficar por aqui só a esperar.

O malandro cobriu o montinho com seu chapéu e ficou segurando as abas. Até que surgiu na estrada um moço garboso montado em seu cavalo. Era moço muito prosa. O rapaz se aproximou e foi logo falando:

— Oh, você aí, que está fazendo, seu idiota? Saia do caminho!

Malasartes muito esperto se fez de bobalhão. E a conversa foi por aí:

— Desculpe atrapalhar, seu Moço Doutor. E que tenho aqui uma joia. Coisa muito fina!

— Esse chapéu velho, sujo e encardido?

— Não falo do chapéu.  Falo do que tem dentro. Um passarinho lindo. Um verdadeiro talento!

— Pois levante o chapéu e mostre o bichinho. Quero ver o talento desse passarinho!

— Mas se eu levantar o chapéu ele vai voar. Eu vou ficar sem o lindo passarinho!

— Então ponha o bichinho numa gaiola!

— Mas, seu moço doutor, não tenho gaiola.

— Pois então vá comprar. Uma boa gaiola pra essa ave! Eu dou o dinheiro. Quero ver o passarinho cantar!

— Se o doutor assim quer. Assim será feito. Mas segure o chapéu pro passarinho não voar.

O Doutor Gabola desmontou do cavalo, sentou no chão e segurou o chapéu. E o Malasartes falou assim:

— O Doutor segure bem. Vou numa carreira só! Mas devo demorar. A venda é longe. Indo a pé a estrada fica comprida. Se tivesse outro jeito de fazer essa viagem!

— Vá no meu cavalo. E aqui nesse bolso você pegue o dinheiro.

Malasartes pegou o dinheiro, montou no cavalo e sumiu na estrada. O moço doutor, ainda se achando esperto, disse bem alto:

— Agora que esse bobalhão caipira foi embora vou pegar o passarinho pra cantar no meu quintal!

O Doutor e enfiou a mão no chapéu pra pegar o passarinho. Mas teve uma decepção. Ficou com a mão lambrecada de montinho fedorento. E o Malasartes sumiu na estrada. O Moço Doutor ficou sem dinheiro, sem cavalo e passarinho.

E acabou a história.

ADAPTAÇÃO DE AUGUSTO PESSÔA

SEMPRE NÃO

 

Um velho nobre era casado com uma dama jovem e linda. Ele tinha que fazer uma longa viagem. Com medo que acontecesse alguma coisa com sua bela esposa, ele teve uma ideia: fez a jovem prometer que, enquanto ele estivesse viajando, ela só diria não. O velho pensou que, dessa forma, salvaria seu castelo e seu casamento da ousadia de algum atrevido. E o velho partiu.

Passou muito tempo, a bela dama estava aborrecida na solidão do castelo. Não tinha ninguém para conversar, nem nada para fazer além dos afazeres da casa. Estava já cansada daquilo.

Um dia, passou pelo castelo um jovem e belo rapaz. Era muito elegante e, de forma educada, cumprimentou a linda dama. Ela respondeu com a delicadeza de um sorriso. O jovem se apaixonou pela dama e falou:

 

— Bela dama, posso dormir em seu castelo essa noite?

 

A moça, lembrando da promessa que fez ao marido, respondeu:

 

— Não!

 

O rapaz ficou um pouco decepcionado com a resposta e continuou:

 

— Quer que eu durma ao relento e seja devorado por lobos?

 

Ela respondeu:

 

— Não.

 

O rapaz estranhou a resposta e insistiu:

 

— Quer que eu saia daqui e seja assaltado por ladrões ao passar pela floresta?

 

Ela respondeu:

 

— Não.

 

O rapaz, que não era bobo, entendeu que aquele “não” era uma resposta pronta ou mandada. Pensou um pouco e continuou as perguntas:

 

— Então, a bela dama vai ficar só no castelo?

 

A dama, que estava cansada de ficar sozinha, resolveu entrar na brincadeira e respondeu:

 

— Não.

— Recusa que eu entre no castelo?

— Não.

 

O rapaz entrou no castelo e foi conversar com a dama. A tudo que ele perguntava, ela sempre respondia:

 

— Não.

 

E o belo moço continuou as perguntas:

 

— A senhora quer que eu fique longe de sua presença?

 

Ela respondeu:

 

— Não.

— E quer que eu fique fora do seu quarto e longe de sua cama?

— Não.

 

No dia seguinte, o jovem rapaz partiu.

Ele chegou numa taberna e começou a conversar com outros homens. Cada um contava as histórias de seus amores. Uma mais apaixonada que a outra. Quando chegou a vez do jovem, ele contou a história do Não. Mas quando ia contar o modo como a história terminou, o velho marido, que estava entre os homens, perguntou agoniado:

 

— Mas onde foi isso, jovem?

 

O outro percebeu o desespero do velho e continuou sereno:

 

— Onde? Nos meus sonhos... O sonho mais lindo que tive na vida!

 

O rapaz deu um suspiro e concluiu:

 

— Quem dera fosse verdade...

 

O velho marido respirou aliviado.

Mas a história do rapaz foi a que fez mais sucesso.

 

Adaptação de Augusto Pessôa

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