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FADAS

E PRINCESAS

JOÃO PREGUIÇA

 

Era uma vez, em um tempo distante, um rapaz chamado João, mas ele era tão preguiçoso que todo mundo só o chamava de João Preguiça. Ele morava com a mãe numa casa caindo aos pedaços. E o João não gostava de trabalhar. Com ele era assim: no inverno ficava deitado perto do fogão. No verão ficava espichado diante do sol. A mãe dele é que sustentava a casa. Costurava pra fora. Remendava os trapos velhos dos outros. Mas, um dia, a mulher se cansou e falou para filho que, ou ele trabalhava, ou não comia mais.

E o Preguiça, sem alternativa, foi procurar trabalho. Bateu na casa de um vizinho e ofereceu seus serviços. No final do dia, o vizinho ficou satisfeito e deu para o Preguiça um vintém. Mas o João ficou brincando com a moeda, que terminou caindo no rio.

O Preguiça contou o que aconteceu para a mãe. A mulher não gostou e disse que ele tinha que guardar a moeda no bolso.

No dia seguinte, João foi trabalhar para um fazendeiro. Foi cuidar das vacas da fazenda.  

No final do dia, o fazendeiro ficou satisfeito e deu para o João uma jarra de leite. O Preguiça lembrou-se das palavras da mãe e colocou a jarra no bolso. Fez isso e voltou pra casa, mas no caminho a jarra balançou para lá e pra cá derramando todo o leite.

O João contou o que aconteceu a mãe. A velha ficou chateada e disse que ele tinha que botar a jarra na cabeça.

No outro dia, o João foi trabalhar para um padeiro. No final do dia, o dono da padaria ficou tão satisfeito que deu para o João um gato. Lembrando-se do que a mãe tinha dito, o João colocou o gato na cabeça. O bicho não gostou e arranhou ele todo.

O João contou o que aconteceu para a mãe. A velha ficou aborrecida e disse que ele tinha que prender o gato com uma corda.

Na manhã seguinte, o Preguiça foi trabalhar para um açougueiro. No final do serviço, o dono do açougue ficou tão satisfeito que deu para o João um pernil. E o Preguiça, lembrando-se da recomendação da mãe, amarrou uma corda no pernil e foi puxando. E o pernil foi se acabando pela estrada. Até que não restou mais nada.

E o João contou o que aconteceu para a mãe. A mulher ficou muito aperreada e disse que ele tinha que levar o pernil nas costas.

No dia seguinte, o Preguiça bateu na casa de outro vizinho procurando serviço. O rapaz trabalhou bastante e, no final do dia, o vizinho ficou tão satisfeito que lhe deu um burro. E o Preguiça, lembrando-se das palavras de sua mãe, colocou o burro nas costas. Foi andando com muita dificuldade. Até que passou pelo castelo do senhor rei. Passou bem embaixo da janela onde ficava a princesa. Uma jovem triste que não ria de nada e nem para ninguém. O senhor rei estava tão preocupado com isso que baixou um decreto:

 

“Quem fizesse rir a princesa ganharia sua mão em casamento!”

 

Mas a princesa não ria de nada e nem para ninguém.

Até que a bela jovem viu o João Preguiça bufando com o burro nas costas. A princesa não aguentou e caiu na gargalhada:

 

- HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!

 

O senhor rei, ouvindo aquilo, nem podia acreditar e deu para o João a mão de sua filha em casamento. A bela princesa gostou da ideia de casar com alguém que a fazia rir. O João e a princesa se casaram e forma felizes para sempre!

E acabou a história!

RECONTO DE AUGUSTO PESSÔA

 

 

A PARABOINHA DE OURO

 

Era uma vez, num lugar muito distante, três irmãs que viviam juntas. Eram moças muito bonitas e que conviviam muito bem. Mas a mais nova tinha um segredo: todos os dias, ela colocava na janela uma bacia com água e ali vinha banhar-se um passarinho. Essa pequena ave era um príncipe encantado, que falava com a moça jovem. As irmãs mais velhas descobriram o segredo e ficaram com muita inveja. Logo procuraram um jeito de acabar com essas conversas.

Um dia, elas colocaram na bacia de água muitas navalhas afiadas. Quando o passarinho veio lavar-se, cortou-se e foi embora.

A moça mais nova foi encontrar com o seu amigo, mas o passarinho não apareceu. Quando a jovem olhou a água, que estava cheia de sangue e com as navalhas afiadas, é que compreendeu a traição das irmãs.

Saiu por esse mundo, perguntando se alguém sabia onde estava o príncipe encantado. Até que chegou na casa da Lua. A mãe da Lua disse:

 

– Menina, que vem fazer aqui? Se a minha filha encontra você aqui vai ser terrível! Ela vai ficar furiosa!

 

A menina contou o que aconteceu. A velha, com pena, mandou a garota se esconder e disse que ia perguntar a filha onde é que estava o príncipe.

Até que a Lua apareceu, muito zangada, dizendo:

 

– Tem cheiro de gente aqui, minha mãe!

 

A velha acalmou a Lua e perguntou o que a menina queria. A Lua respondeu:

 

– Eu não sei dele! Todos os que estão doentes me fecham as janelas assim que anoitece! O Vento é que deve saber.

 

A Lua foi descansar e a garota saiu do esconderijo. A mãe da Lua deu para menina uma paraboinha de ouro, que é um carretel para enrolar os fios da tecelagem.

A jovem foi para casa do Vento. E aconteceu a mesma coisa: a mãe do Vento mandou ela se esconder e disse que perguntaria a seu filho sobre o príncipe. A velha perguntou ao filho e ele disse:

 

– O príncipe está muito longe, mas como está doente fecham todas as janelas. O Sol é que sabe onde é que está esse rapaz.

 

A menina saiu do esconderijo e a mãe do Vento deu uma roca de ouro cravejada de diamantes.

A moça foi para a casa do Sol. Quando chegou lá, a mãe do astro rei a tratou muito bem. Até que surgiu o Sol muito radiante e alegre. Ele disse onde é que estava o príncipe e ensinou o caminho. A mãe do Sol deu para a jovem um fuso de ouro.

A menina foi até o palácio onde estava o Príncipe, mas estava tudo fechado. Puxou da sua paraboinha e começou a dobar. As criadas do palácio viram aquele carretel tão lindo e foram dizer para a rainha. A soberana mandou que as criadas voltassem e comprassem a paraboinha. Elas foram e a menina respondeu:

 

– Só se me deixarem entrar no quarto do príncipe.

 

Mas a rainha não queria deixar. Lá onde estava, a mocinha colocou a paraboinha de lado e começou a fiar na roca de ouro cravejada de diamantes. As criadas viram aquilo e foram correndo contar a rainha. A soberana mandou que elas voltassem e comprassem a paraboinha e a roca. As criadas voltaram e a menina respondeu do mesmo jeito:

 

– Só se me deixarem entrar no quarto do príncipe.

 

Mas a rainha não queria deixar. Lá onde estava, a bela jovem colocou a roca do lado da paraboinha e começou a trabalhar com o fuso de ouro. As criadas do palácio viram aquele fuso brilhante e foram dizer para a rainha. A soberana mandou que as criadas voltassem e comprassem a paraboinha, a roca e o fuso. Elas foram e a menina respondeu como das outras vezes:

 

– Só se me deixarem entrar no quarto do príncipe.

 

 

A rainha, desejando muito aqueles objetos, aceitou. A menina entrou no palácio e foi ao quarto onde estava o príncipe doente e cheio de feridas. A bela jovem chegou ao pé da cama, falou com o rapaz e ele a reconheceu. A menina contou a traição que as irmãs fizeram com inveja. O príncipe ficou muito contente com a verdade, melhorou de repente e contou tudo para a rainha. A menina e o príncipe casaram e viveram muito felizes.

 

Adaptação de Augusto Pessôa

A FILHA DO MERCADOR

 

Era uma vez um mercador que tinha dois filhos, uma menina e um menino. Quando o mercador estava em seu leito de morte, disse:

 

- Meus filhos, vivam bem um com o outro, em amor e concórdia, assim como eu vivi com sua falecida mãe.

 

Depois morreu. Foi enterrado e muitas orações foram ditas para o descanso de sua alma, como é o costume. Logo depois, o filho do mercador resolveu fazer negócios do outro lado do mar; mandou equipar três navios, carregou-os com grande número de mercadorias, e disse à irmã:

 

- Agora, minha querida irmã, estou partindo numa longa viagem. Deixo você completamente sozinha em casa; tenha cuidado e comporte-se bem, não faça nada de errado e não trave relação com estranhos.

 

Depois trocaram retratos; a irmã pegou o retrato do irmão, e este pegou o retrato dela. Choraram por terem de se separar e despediram-se.

O filho do mercador mandou levantar âncora, o navio deslizou para longe da praia, levantou velas e chegou ao mar aberto.

Ele viajou por alguns anos.  No terceiro ano, chegou a uma certa capital muito rica e ancorou seus navios no porto. Logo que chegou, pegou um cofre cheio de pedras preciosas, peças do melhor veludo, damasco e cetim, e levou-os ao rei daquela terra como presente. Chegou ao palácio, entregou os presentes ao rei e pediu permissão para comerciar em sua capital. Aqueles presentes esplêndidos agradaram o rei, e ele disse ao filho do mercador:

 

- Seus presentes são magníficos; em toda a minha vida nunca recebi melhores. Em troca eu lhe concedo o primeiro lugar no mercado. Compre e venda, não tenha medo de ninguém e, se alguém o ofender, venha direto a mim. amanhã eu mesmo vou visitar seu navio.

 

No dia seguinte, o rei procurou o filho do mercador, começou a andar em seu navio e a examinar suas mercadorias; na cabine do capitão, viu o retrato pendurado na parede e perguntou ao filho do mercador:

 

- De quem é esse retrato?

- De minha irmã, majestade.

- Bem, senhor mercador, tanta beleza eu nunca tinha visto em toda a minha vida. Diga-me a verdade: como é o seu caráter e como são suas maneiras?

- Ela é doce e boa como uma pomba.

- Bem, nesse caso, será uma rainha; quero me casar com ela.

 

Naquele momento, um certo general que era perverso e invejoso, estava com o rei; a idéia de que alguém pudesse encontrar a felicidade o deixou louco de raiva. Ouviu as palavras do rei e ficou tomado de uma fúria terrível.

 

- Agora, pensou ele, nossas esposas terão de se curvar diante de uma mulher da classe dos mercadores!

 

Não conseguiu se controlar e disse ao rei:

 

- Majestade, a irmã desse mercador não é ninguém a sua altura; conheci-a há muito tempo atrás e mais de uma vez me deitei na sua cama e fiz jogos amorosos com ela. É uma moça muito dissoluta.

- Como é que você, mercador estrangeiro, pode dizer que ela é doce e calma como uma pomba e que nunca fez nada de errado?

- Majestade, se o general não estiver mentindo, peça-lhe para tirar o anel de minha irmã e descobrir a marca secreta que ela leva."

- Muito bem", disse o rei, e deu ao general licença para partir.

- Se não conseguir o anel, nem puder me dizer a marca secreta que ela leva em tal e tal dia, sua cabeça rolará com um golpe de minha espada.

 

O general fez seus preparativos e foi para a cidade onde vivia a filha do mercador. Chegou lá e não sabia o que fazer. Caminhava para cá e para lá pelas ruas, abatido e pensativo. Por acaso encontrou uma velha que pedia esmolas e deu-lhe  uns trocados.Ela perguntou:

 

- Em que está pensando?

- E porque eu lhe diria? Você não pode ajudar a resolver meu problema.

- Quem sabe? Talvez possa.

- Sabe onde vive a filha de tal e tal mercador?

- Claro que sei.

- Nesse caso, consiga-me o seu anel e descubra a marca secreta que ela leva; se fizer isso para mim, vou recompensá-la com ouro.

 

A velha foi mancando até a casa do mercador, bateu na porta, disse que estava indo para a Terra Santa, e pediu esmola. Falou de maneira tão astuta que a linda moça ficou enfeitiçada e não percebeu que deixara escapar o seu segredo; e, enquanto toda essa conversa estava acontecendo, a velha fez o anel da moça escorregar da mesa e escondeu-o na manga. 

Depois despediu-se da filha do mercador e correu a procura do general. Deu-lhe  o anel e disse:

 

- A marca secreta dela é um pelo de ouro embaixo do braço esquerdo.

 

O general compensou-a  generosamente e pôs-se a caminho de casa. Chegou a seu reino e foi ao palácio; o filho do mercador também estava lá.

 

- Bem... – perguntou o rei – conseguiu o anel?

- Aqui está, majestade.

- E qual é a marca secreta da filha do mercador?"

- Um pelo de ouro embaixo do braço esquerdo.

- Está certo? – perguntou o rei ao filho do mercador.

- Está, majestade.

- E como foi que teve a audácia de mentir para mim? Por causa disso vou mandar executá-lo.
- Majestade, não me execute, por favor. Dê-me permissão de escrever uma carta a minha irmã; deixe que ela venha se despedir de mim.

- Muito bem. – disse o rei – Escreva-lhe, mas não vou esperar muito.

 

E adiou a execução; nesse ínterim, ordenou que o jovem fosse acorrentado e lançado numa masmorra.

A filha do mercador, depois de receber a carta do irmão, partiu imediatamente. Enquanto viajava, tricotava uma luva de ouro, chorava amargamente, e suas lágrimas caíam como diamantes; ela pegou esses diamantes e enfeitou a luva com eles. 

Chegou à capital, alugou um quarto na casa de uma pobre viúva e perguntou:

 

- Quais são as novidades por aqui?

- Não há novidades, a não ser que um mercador estrangeiro está sofrendo por causa de sua irmã; amanhã será enforcado.

 

Na manhã seguinte, a filha do mercador acordou, alugou uma carruagem, vestiu uma bela roupa e foi para a praça. Lá a forca já estava preparada; as tropas estavam montando guarda e havia uma grande multidão; o seu irmão estava, naquele instante, sendo levado para o cadafalso.

Ela saiu da carruagem, foi direto ao rei, deu-lhe a luva que havia tricotado durante a viagem e disse:

 

- Majestade, imploro-lhe que me diga quanto vale essa luva.

 

O rei examinou-a.


- Ah... – disse o rei – Não tem preço!

- Bem, seu general esteve em minha casa e roubou uma luva exatamente igual a essa, a outra do par; por favor, peça que seja feita uma busca.

 

O rei mandou chamar o general e disse-lhe:

 

- Há uma queixa contra você por ter roubado uma luva preciosa!

 

O general começou a jurar que não sabia de nada.


- Como assim, não sabe de nada? – perguntou a filha do mercador – O senhor esteve tantas vezes em minha casa, deitou-se comigo na cama e fez jogos amorosos comigo.
- Mas nunca a vi antes! Nunca estive em sua casa, e por nada no mundo poderia dizer nesse momento quem é você, nem de onde veio.

- Nesse caso, majestade, porque meu irmão deve sofrer?

- Que irmão? – perguntou o rei. 

- Aquele que está sendo levado agora para a forca.

 

Dessa forma, a verdade foi revelada. O rei ordenou que o filho do mercador fosse libertado e o general enforcado em seu lugar. Depois ele próprio sentou-se na carruagem com a linda moça, a filha do mercador, e mandou tocar para a igreja. Casaram-se, deram um grande banquete e passaram a viver felizes e prósperos, e é assim que estão vivendo até hoje.

 

 

 

Adaptação de Augusto Pessôa

 

 

 

A FILHA DO PESCADOR

 

Há muito tempo atrás, num reino distante, um pescador fazia sua pescaria diária, quando encontrou no fundo do mar uma jóia. Um anel de ouro cravejado de diamantes raros.

 

- Uma joia digna de um Rei!

 

Falou o pescador. E resolveu dar a belíssima joia de presente ao jovem monarca de seu reino. Voltou para casa, mostrou a joia a filha e contou o que faria. A moça se chamava Maria. Era muito linda, tão linda quanto inteligente, e desaconselhou o pai. Disse que era melhor ele não fazer isso. Mas o pescador estava decidido. Envolveu a joia num pedaço de veludo e foi para o castelo. Entrou no enorme palácio, foi a sala do trono e depositou o presente, humildemente, aos pés do jovem Rei. O monarca ficou satisfeito com a joia, mas disse:

 

- Agradeço o seu presente. Mas quero ver se realmente é fiel ao seu Rei. Tem família?

- Sou viúvo. - respondeu o pescador - E tenho apenas uma filha.

- Pois então, quero ver sua filha. Mas não quero que ela venha nem nua, nem vestida. Nem a pé, nem a cavalo. Nem de noite, nem de dia. Se isso não acontecer, somente a morte lhe caberá!

 

O pescador saiu do palácio decepcionado e já se preparando para morrer. Chegou em casa e contou o que acontecera à filha. Maria pensou um pouco. Depois, pediu ao pai que saísse e arrumasse um grande punhado de algodão e um carneiro enorme. O maior que ele pudesse encontrar. O pescador saiu e voltou com os desejos da filha. Então, Maria esperou que o dia se fizesse noite.  Quando a noite já ia terminando e o sol começava a sangrar o céu, mas a lua e as estrelas ainda se faziam presentes, a jovem Maria tirou sua roupa. Depois se envolveu no algodão, montou no carneiro e foi para o palácio. Ao chegar no enorme palácio, chamou o Rei:

 

- Estou aqui, senhor meu Rei, a filha do pescador. Envolta em algodão: nem nua, nem vestida. Montada neste carneiro: nem a pé, nem a cavalo. Tendo o sol e a lua presentes no céu: nem de dia, nem de noite.

 

O Rei ficou impressionado com a inteligência da moça e resolveu dar uma festa em sua homenagem. E ainda disse:

 

- Vai escolher entre os objetos do palácio aquilo que mais desejar. O objeto do seu desejo será seu para sempre.

 

Maria foi mandada para um quarto que tinha sido designado para ela. Deram-lhe um belíssimo traje, digno da mais rica das princesas. Vestida como uma soberana, a jovem chamou um criado e pediu para que ele fizesse uma bebida com planta dormideira.

À noite, na hora da festa, Maria apareceu e encantou a todos os convidados. Principalmente, o jovem Rei. Quando a festa ia pela metade, delicadamente, Maria ofereceu ao Rei a bebida que tinha sido preparado pelo criado. A bebida com planta dormideira. O jovem Rei, muito afobado, tomou tudo de um só gole e logo adormeceu. Maria chamou os criados e pediu que colocassem o Rei numa a carruagem. Os criados assim fizeram. E ela partiu com o Rei para sua casa. Chegando lá, a jovem colocou o Monarca em seu quarto. Em cima da cama. Quando o jovem Rei despertou, ficou assustado e perguntou o que significava aquilo. E Maria respondeu:

 

- O senhor meu Rei me disse que eu poderia escolher o objeto que mais desejasse e que isso seria meu para sempre. Você é o objeto do meu desejo!

 

O Rei, que já estava encantado, ficou completamente apaixonado. Casaram-se e foram muito felizes... Felizes como Deus com os anjos.... Felizes para sempre!

 

Adaptação de Augusto Pessôa

In FELIZES PARA SEMPRE

Editora ROCCO   

A MULHER E A FILHA BONITA

 

Era uma vez uma mulher viúva e muito bonita. Bela como os pecados. E a viúva tinha uma filha também muito bonita. Bonita mesmo. De uma beleza intensa. A menina era linda como os amores e os pecados juntos. A mulher tinha muita inveja dessa formosura de sua filha.

A viúva ficava na porta de casa e, quando passavam viajantes, perguntava:

 

- Os senhores já viram uma cara mais formosa do que a minha?

 

E eles sempre respondiam:

 

- A senhora é muito bela, mas a sua filha ainda é mais. É a mais bela das belas!

 

A mulher ficava desesperada e ia tomando ódio da filha.

Cansada da beleza da menina, a viúva mandou trancá-la num quarto para não ser vista por ninguém. A menina sofria muito com aquilo, mas nada dizia. O quarto era escuro. Iluminado só por uma pequena janela. Um dia a menina ficou curiosa e foi olhar pela janela. Fez isso, justamente, no momento que viajantes passavam em frente a sua casa. A viúva, na porta, já perguntava aos andarilhos:

 

- Os senhores já viram uma cara tão bonita como a minha?

       

 E os viajantes olharam para a janela e responderam:

 

 - A senhora é bonita! Mas a moça que está lá na janela é muito mais bonita! Quanta beleza!

 

 A mulher ficou desesperada. Não queria mais aquela menina ali. Ordenou a um empregado da casa que levasse a filha para a floresta, a matasse e trouxesse uma prova de sua morte. O empregado levou a moça, mas chegando no meio do mato teve pena dela. Disse para a menina fugir e nunca mais voltar. A jovem correu desesperada. O empregado matou uma lebre, tirou o seu coração e o levou como prova para a malvada viúva.

A mocinha se viu perdida naquela floresta. Já era noite e ela subiu numa grande árvore. Muito longe viu uma fumacinha. Pensou que seria uma casinha pequena, desceu da árvore e foi até lá para pedir abrigo. Depois de muito andar, chegou e viu que a casa de pequena não tinha nada. Era enorme. Quase um palácio. Mas não tinha gente e estava muito suja. A jovem tratou de arrumar tudo: varreu, limpou, arrumou e ficou esperando para ver se alguém chegava. Mal ela sabia que aquela era a casa do Rei dos ladrões. Quando foi mais tarde a jovem viu o Rei chegar com a sua grande tropa. Ela teve muito medo e se escondeu. Os ladrões ficaram espantados e felizes com aquela arrumação. Procurando por toda a casa, encontraram a moça. Todos ficaram encantados com a beleza da jovem e imediatamente se apaixonaram. Começaram a brigar para ver quem ficaria com ela. O Rei dos ladrões mandou que parassem com a briga e ordenou que a moça não seria de ninguém. Ela ficaria lá cuidando da casa, sendo respeitada e adorada por todos. Assim fizeram e a mocinha ficou ali descansada.

O tempo passou e a vida da jovem era só alegria na casa dos ladrões. Trabalhava muito, mas não era maltratada por ninguém. Vivia com um vestidinho simples que aumentava ainda mais a sua beleza.

Mas a viúva ficou sabendo que a filha estava viva. Viva e feliz. A malvada mandou chamar uma feiticeira. Veio uma bruxa velha e feia. A viúva mandou a velha procurar a sua filha e acabar com ela. A feiticeira aceitou a proposta e foi até a casa dos ladrões. Esperou um momento que a moça estava sozinha e bateu na porta. A jovem atendeu e a velha inventou uma história:

 

- Oh, minha querida, há tempos que a procuro! Fui sua babá e soube dos apertos que você passou! Para compensar tanto sofrimento, trago aqui um presente de pobre. É simples, mas dado com carinho.

 

E a feiticeira deu para menina o presente: era um par de sapatos ricamente decorado. Uma beleza que dava gosto de ver. A moça ficou encantada e calçou os sapatos sem saber que eles eram encantados. Assim que calçou, caiu pra trás como morta. A velha feiticeira foi embora às gargalhadas.

Quando os ladrões chegaram, acharam a moça caída no chão como morta. Ficaram desesperados. Pegaram a moça e botaram num caixão em cima de um bonito carro. Mas eles não queriam enterra-la. Achavam ela tão linda e a ideia de coloca-la em baixo da terra os atormentava. Então colocaram dentro do caixão, junto com a moça, um tesouro e uma mensagem: “Quem tiver coragem que enterre!” E foram embora abandonando o caixão num campo florido.

Um príncipe, que andava caçando, encontrou e abriu o caixão. Vendo aquela moça tão bonita, ficou encantado e apaixonado. Em vez de enterrar, levou o caixão para o palácio e guardou no seu quarto com toda a riqueza que encontrou. A moça ficou ali, sempre dormindo, e o príncipe cada vez mais doido de paixão. Não deixava ninguém ir ao seu quarto.

Mas uma vez, estando ele envolvido em guerras, a princesa sua irmã teve curiosidade de ir ao quarto ver o que era que o príncipe escondia. Entrou, viu o caixão e abriu. Lá dentro aquela moça linda. A princesa achou a jovem realmente bonita. Só estranhou que ela estivesse com uns sapatos tão enfeitados e usando um vestido muito simples. Puxou os sapatos e a moça suspirou e sentou-se pedindo água. A princesa deu-lhe a água e depois tornou a calçar os sapatos. A moça adormeceu e foi colocada de novo no caixão.

Quando o príncipe voltou, durante uma trégua, a irmã disse:

 

- Conheço seu segredo. Se me der aquele tesouro que encontrou, eu mostro como acordar a linda jovem que está no seu quarto!

 

O príncipe concordou e a princesa desencantou a moça. Houve uma grande festa e o príncipe casou-se com a moça bonita. No fim de nove meses, ela deu à luz a dois meninos. As crianças mais lindas do mundo. Mas veio para ser parteira justamente a feiticeira que tinha lhe dado os sapatos. No lugar dos meninos, apresentou ao rei um sapo e uma lagartixa dizendo que aqueles eram os filhos da moça. O príncipe tinha voltado para as guerras e o pai mandou uma carta contando o que tinha acontecido. O rapaz mandou uma resposta dizendo ao pai que matasse a mulher. Mas o rei teve pena e somente a expulsou do castelo.

A moça saiu pelo mundo atrás de seus filhos. Foi até a casa de sua mãe e viu quando a feiticeira entregava as crianças para a viúva. A jovem armou-se de coragem e enfrentou as duas mulheres. Essa coragem iluminou mais a beleza da moça e fez com que ela ficasse como uma aparição. A feiticeira ficou apavorada com aquilo e saiu correndo como louca. Correu tanto que caiu num rio e morreu afogada. A viúva também ficou com medo. Os olhos da moça mostravam toda a raiva e o ressentimento por causa das maldades que sofreu. Com muita vergonha a viúva foi ficando feia mostrando sua verdadeira face. Foi se desmanchando até virar cinza e pó sendo soprada para sempre pelo vento. A jovem passou a morar naquela casa junto com os seus dois filhos.

Muito tempo depois, o príncipe estava em uma caçada e passou por aquela casa. Viu os dois meninos brincando no quintal e ficou encantado com a beleza das crianças. Tomou por eles uma afeição imediata e foi falar com os meninos. Nesse instante, a moça saiu de casa para chamar os filhos. Ao ver a jovem, o príncipe percebeu o erro que tinha cometido. Chorou muito e se arrependeu do que tinha feito. Pediu perdão e tornou a viver com ela. E eles viveram numa felicidade imensa. Felizes como os anjos no céu. Felizes para sempre.

 

A MULHER E A FILHA BONITA

– adaptação de Augusto Pessôa

A PRINCESA COBRA

 

Era uma vez, um rapaz que vivia com sua mãe. Eram muito pobres e o rapaz vivia de vender lenha que colhia no mato. Num dia, viu junto da margem de um rio uma cobra que lhe pediu que a passasse para a outra margem.


- Tenho medo que me faça mal – respondeu o jovem.

- Não precisa ter medo. Se me ajudar eu farei que você fique rico.


O rapaz pegou no bicho e colocou do outro lado do rio, onde havia um casarão. Então a cobra deu ao jovem um relógio de ouro e disse:

 

- Esse relógio é mágico! Peça o que quiser que ele vai atender! Mas não dê, não empreste, nem venda o relógio para ninguém.

 

A cobra disse isso e entrou no casarão

Depois o rapaz foi para sua casa. Deitou à noite, mas no dia seguinte levantou tarde, dizendo à mãe que não precisava mais trabalhar. Realmente ele não precisava mais trabalhar. Tudo que precisava era só pedir ao relógio. Quando estava com fome pedia comida ao relógio e aparecia muita comida para ele e a mãe. Quando queria usar uma roupa pedia ao relógio e o traje mais rico aparecia. Tudo que queria o relógio dava.

Um dia o rapaz conheceu uma mocinha muito formosa. E a mocinha pediu o relógio emprestado. O jovem, querendo impressionar a moça, emprestou. A moça, na verdade, era uma bruxa. Ela se transformou numa horrível velha e fugiu com o relógio.

O rapaz ficou desesperado, foi até o rio e procurou a cobra no casarão. Contou tudo que aconteceu e a cobra disse que iria ajudar. Ela mandou que o jovem fosse bem cedo, no dia seguinte, até a praia. Lá ele encontraria um barco, muito bonito, que o levaria ao seu destino. E a cobra disse:

 

- Quando parar num porto, você deve saltar. Vai ver uma porta e em seguida um jardim. Entre pela porta e vai encontrar uma grande casa. Debaixo de uma das janelas há um poço sem água. Desça por esse poço. Lá no fundo vai aparecer um batalhão de ratos comandados por um capitão. Não tenha medo. Peça ao capitão que mande os seus ratos buscar o relógio na casa da bruxa. Um rato coxo é que vai conseguir pegar o relógio. Entendeu?

 
O rapaz entendeu. Tudo aconteceu como a cobra disse. O rapaz chegou ao porto, viu a porta, o jardim, a casa e o poço. Desceu por uma corda e lá embaixo encontrou o exército de ratos e seu capitão que usava um chapéu emplumado. O jovem só não viu o rato coxo. Mas o capitão o acalmou:


- Não se preocupe! Como é coxo, não anda tão depressa!

 

Daí a pouco apareceu o coxo. O jovem pediu que pegassem o relógio e o exército partiu. Eles chegaram à casa da bruxa, o rato coxo pegou o relógio e o exército foi embora. A bruxa ficou xingando de raiva.

Logo que o rapaz se viu com o relógio, pediu uma roupa nova e um bonito cavalo. Apareceram o mais belo traje e o mais magnífico cavalo branco. O jovem se vestiu e ficou parecendo um príncipe de tão bonito. Ele montou no cavalo e foi agradecer à cobra por seus conselhos.

Ao chegar naquele rio, encontrou, em vez do casarão, um lindo palácio. Perguntou quem morava ali e os criados responderam que era uma princesa encantada. A princesa apareceu. Era linda como os amores. A bela jovem disse:

 

- Eu sou a cobra que você ajudou. Aquela bruxa me enfeitiçou. Mas quando você pegou o relógio de volta, quebrou o encanto. Muito obrigada.

 

A voz da bela princesa parecia música aos ouvidos do rapaz. O jovem ficou encantado com a beleza daquela mulher. Eles namoraram, casaram e foram felizes para sempre.

 

Adaptação de Augusto Pessôa

 

 

A PRINCESA DO SONO SEM FIM

 

Há muito tempo atrás, num reino distante, morava uma rainha muito malvada. A danada tinha a sina de lobisomem. Comia gente! Uma coisa horrível!

O príncipe, seu filho, era um moço bom e valente. O rapaz vivia triste com essa sina de sua mãe. Sua única alegria era ir conversar com um velho, muito velhinho, que morava longe do palácio, perto de uma floresta sombria.

O velhinho armava uma rede na varanda para o príncipe descansar e o rapaz passava horas e horas ouvindo as histórias do velho amigo.

Um dia, o príncipe estava lá deitado e viu no alto das árvores um pano vermelho. Parecia uma bandeira. Ele perguntou o que era aquilo e o velho contou:

 

- Aquilo é um palácio encantado. Meu avô contou a meu pai, que contou pra mim. E a história é assim:

 

Era um reino, onde o rei e a rainha vivam tristes porque não tinham filhos. Eles sonhavam com um herdeiro e a Rainha pedia com tanta vontade... e fazia tantas promessas... que um dia conseguiu. Ficou grávida e nasceu uma menina bonita como o sol. Todo o dia tinha festa no palácio por causa do nascimento da princesinha. Para o batizado, o rei convidou todas as fadas que moravam por perto. Só não convidou a fada velha, porque ninguém sabia onde ela morava. Alguns até achavam que ela já tinha morrido. As fadas vieram todas e já estavam na mesa do banquete, quando a fada velha apareceu resmungando muito. Soltava fogo pelas ventas de tanta raiva por não ter sido convidada. A fada mais nova reparou na zanga da fada velha e mais do que depressa se escondeu atrás de uma cortina. Depois do banquete as fadas deram os seus presentes. Fadaram boas sinas e dons maravilhosos para a princesinha. Cada uma dizia a coisa mais bonita do mundo:

 

- Eu fado que seja linda como a luz do sol. – disse a fada azul.

- Eu fado que seja boa como o amor de mãe! – disse a fada rosa

- Eu fado que seja rica como um tesouro! – disse a fada dourada.

- Eu fado com a sabedoria dos mais sábios! – disse a fada amarela.

 

E assim foram todas dizendo belezas e o rei ficava cada vez mais feliz ao lado da rainha que tinha a princesinha nos braços. Quando todas as fadas que estavam na mesa deram os seus presentes, a fada velha se levantou e com a fala cheia de mágoa disse:

 

- Não sei porquê tão boas sinas para a princesinha já que ela nem vai aproveitar!

 

Ninguém entendeu o que ela queria dizer. E erguendo os braços a fada velha deu a sina:

 

- Ouçam bem todos vocês: a princesa crescerá em graça e formosura! Amada por todos que a cercam! Mas... até a idade de dezesseis anos! Quando completar a décima sexta primavera ela picará o dedo no fuso de uma roca de fiar e morrerá. Sem remédio para isso!

 

Disse o que disse e desapareceu. As fadas, que já tinham fadado e não podiam desmanchar o que a fada velha tinha feito, choravam sem consolo. Foi então que a fada mais nova saiu do seu esconderijo e disse:

 

- Não posso desmanchar o que foi fadado, porquê não tenho poderes para isso. Mas, como ainda não dei meu presente, posso tentar ajudar.

 

E erguendo os braços a jovem fada agitou a sua varinha dizendo:

 

- Fado que a princesinha não morra quando o fuso lhe ferir o dedo! Que fique dormindo por cem anos! Vai dormir até ser acordada pelo beijo de um lindo príncipe! Um beijo de amor!

 

Mesmo assim, a festa perdeu a graça e acabou. O rei proibiu, sob pena de morte, que alguém fiasse com o fuso naquele reino. Por precaução, quando a princesinha fez quinze anos, foram todos para um outro palácio. Um castelo mais escondido que o rei possuía. Ao chegar no grande palácio, a menina andava, para cima e para baixo. Curiosa como só ela. E lá num quarto no alto da torre, encontrou uma criada que estava fiando. Na verdade era a fada velha disfarçada. A princesinha nunca tinha visto aquilo e quis fazer igual. Assim que a menina pegou no fuso, ele saltou de sua mão e furou seu dedo. A princesinha caiu para trás, como morta. A fada velha deu uma terrível gargalhada e sumiu numa cortina de fumaça. Todos correram e deitaram a menina numa cama. A fada mais nova veio voando e bateu a varinha de condão no alto do palácio. Todo mundo que estava dentro pegou no sono profundo. Os músicos ficaram com os instrumentos na boca e a cozinheira ficou dormindo na frente do fogão onde uma galinha estava sendo assada. Até o fogo adormeceu. A fada mais nova fez um novo gesto com a varinha e uma densa floresta surgiu em volta do castelo para proteger os que dormiam ali. Só o rei e a rainha não adormeceram. Eles beijaram sua filha, abençoaram e foram embora, com a fada, para o seu reino. Rezavam todos os dias para que o encanto tivesse fim. Mas a terrível sina não se quebrou, o rei e a rainha morreram e o reinado deles acabou. Só ficou o palácio dentro dessa floresta, com a princesa dormindo o seu sono mágico e centenário. E assim termina essa triste história, disse o velho, que é verdadeira do inicio ao fim.

O príncipe ficou curioso em saber se a história que o velho contou era verdadeira  mesmo. No dia seguinte, bem cedo, pegou um facão afiado e foi para floresta. Chegou e meteu o facão, abrindo caminho, porque a mata era fechada. Ia abrindo e entrando, e assim trabalhando, foi andando, até que deu com o palácio coberto de cipós, sem nenhum rumor, parecendo morto. O príncipe entrou pela porta principal e foi vendo: soldados, músicos, damas, senhores, até os bichos. Tudo parado, dormindo a sono solto.

Ele subiu por uma escada e passou por salas cheias de gente roncando. Até que entrou num quarto onde viu uma cama protegida por um lindo dossel. O príncipe puxou a cortina do dossel e viu a moça mais bonita do mundo, profundamente adormecida. O rapaz ficou completamente apaixonado. Nunca tinha visto uma jovem tão linda. Ele aproximou-se devagar e beijou a princesa. A jovem abriu os olhos e disse:

 

- Oh, príncipe! Como demorou em vir!

 

O palácio estremeceu e todo mundo acordou. O príncipe ouviu as cornetas tocando, bichos berrando, gargalhadas, gritos, música, enfim... barulho de gente viva.

Veio um mordomo muito bem vestido anunciar que o jantar estava à mesa e o príncipe comeu a galinha que estava sendo assada há cem anos.

Ficou aí como num céu aberto e os dois casaram sem perder tempo.

Os dias voavam e o casal era muito feliz.

Mas o príncipe escondia um segredo: sua mãe que tinha sina de lobisomem. O rapaz ia ao palácio da rainha para dar ordens e voltava para o castelo de sua amada. Sempre dizia que estava caçando e não queria que ninguém o acompanhasse.

No fim de um ano a princesa teve um filho. Um menino lindo a quem deram o nome de Belo-Dia. E no outro ano nasceu uma menina,  que foi chamada de Bela-Aurora.

Mas o reino entrou em guerra e o príncipe tinha que seguir com as suas tropas. Como não queria deixar a mulher e os filhos sozinhos, resolveu levar todos para o palácio da rainha. Foi na frente e contou toda a história para sua mãe. A rainha fez uma  cara estranha e ficou imaginando as piores coisas.

Antes de partir, o príncipe dividiu o palácio em duas partes: a Rainha ficaria num lado e a princesa com os filhos no outro. O rapaz chamou um  velho mordomo, que era seu amigo, e pediu que vigiasse sua família e tivesse muito cuidado com a rainha.

Assim que o príncipe montou a cavalo e viajou, a malvada rainha começou a ter vontade de comer gente. Ficou mesmo bruta e, como o desejo não passava, chamou o velho mordomo. Mandou que lhe servisse Belo-Dia, com bom molho e batatas coradas, para o almoço do dia seguinte.

O velho só faltou morrer. Pensou.... pensou.... e procurou a princesa. Contou tudo e a moça ficou desesperada. O velho mordomo levou Belo-Dia para sua casinha, longe do palácio e escondeu-o. Na manhã do outro dia, matou uma lebre, preparou e serviu a malvada rainha. A danada comeu lambendo os beiços.

Dias depois veio o desejo e ela queria comer Bela-Aurora. Queria a menina assada e temperada com melado. O velho levou a menina para casa e assou uma gata. A rainha comeu chupando os dedos de felicidade.

Dois dias depois, exigiu que a princesa fosse refogada em molho de tomate e cebola para o jantar. O velho mordomo levou a princesa para sua casa, juntou-a aos filhos e matou uma ovelha. A rainha comeu saboreando.

Os dias iam passando e a rainha só pensava em comer gente. Saia pelas ruas do reino para caçar como uma desesperada. Uma noite, foi para bem longe do palácio e viu uma casinha escondida na mata. A malvada se aproximou e ficou escutando. Ouviu a voz da princesa e a de seus netos conversando dentro da casa. Eles falavam sobre o príncipe e da saudade que tinham dele. Mas a rainha malvada não tinha coração, nem pena para isso. Percebeu logo que aquela era a casa do velho mordomo e resolveu se vingar. Mandou prender a nora, os netos e o velho. Depois ordenou que se fizesse uma fogueira enorme para queimar aqueles que a desobedeceram. Os guardas, sem outra alternativa, amarram os quatro infelizes num tronco em cima da fogueira. A rainha ficou na varanda assistindo a tudo. Numa gargalhada ela mandou os guardas botarem fogo na lenha. Quando as chamas começavam a crescer, ouviu-se uma corneta e barulho de cavalos que se aproximavam. Era o príncipe que voltava vitorioso das guerras. O rapaz estava morto de saudades da mulher e dos filhos e vinha com seus soldados no maior galope. Chegando na praça e vendo aquela cena terrível, o príncipe pulou de seu cavalo, puxou a espada e libertou a princesa, os filhos e o seu velho amigo. Bufando de raiva, o jovem guerreiro gritou perguntando quem se atrevera a maltratar aqueles que ele mais amava no mundo.

A rainha com medo da ira do príncipe saltou da varanda para a fogueira. Morreu, queimada, estorricada, virada cinza e pó. Foi soprada para sempre pelo vento.

O príncipe foi para o palácio abraçado com a princesa e carregando nos ombros Belo-Dia e Bela-Aurora. Convidou seu velho amigo para continuar morando com eles e todos foram felizes como Deus com os anjos. Felizes para sempre.

 

Adaptação de Augusto Pessôa

A RAINHA QUE SAIU DO MAR

 

Um rei que deseja se casar com a moça mais bonita que houvesse no seu reino. Já tinham corrido todas as casas e chamado todos os pais de família para apresentarem suas filhas. Mas nenhuma tinha agradado ao rei. Pois nessa mesma época, entrou para o batalhão real um recruta meio abobado. Um dia, todo o batalhão foi à missa. Logo que entrou na igreja o batalhão, o tal recruta começou a chorar. Ninguém entendeu nada e o comandante do batalhão perguntou para o recruta o que estava acontecendo. E o pobre respondeu que ele nada sofria, mas quando viu aquela imagem (ele apontou para uma imagem muito formosa que havia na igreja) tinha ficado com saudades de sua irmã, que era muito parecida com aquela santa. Ficaram todos duvidando e zombando do pobre soldado, mas a história chegou aos ouvidos do rei. O monarca mandou chamar o rapaz e perguntou se era verdadeira a história. O soldado respondeu que sim. Ele garantiu que tinha uma irmã muito formosa e parecida com a imagem que havia na igreja. O rei perguntou onde ela morava e o soldado respondeu:

 

- Nas gargantas do Monte Escarpado. Dez mil léguas por mar.

 

O rei mandou logo preparar uma esquadra e enviou uma comissão para pedir a moça em casamento. O recruta também foi com a comissão. Logo que chegaram ao Monte Escarpado, avistaram a moça na janela e ficaram todos embasbacados de ver tanta beleza junta. O almirante entregou ao pai da moça a carta do rei e o velho enviou a sua filha. Na volta do Monte Escarpado, o mar era muito forte, jogava muito e o almirante decidiu ir para a terra. Chegaram numa ilha e foram com a moça até uma casa onde vivia uma velha. A mulher, que era uma desmancha-prazeres, perguntou para onde iam e de onde vinham. Sabendo de tudo armou um plano: convidou a moça para ir dar um passeio pela horta. Chegando lá, atirou a moça dentro de um poço. Ora, já sendo de noite, quando a esquadra embarcou, ninguém deu falta da moça. A velha pôs em seu lugar a sua filha, que era um monstro de feia. Quando os navios foram embora, a velha foi ao poço. Tirou a moça de lá, cortou seus cabelos, jogou um pó mágico em seu rosto para cegá-la e deixa-la muda. Depois amarrou a moça e botou-a num caixão. Atirou o caixão no mar e foi para casa gargalhando. Mas por uma sorte da vida, o mar levou o caixão até o reino. E o caixão chegou primeiro que os navios. Um pescador o achou e levou para casa. Sem abrir julgou que o caixão estava cheio de dinheiro. Começou a dizer que tinha mais dinheiro que o rei. O monarca soube da história e chamou o pescador. O homem confessou ter achado um caixão cheio de dinheiro, e foi um guarda do palácio, para examinar o caso. Aberto o caixão, deram com a moça dentro. Ficaram todos penalizados por verem uma moça tão bonita cega, muda e com os cabelos cortados. Voltou o guarda para o palácio com a moça que iria trabalhar na cozinha. Quando chegaram no palácio, já tinha também chegado à comissão com a filha da velha. O almirante, muito triste, disse ao rei:

 

- Não fui como vim. Fui alegre e volto triste, mas me sujeito à pena que o rei, meu senhor, me quiser dar.

 

O rei respondeu:

 

- Nada tenho a fazer, senão casar com esta feia mulher, que me chegou. Palavra de rei não tem volta.

 

Houve o casamento, mas o rei vivia sempre triste e vestido de luto. Um tempo depois, o monarca encontrou a moça cega e muda trabalhando na cozinha e ficou ainda mais triste. A moça foi reconhecida por seu irmão e pelos da comissão. O rei mandou buscar a velha em cuja casa estiveram de passagem. A velha negou tudo e até desconheceu a sua própria filha. O rei, reconheceu que os traços da velha eram os mesmos da moça feia com quem tinha casado, mandou ela embora junto com a mãe. Mas antes mandou cortar o cabelo das duas. Os cabelos voaram e caíram no rosto da moça que foi achada no mar. Logo ela voltou a falar, a enxergar e seus cabelos cresceram. Aconteceu o novo casamento com a rainha que veio do mar.

 

Adaptação de Augusto Pessôa

COURO DE PIOLHO

 

Há muito tempo atrás, num reino distante, uma linda Princesa era penteada por sua ama. Até que a ama achou, nos longos cabelos da Princesa, um piolho. A Princesa ficou admirada com aquilo. Resolveu guardar o bicho numa caixinha. O tempo foi passando, e o piolho crescendo na caixinha. A Princesa teve que passar o bicho para uma caixa maior... e para outra... e outra... até que o bicho ficou enorme. Mostrou o piolho ao Rei. E o monarca teve uma ideia. Matou o bicho e arrancou o couro. Mandou fazer um banquinho com o couro e disse para a rainha e a filha guardarem segredo. Depois baixou um decreto: Aquele que adivinhasse de que bicho era o couro daquele banquinho, ganharia a mão da Princesa.

A notícia se espalhou pelo reino e por outros reinos. Primeiro vieram os filhos dos reis, mas nenhum deles descobriu. Depois, os filhos dos nobres, mas também não descobriram. Em seguida, os filhos dos ricos, os filhos dos menos ricos, mas nenhum deles descobriu. Vieram então, os pobres e os miseráveis, mas eles também não descobriam. A Princesa, que de início gostou da brincadeira, já estava ficando chateada. Tinha medo de não arrumar casamento.

Perto dali, vivia uma velha com um filho com cara de bobo. O rapaz que se chamava João decidiu ir ao reino tentar adivinhar o enigma. A velha desaconselhou o filho, mas o rapaz estava decidido. A velha então preparou uma merenda para o João e ele partiu. Andou bastante, até que veio a noite. Estava se preparando para comer a merenda, quando apareceu um velho. O velho pediu um pouco de comida e João o convidou para sentar e comer. Os dois comeram. Depois João armou sua rede e ofereceu para o velho dormir. João dormiria ali pelo chão mesmo. O velho agradeceu e disse que tinha poderes mágicos. Tirou três fiapos de sua roupa e entregou a João dizendo que, quando ele precisasse, era só queimar um dos fiapos e talvez seu desejo se realizasse. Depois foi embora. João guardou os fiapos e dormiu.

No dia seguinte, continuou viagem até chegar ao castelo. Na porta do castelo havia uma fila de mendigos. João entrou na fila. Iam de quatro em quatro para tentar adivinhar o enigma. Até que chegou a vez de João e outros três. Entraram na sala do trono e viram o Rei, a Rainha e a Princesa. O Rei tomou a frente e perguntou:

 

- Então, de que bicho é o couro desse banquinho?

 

O primeiro mendigo disse:

 

- É couro de rato!

- Não é!

 

O segundo disse:

 

- É couro de lagartixa!

- Não é!

 

O terceiro disse:

 

- É couro de tatu!

- Não é!

 

João foi para perto da janela, pegou um dos fiapos e queimou. Palavras não foram ditas, mas na cabeça de João surgiu a imagem de um piolho. João achou estranho, mas aproximou-se do Rei e disse:

 

- É couro de piolho!

- E é! Acertou!

 

O Rei ficou satisfeito. Mas a Princesa não gostou nada daquilo. Ela não queria casar com aquele sujeito com cara de bobo que nem bonito era. A jovem falou com Rei. O monarca chamou João e disse:

 

- João, está tudo muito certo, mas antes de casar com a Princesa você terá que cumprir umas tarefas. Terá que levar ao pasto cem coelhos. E no final do dia me trazer os coelhos todos sem perder nenhum.

 

João aceitou. Ele sabia que levar cem coelhos ao pasto era o mesmo que levar ao pasto cem moscas. Impossível. Mas...

No dia seguinte, entregaram os coelhos a João. Quando abriram a porta do castelo os coelhos todos fugiram. João foi andando tranquilamente até o pasto. Quando chegou lá, pegou o segundo fiapo e queimou. Palavras não foram ditas, mas apareceu na frente de João uma flautinha. O rapaz soprou a flauta e os cem coelhos apareceram na sua frente, enfileirados como guardas. João dispersou os coelhos e esperou o final do dia. Na hora certa, foi até ao castelo. Quando chegou lá, tocou a flautinha e os cem coelhos apareceram enfileirados como guardas. João chamou e Rei e disse:

 

- Estão aí os coelhos. Pode contar os cem.

 

E estavam lá os bichos enfileirados. A Princesa reclamou de novo com o Rei. E o monarca mandou que João repetisse a operação no dia seguinte.

E assim foi. No dia seguinte, João saiu com seus coelhos. Mas a Princesa mandou que uma de suas amas pegasse um coelho do cara de bobo. A moça foi e pediu o coelho. João lhe disse:

 

- Dar, não dou! Mas vendo! Vendo por um beijo!

 

A moça ficou ofendida. Disse ser recatada e que aquilo era um absurdo. Mas, como era ordem da Princesa, deu o beijo em João. O rapaz entregou o coelho e ama saiu correndo. Quando estava chegando no castelo, João soprou a flautinha. O bicho esperneou para um lado... esperneou para o outro... e escapou da moça. A Princesa quando soube ficou danada. Mandou outra ama para realizar a tarefa. A outra moça foi e pediu o coelho. João lhe disse:

 

- Dar, não dou! Mas vendo! Vendo por dois beijos!

 

A moça ficou ofendida. Disse que era um abuso e coisa e tal. Mas, como era ordem da Princesa, deu os beijos em João. O rapaz entregou o coelho e a ama saiu correndo. Quando estava perto do castelo, João tocou a flautinha. O bicho esperneou para um lado... para outro... e escapou da moça.  A Princesa quando soube ficou mais danada ainda e disse:

 

- Quem quer vai, quem não quer manda!

 

E foi pedir o coelho a João. O rapaz lhe disse:

 

- Dar, não dou! Nem vendo! Mas troco! Troco por sua blusa!

 

A Princesa ficou muito ofendida. Era um acinte. Mas João estava decidido. A Princesa foi para trás de uma árvore, tirou sua blusa e se enrolou no xale. Entregou a blusa a João que lhe deu um coelho. A jovem correu, mas quando estava chegando no castelo, João soprou a flautinha. O bicho esperneou por um lado... por outro... e escapou. No final do dia, João foi para o castelo levando os coelhos. A Princesa já não estava achando o João tão feio assim. Mas era teimosa. E depois da história da blusa não queria nada com ele. E o Rei falou para João:

 

- Está tudo muito bom. Mas você vai realizar mais uma tarefa. Na hora da ceia, eu quero um saco cheio de mentiras.

 

João aceitou. Apesar de saber que juntar mentiras num saco e o mesmo que contar todas as estrelas do céu. Impossível. Mas... João foi para seu quarto e queimou o último fiapo. Dessa vez palavras foram ditas, mas no ouvido de João. Na hora da ceia, foi entregue a João um saco vazio. Estavam lá o Rei, a Rainha e a Princesa. João pegou o saco, ficou na frente da primeira ama e disse:

 

- Conheço uma ama da Princesa que comprou um coelho por um beijo!

- É mentira!

 

Gritou a ama. João fez como se colhesse uma fruta e mostrou ao Rei.

 

- Já começou a ficar cheio, Majestade!

 

Foi até a segunda ama e disse:

 

- Conheço uma ama da Princesa que comprou um coelho por dois beijos!

- É mentira!

 

Gritou a ama. João repetiu o gesto e mostrou o saco ao Rei.

 

- Já está pela metade, Majestade!

 

Foi até a Princesa e disse:

 

- Conheço uma Princesa que trocou sua blusa por um coelho!

- É mentira!

 

Gritou a Princesa. João repetiu o gesto e mostrou o saco ao Rei.

 

- Pronto! O saco está cheio de mentiras, Majestade!

 

O Rei, já sem saber o que fazer, disse:

 

- Agora só depende da Princesa...

 

A Princesa, que já não achava o rapaz tão feio, ficou encantada com esperteza de João. Olhou para um lado... olhou para outro... e aceitou. João casou-se com a Princesa e fizeram uma grande festa de casamento. Eu estive lá, na festa, e trouxe umas compotas para vocês. Mas na ladeira do Conris tropecei e quebrei meu nariz.

 

 

Adaptação de Augusto Pessôa do conto popular

AS FADAS

 

Era uma vez uma mulher que tinha duas filhas. Duas mocinhas muito bonitas. Só que a mais velha era invejosa, preguiçosa e mal educada. Enquanto a mais nova... A mais nova era um doce de pessoa. Boa, generosa e educada.

Um dia a mulher pediu para as filhas irem ao poço pegar água. Mas a mais velha resmungou:

 

- Pra que tanta água? Vai ela sozinha que já está bom!

 

A mãe ficou triste com a resposta da filha mais velha, mas a caçula pegou um balde e foi para o poço. Ao chegar lá encontrou uma velha maltrapilha. A mulher toda enrugada tinha os cabelos ralos e sujos. A mocinha já ia pegar água no poço quando a velha senhora pediu num sussurro:

 

- Por favor, me dê um pouco de água...

 

A menina deu água para a velha que ficou tão agradecida. Mas tão agradecida que falou:

 

- Muito obrigado, minha filha. Você merece um presente.

 

A velha moveu as mãos num gesto mágico. Aparentemente nada aconteceu. A menina já ia dizer que não precisava de nenhum presente, quando abriu a boca e de lá saltaram flores e pedras preciosas. Uma coisa que dava gosto de ver. A mocinha agradeceu muito e foi embora para casa com o balde cheio de água. A velha ficou olhando a menina partir e se transformou numa linda mulher. Seus cabelos eram sedosos. Sua pele brilhava ao sol. Estava vestida com as mais caras sedas e adornada com as joias mais valiosas.

Quando a menina chegou em casa, foi falar o que tinha acontecido e de sua boca saltaram mais flores e pedras preciosas. Uma coisa linda. A mãe ficou espantada e a irmã mais velha com muita inveja perguntou:

 

- Como você conseguiu isso?

 

E a caçula contou da velha, da água e de tudo mais.

Sem perder tempo a mais velha pegou um balde e correu para o poço. Ao chegar lá deu com aquela mulher belíssima vestida como uma rainha. A menina invejosa já ia pegar a água quando a bela mulher pediu com voz firme:

 

- Por favor, me dê um pouco de água!

 

A invejosa olhou para mulher com desdém e falou:

 

- Não tem mão, não? Pega água você! Se ainda fosse uma velha mendiga, mas você? Hum... Tenho mais o que fazer!

 

A bela mulher não gostou nada e falou assim:

 

- Muito obrigado por nada, minha filha. Mesmo assim você merece um presente.

 

A bela mulher moveu as mãos num gesto mágico. Aparentemente nada aconteceu. A menina invejosa já ia dizer que não estava vendo presente nenhum, quando abriu a boca e de lá saltaram cobras, lagartos e sapos. Uma coisa que dava nojo de ver. A invejosa saiu correndo para casa. Quando chegou, a mãe e a irmã caçula ficaram com pena. E a invejosa passou uma semana cuspindo coisas horríveis.

E acabou a história!

 

ADAPTAÇÃO DE AUGUSTO PESSÔA

MELANCIA E COCO MOLE

Um rapaz gostava muito de uma moça e queria casar com ela. Um dia ele foi chamado pras guerras e disse para a moça que não casasse com outro, que quando ele voltasse casaria com ela. Para ninguém desconfiar eles trocaram apelidos: o rapaz tratava a moça de... Quero ver se vocês adivinham:

 

Me chamam mela, mas não sou melão. Não é tão doce a casca quanto o coração?

 

Ele a chamava de Melancia.

E a moça o tratava por... Quero ver se vocês adivinham:

 

Tem três olhos, mas só chora por um?

 

Ela a chamava de Coco Mole.

Um dia se despediram muito chorosos e ele partiu para as guerras.

Todo dia aparecia casamento para esta moça, mas ela ficava firme.

Mas o tempo passou e não teve jeito. Apareceu um rico coronel e o pai da moça decidiu que ela havia de aceitar. A Melancia, mesmo sem querer, fez a vontade do pai e foi marcado o casamento.

No dia do casamento, o Coco Mole voltou das guerras. Quando o rapaz soube do casamento de sua amada, ficou triste de dar pena de ver. O rapaz ficou tão triste que não quis comer. Ele tinha um criado que percebeu essa tristeza e perguntou o que estava acontecendo. O Coco Mole contou tudo e o criado disse:

 

- Deixa comigo!

 

Tinha uma árvore no meio da praça onde o Coco Mole e a Melancia se encontravam sempre. O criado mandou o Coco Mole esperar na árvore e foi até a casa de Melancia. Chegando lá, encontrou já todos os convidados, o noivo e a noiva já preparados. Só faltava o padre para os casar. O criado pediu licença para fazer uma saudação para a noiva. Ele chegou junto dela e disse:


- Eu venho de terra tão longe

Perdido de tanta guerra!

Melancia, Coco Mole

É chegado nesta terra!


Todos bateram palma e disseram:

 

- Bravo, Rapaz! Faça outra!

 

E o criado continuou:

 

- Não há bebida tão boa

Como seja o aluá!

Melancia, Coco Mole

Te espera no lugar!


Todos ficaram felizes e gritaram:

 

- Muito bem, rapaz! Faça outra!


E o criado terminou:

 

- Moça, que está tão bonita

Não se esqueça do passado!

Melancia, Como Mole

Te manda muito recado!

 

Todo mundo bateu palma, mas não entendeu bem aqueles versos.

Só a Melancia entendeu. A moça levantou e disse que ia beber água. Saiu caladinha, pela porta do quintal, e foi direitinho até a árvore onde ela costumava ir conversar com seu antigo namorado. Chegando lá, encontrou o seu amor e ao mesmo tempo um padre já contratado para os casar. Os dois casaram e foram felizes para sempre.

Adaptação de Augusto Pessôa

O PRINCIPE LAGARTÃO

 

Uma Rainha queria muito ter filhos e sofria por não conseguir. Uma vez, perdendo a paciência, pediu que Deus lhe desse um herdeiro de qualquer jeito. Podia até ser um bicho. Meses depois, ela deu à luz a uma criatura estranha com corpo de lagarto.

Mesmo sendo um monstro, era filho da Rainha! Foi tratado como príncipe com tudo que tinha direito. Mas aconteceu um problema: quando a ama entregou o seio para o Lagartão mamar, o bicho deu um apertão tão forte com as gengivas que arrancou fora o peito da pobre. E isso aconteceu com todas as amas que tentaram dar de mamar ao Príncipe Lagartão.

As mulheres corriam de medo de trabalhar no palácio. O Príncipe, que apesar de lagarto tinha a voz de menino, chorava com fome. A Rainha não sabia o que fazer vendo seu filho morrer de fome. Ofereceu prêmios e muito dinheiro a quem fosse capaz de alimentar o herdeiro do reino.

Atraídas pela fortuna e presentes, as amas compareciam, mas todas ficavam sem o peito, cortado pelo lagarto no momento de começar a mamada.

Trabalhava perto do palácio um ferreiro que tinha uma filha. A jovem era inteligente como uma fada. Ela se chamava Maria e, sabendo do caso do Príncipe, teve uma ideia para resolver o problema. Mandou o pai fazer um peito de ferro e foi para o palácio. Ofereceu-se para trabalhar como ama. A Rainha avisou do problema do filho e Maria explicou;

 

- Rainha, minha senhora, pedi a meu pai para fazer uma armação de ferro na forma de meu seio! Encherei essa armação com leite e o príncipe pode mamar sem machucar ninguém!

 

A Rainha deixou Maria trabalhar no palácio. A moça encheu a armação com leite, amarrou aquilo no seu busto e deu de mamar ao Príncipe Lagartão. O pequeno ficou com as gengivas machucadas de tentar arrancar aquele peito. Mamou, mamou, ficou satisfeito e adormeceu. Tudo ficou tranquilo e os anos foram passando sem problemas.

Acontece que, sendo alimentado, o Príncipe Lagartão cresceu. Ficou enorme. Era estranho e medonho. Tinha os olhos e a voz humana, mas continuava com aspecto de lagarto.

Quando ele ficou adulto, a Rainha achou que o Príncipe tinha que casar. Foi colocado um anúncio, no reino, convidando as moças a comparecer ao palácio, para que o Príncipe Lagartão escolhesse sua esposa. Mas nenhuma moça quis casar com aquele bicho mesmo sendo herdeiro de um reino.  A Rainha falou com seu filho que ninguém queria ele como esposo e o Lagartão respondeu:

 

- Não tem importância, Rainha, minha mãe! Já escolhi minha noiva! É a Maria que me criou com o peito de ferro! Mande chamá-la e pergunte se quer fazer esse outro sacrifício por mim!

 

A Rainha mandou chamar Maria e contou o desejo do Príncipe. A moça pediu três dias para responder e foi rezar. Rezou, rezou e rezou pedindo que Deus mostrasse os caminhos certos. Voltou ao palácio e aceitou a proposta.

Fizeram o casamento no palácio. Maria ficou bonita como o raiar do dia. O noivo arrastava-se todo vestido de seda verde, bordada de ouro e pedras preciosas. Houve muita festa. No fim dos festejos o novo casal foi conduzido ao quarto.

Logo que entraram o Príncipe Lagartão apagou a luz e ficou tudo nas trevas. Maria mudou a roupa e deitou-se. Apesar da escuridão a noiva reparou que o marido estava no meio do quarto, em pé, como um homem. Ele ia tirando uma por uma as sete capas e deitando as no chão. Quando arrancou a última capa estava um homem perfeito. O rapaz foi para o leito e Maria fingiu que não viu nada.

Pela manhã, quando Maria acordou, o Príncipe estava novamente como um lagartão. Esverdeado e feio. A moça contou para a Rainha o que tinha acontecido e ela lhe disse:

 

- Maria, vista sete saias brancas, virgens de uso, molhadas na água de laranjeira. Quando for para o quarto fique na beira na cama, sentada, sem mudar a roupa. O Príncipe vai perguntar por que você não troca à roupa. Diga que só o fará ao mesmo tempo que ele. Cada saia que você tirar, ele fará o mesmo com uma capa e você reza uma Ave-Maria. No fim, quando acabarem, você pega a mão dele e espeta a ponta do dedo com esse espinho. Faça o que lhe digo e seja feliz, minha filha!

 

A Rainha deu o espinho a Maria. A jovem se bem ouviu, melhor fez.

De noite, na hora de dormir, sentou na cama vestida com as sete saias. O Príncipe Lagartão, habituado com a mulher ir logo deitando para descansar, ficou de pé como um homem, no meio do quarto, na escuridão. Reparando que a mulher estava acordada e vestida perguntou:

 

- Maria, não vai trocar de roupa para dormir?

 

E a jovem respondeu:

 

- Trocarei de roupa junto com você, meu Príncipe! Pode ser assim?

 

O Lagartão aceitou, acreditando ser uma brincadeira dela, e tirou a primeira capa colocando a em cima do tapete. Maria tirou uma saia e rezou uma Ave-Maria. E foram assim, peça por peça, até as últimas. Maria então pegou a mão do Príncipe e espetou o dedo dele com o espinho. O jovem sentiu uma dor profunda e soltou um grito. Imediatamente o quarto ficou claro como o dia e no meio estava um rapaz bonito, forte e bem feito! Belo como o sol! As sete capas ficaram transformadas em mantos lindos e as sete saias em flores de laranjeira. Maria e o Príncipe acordaram todos do palácio para contar que o encanto tinha terminado e fizeram sete dias de muita festa.

E foram todos muito felizes!

Felizes como Deus com os anjos! Felizes para sempre

 

Adaptação de Augusto Pessôa

do conto popular “Príncipe Lagartão”

O FILHO DO PESCADOR

 

Era uma vez, em um lugar distante, um pescador muito pobre. Um dia, que não tinha nada para dar de comer aos filhos, disse para a mulher que ia ao mar ver se pescava alguma coisa. Levou o filho caçula, que era um rapazinho muito trabalhador, para ajudar. Chegou lá e lançou a rede três vezes, mas não conseguiu pescar nada. De repente, do nada, surgiu um navio muito rico. Da embarcação veio uma bela voz de mulher que disse assim:

 

- Pescador, dê para mim esse rapazinho que está aí?

 

O pescador respondeu:

 

- Não posso! O rapaz é da mãe!

 

A bela voz continuou:

 

- Pois então, volte para casa e diga para sua mulher me dar o menino. Se você fizer assim, eu encho seu barco de dinheiro.

 

O pescador voltou e disse para a mulher:

 

- Mulher, não trouxe peixe nenhum, mas encontrei lá um navio muito rico e ouvi lá uma voz de mulher de dentro do navio, pedindo nosso menino. Se eu desse nosso filho, ela enchia meu barco de dinheiro. E então mulher, o que eu faço?

 

A mulher respondeu:

 

- Estamos passando necessidade. Quem sabe, lá no barco, o nosso menino não encontre melhor sorte. E ainda por cima pode nos ajudar. Pois então, dê o nosso filho!

 

O pescador foi para o mar com o filho outra vez. Lá encontrou o navio no mesmo lugar. Tornou a jogar a rede, como da outra vez, e não tirou nada do mar. Depois ouviu outra vez a voz de mulher que vinha de dentro do navio:

 

- Pescador, dê para mim esse rapazinho que encho seu barco de dinheiro!

 

O pescador respondeu:

 

- Dou!

- Pois então, traz o barco para perto do navio!

 

O pescador assim fez. A voz pediu para o rapaz subir no navio. Quando o menino subiu a bordo, começou logo a cair dinheiro no barco do pescador. Mas o homem disse que não queria mais dinheiro. Ele tinha medo que o barco afundasse. O dinheiro parou de cair. O navio foi embora com o rapaz e o barco do pescador voltou para terra.

Quando o navio chegou num porto, o caçula ouviu a voz dizer:

 

- Salte nesse porto!

 

O rapaz foi para terra e viu uma carruagem muito rica, puxada por seis cavalos. E ouviu a voz dizer:

 

- Entre nessa carruagem!

 

O rapaz assim fez. E a carruagem levou o menino até uma praia linda onde tinha um palácio muito rico. O filho do pescador entrou no castelo por uma porta de ouro. Mas depois que ele estava lá dentro, a entrada sumiu e o menino não encontrou nenhuma porta para sair. Ele foi até um salão onde tinha uma grande mesa cheia de comida. Ele comeu bastante.

Quando a noite chegou, ficou tudo escuro. Não tinha luz no castelo. Apesar dos vários candelabros, a escuridão tomava conta de tudo porque não tinha uma vela se quer para ser acesa. Assim ficou o rapaz por um ano: a mesa sempre farta, a escuridão da noite e a solidão. E o tempo passou lentamente. Até que um dia, ele ouviu novamente a voz que disse:

 

- O que você acha desse palácio?

 

E o rapaz respondeu:

 

- Acho bonito! Não me falta nem comer, nem beber. Só fico triste porque vivo sozinho, não tem luz e nem sei quem fala comigo!

 

A voz então disse:

 

- Dentro desse palácio existem três quartos secretos! Um tem roupas, outro tem um grande tesouro e no último ninguém pode entrar! Entre no quarto das roupas e escolha a que mais      agradar!

 

O rapaz correu pelo palácio e encontrou os quartos. Um deles estava repleto de riquezas, o outro cheio das roupas mais finas e o último tinha a porta trancada. Ele voltou ao quarto das roupas e escolheu uma roupa de rei. A roupa era encantada e mal ele a vestiu, ficou logo certinha no seu corpo. O rapaz escolheu também uma bela espada. Depois voltou e disse:

 

- Tenho agora comida e roupas dignas de um rei! Mas ainda não sei de quem é a voz que fala comigo!

 

E a bela voz respondeu:

 

- Sou uma princesa que está prisioneira! E só um guerreiro valoroso poderá me libertar!

 

E o rapaz respondeu:

 

- Não sou guerreiro! Mas vou libertar você de qualquer prisão!

 

E a princesa explicou:

 

- Estou presa no fundo do mar dentro de uma grande concha protegida por uma serpente marinha!

Para me libertar, você tem que entrar no terceiro quarto!

 

E o rapaz perguntou:

 

- A porta está trancada! Como faço para entrar no terceiro quarto?

 

A princesa pediu:

 

- Espere nascer o dia! Nas primeiras horas da manhã, você deve ir até a praia e pegar um pouco de água do mar. Volte ao castelo e derrame a água do mar na fechadura da porta, mas só de noite! Com isso a porta vai abrir e você saberá como me libertar!

 

O rapaz assim fez, esperou amanhecer o dia e foi na praia pegar um pouco de água do mar. Voltou ao castelo e ficou sentado em frente à porta do terceiro quarto esperando a noite chegar. Quando o sol foi embora, o rapaz derramou a água na fechadura da porta e ela se abriu. O rapaz entrou no quarto. Lá dentro uma vela acendeu, depois outra e outra e mais outra. Várias velas acenderam suspensas no ar. No meio do quarto tinha uma mesa com uma toalha branca. Em cima da mesa, uma esponja, uma rede de pesca e uma espinha grande de peixe. O rapaz ouviu novamente a bela voz de mulher falar:

 

- Pegue a esponja, a rede e a espinha! Amanhã bem cedo vá até a praia e jogue a esponja na água. A esponja vai leva-lo até o fundo do mar. Lá você encontrará a concha que é protegida por uma serpente marinha. Se a serpente estiver de olhos fechados ela está acordada. Se tiver de olhos abertos, ela está dormindo! Jogue a rede na serpente e depois bata            com a espinha na concha!

 

O rapaz fez exatamente o que a voz mandou. Pegou a esponja, a rede e a espinha e esperou amanhecer o dia. De manhã, foi a praia e jogou a esponja no mar. A esponja cresceu. O rapaz entrou na esponja que o levou para o fundo do mar. Chegando lá, o rapaz viu a concha com a serpente marinha. A serpente tinha os olhos abertos então, estava dormindo. O rapaz jogou a rede sobre a serpente e depois cortou sua cabeça com a espada para acabar com todo o mal. Bateu na concha com a espinha de peixe e a concha se abriu. Lá dentro, a Princesa mais linda que se pode imaginar. O rapaz colocou a princesa dentro da esponja e os dois voltaram para o castelo. Quando chegaram, já era noite e o castelo estava todo iluminado e cheio de gente: criados, soldados e o povo todo fazendo festa. O rapaz se tornou Rei, casou com a princesa e os dois governaram com muita sabedoria vivendo felizes por muitos e muitos anos.

 

Adaptação de Augusto Pessôa

O SAL

 

Era uma vez, em um lugar muito distante, um rei que era muito vaidoso. Ele adorava ser elogiado e admirado. O monarca tinha três filhas. Um dia sua majestade perguntou as princesas como elas gostavam dele. A mais velha respondeu que queria mais ao pai, do que à luz do Sol. A do meio continuou dizendo que gostava mais do pai do que dela mesma. E veio a mais nova e falou:

 

- Quero tanto a meu pai, como a comida quer o sal.

 

O rei estranhou a resposta. Não gostou mesmo. Achou que a filha não gostava dele. E, sem pensar na bobagem que estava fazendo, a expulsou do palácio. Ela foi muito triste por esse mundo. Caminhou bastante, até que chegou ao palácio de um jovem rei. Querendo trabalhar, ela se ofereceu para ser cozinheira. Mas já tinha uma cozinheira real no palácio e a moça ficou lavando pratos.

Até que a cozinheira real ficou doente e não podia cozinhar. A jovem se ofereceu para fazer a comida real e assim foi feito. Quando o rei provou a comida da moça ficou encantado e falou:

 

- Quem fez essa maravilha? Preciso conhecer que mãos mágicas criaram essa delícia!

 

E os criados apresentaram a cozinheira ao jovem rei que ficou mais encantado ainda por causa de sua beleza. Os dois conversaram bastante e o monarca ficou impressionado pela doçura e inteligência da moça. De encantado e impressionado, o rei ficou apaixonado. Sem se conter pediu a moça em casamento. A jovem também gostou do monarca que, além de bonito, era muito gentil. Mas ela teve uma ideia e falou ao rei:

 

- Aceito me casar, mas tenho três pedidos para fazer.

 

O jovem rei estranhou e quis saber quais eram os pedidos de sua amada. E ela disse que o primeiro pedido era que todos os reis de outros reinos deveriam ser convidados para o casamento. O segundo pedido era que ela mesma faria o banquete que aconteceria antes da cerimônia de casamento. E o terceiro pedido é que ela só apareceria na festa no final do banquete.

E assim foi combinado. Para a festa foram convidados todos os reis de outros reinos. Inclusive o rei, pai da moça. A princesa preparou uma comida especial para cada convidado. Mas, de propósito, não botou sal na comida do rei seu pai.

Durante o jantar, todos comiam com vontade. Menos um convidado: o rei, pai da princesa. Por fim o jovem rei, dono do castelo, perguntou porque é que aquele rei não comia. E ele respondeu:

 

- É porquê a comida não tem sal. Não tem sabor!

 

Nesse momento a princesa veio da cozinha vestida de noiva e explicou:

 

- Isso é para o senhor entender a minha resposta: minha vida sem o senhor é como comida sem sal. Não tem sabor!

 

O rei reconheceu a filha e pediu muitas desculpas. Pai e filha fizeram as pazes. A Princesa casou com o jovem rei e eles viveram muito felizes.

Adaptação de Augusto Pessôa

O PEIXE NO BOLSO

 

Era uma vez, em um lugar distante, um homem jovem e bonito que vivia sozinho numa choupana. Ele era muito pobre e vivia da pesca. Um dia, ele saiu bem de manhã pra pescar. Levou a tralha toda que tinha e foi para beira do rio. Armou a vara de pesca e não demorou tempo nenhum, ela começou a envergar. Fisgou, e tirou da água, um peixe bonito e colorido, mas bem pequenino. Quando ele tirou o anzol da boca do peixe aconteceu uma coisa muita estranha. O peixe falou. E falou assim:


- Não me mate! Por favor, não me mate!

 

O jovem não entendeu nada e o peixe continuou:

 

- Não me mate! Eu vou fazer você ficar muito rico e importante!

 

E o jovem pescador quis saber:

 

- Como vai ser isso?

 

E o peixinho colorido explicou:

 

- Você vai me colocar no seu bolso...

 

O rapaz interrompeu:

 

- No meu bolso? E como você vai respirar?

 

O peixe continuou a explicação:

 

- Eu consigo! E vou fazer de você um homem rico e famoso! Depois que eu conseguir, você me liberta. Pode ser?

 

O rapaz aceitou e colocou o peixe no bolso. Quando o peixe já estava no bolso disse ao rapaz:

 

- Você larga tudo que tem e vai seguir por essa estrada!

 

O rapaz só olhou e o peixe continuou:

 

- Você vai precisar só disso!

 

O peixe cuspiu e, quando o cuspe caiu no chão se transformou numa bolsa cheia de moedas. Ele cuspiu de novo e, quando caiu no chão se transformou numa espada maravilhosa. A espada de um grande herói. O rapaz pegou esses presentes e seguiu pela estrada. Viajou, viajou muitos dias, até chegar numa grande cidade. Quando chegou o peixe falou:

 

- Compre um jornal!

 

O rapaz comprou e leu no jornal o anúncio que o rei do lugar mandou publicar. O anúncio dizia que se alguém conseguisse salvar a princesa, que tinha sido sorteada para ser engolida por um bicho-de-sete-cabeças, se casaria com ela. Esse bicho vivia naquelas bandas para se alimentar. Se os governantes não oferecessem uma pessoa para ele comer, ele destruía o reino inteiro. O rapaz ficou curioso em conhecer a princesa. Tomou informações e saiu à procura dela. Andou pela estrada e encontrou a coitadinha sentada num barranco, perto de uma mata, esperando a hora de ser engolida pelo enorme bicho. Era a moça mais linda desse mundo. Usava uma roupa maravilhosa. O vestido tinha sete saias. Cada saia de uma cor. Os cabelos eram encaracolados e os olhos de um verde muito intenso. Era até um pecado deixar o bicho engolir uma moça tão linda. O rapaz foi chegando de mansinho e, com muita delicadeza, disse:


- Como vai, princesa? O que está fazendo aqui sozinha?


Ela, com ar muito triste, respondeu:


- O meu fim é triste. Estou aqui esperando a hora de ser engolida por um bicho medonho de sete cabeças. Fui destinada para isto.


O moço, com muito jeito, chegou pertinho dela e sentou. Ficou olhando para ela com muita ternura. A princesa, muito preocupada, disse:


- Eu acho bom você não ficar aqui. O bicho pode chegar agora e engolir você também.


Mas o rapaz nem ligou. Chegou mais pertinho da princesa e ficou olhando com mais carinho. Deu um sorriso bem gostoso para ela e começou a alisar os cabelos da bela jovem. Ela se encantou com a beleza do moço e também começou a fazer cafuné no rapaz. De repente, ela adormeceu. E o peixe disse:

 

- Corte um pedaço de cada saia da princesa!

 

O rapaz obedeceu. Com cuidado cortou um pedaço de cada uma das sete saias e guardou em outro bolso. Ficou ali cuidando do sono da linda moça. Até que começou a ouvir um barulho que vinha por perto:

 

- XULEP! XULEP! XULEP!

 

Era o bicho-de-sete-cabeças que estava chegando para devorar a princesa. O moço deu um beijo na testa da linda jovem, pegou sua espada e ficou de tocaia. Quando o bicho estava pertinho da princesa, o rapaz gritou:


- Esse é o seu fim, monstro terrível!


Com velocidade ele agitou a espada e deu fim ao monstro. Aí o peixe falou:

 

- Corte um pedaço da língua de cada cabeça!

 

O rapaz obedeceu. Cortou a metade da língua de cada cabeça do bicho e guardou dentro de uma bolsa. Deixou o bichão mortinho na estrada e levou a princesa para o palácio. E o peixe disse:

 

- Leve a princesa e entregue ao rei!

 

Mas o rapaz não obedeceu. Achava que a princesa devia ir sozinha ao encontro do rei. Deixou a moça na porta do palácio e foi embora.  Ninguém viu os dois na porta do grande castelo. Quando eles se separaram, a princesa deu para o rapaz um lenço azul com um beijo apaixonado. O moço arrumou hospedagem bem perto do palácio e ficou esperando para ver o que acontecia.

Depois disso tudo, passou naquela estrada um carroceiro, com a roupa toda suja de carvão. Viu o bicho-de-sete-cabeças morto, estendido no chão, e teve uma brilhante ideia. Ele também tinha lido no jornal a notícia que o rei publicou: casamento com a princesa com quem conseguisse livrar a moça do monstro perigoso. Não pensou duas vezes. Apanhou um facão, cortou as sete cabeças, pôs na carroça e foi para o palácio. No caminho ele sonhava:


- Vou mudar a minha vida. Vou casar com a filha do rei!


Chegou no palácio, pediu para o guarda ir chamar o rei e se apresentou como salvador da princesa. Mostrou as sete cabeças do monstro como prova. O rei ficou satisfeito e disse:


- Preparem um banho e melhores roupas para este moço. Ele vai ser meu genro. Palavra de rei não volta atrás.

 

E já mandou preparar uma grande festa para o noivado e casamento da filha. A princesa, muito tristonha, falou para o pai:


- Papai, não foi este moço que me salvou. Foi outro. Eu não quero casar com esse. Ele está mentindo.


O rei respondeu pra ela:


- Como não foi esse? Ele trouxe a prova, as sete cabeças do monstro que ele matou. Você não quer casar porque ele é pobre. Que vergonha, minha filha! Mas, vai ter que casar porque eu dei a minha palavra.


A princesa tentava explicar, mas o pai não mudava de ideia. Então o único consolo dela era chorar.

No dia seguinte, logo de manhã, começou a grande festa. O rapaz foi com o seu peixinho para porta do palácio. Sabendo do que estava acontecendo pediu ajuda ao amigo:

 

- O que eu devo fazer?

 

O peixinho estava chateado:

 

- Você devia ter me obedecido. Mesmo assim eu vou ajudar.

 

O peixinho cuspiu e quando o cuspe caiu no chão se transformou num cachorrinho malhado. E o peixinho continuou:

 

- Mande esse cachorrinho morder o falso noivo!

 

O rapaz obedeceu. Quando serviram a entrada do grande jantar, o noivo pobre pôs muita comida no prato. Mas quando foi levar a primeira garfada na boca, o rapaz deu ordem para o cachorrinho:


- Vai lá e derruba e morde aquele safado.


O cachorro atendeu. O noivo nem conseguiu comer. O cachorrinho deu uma mordida e ele derrubou seu prato. O homem soltou fogo pelos olhos. E gritava:

 

- Não tem ninguém nesse palácio pra tomar conta e não deixar este cachorro vagabundo entrar no salão de banquete?


Mas, o cachorrinho continuou mordendo seguindo as ordens do seu dono.

Enquanto isso, a noiva, inconformada com aquele noivo falso, chorava o tempo todo. O rei começou a ficar desconfiado da situação. Quando o rapaz soube que ia começar o casamento ficou muito triste. E o peixe falou:

 

- Eu disse para você entrar com a princesa. Agora vá para o palácio e diga a verdade! Mostre suas provas!

 

O rapaz obedeceu. Entrou no palácio, gritando:


- Parem com esse casamento falso!


Aí o rei percebeu que alguma coisa estava errada, voltou atrás e mandou parar a cerimônia. O rapaz que entrava pelo palácio perguntou:


- O que está acontecendo aqui?


O rei falou:


- É que esse noivo matou o bicho-de-sete-cabeças! E, por causa disso, ele vai casar com a princesa, minha filha.


O rapaz perguntou:


- O senhor, meu rei, tem a prova de que foi ele mesmo que matou o bicho?

- Sim, tenho.

- E o que é?

- São as sete cabeças do bicho.

- E nas sete cabeças as línguas estão inteiras?


O rei mandou verificar e viu que não estavam. O moço mostrou suas provas:


- São estas as partes da língua que faltam. E, estão aqui todas as sete.

 

Então o moço deu as sete pontas das línguas e pediu pra ir verificar se elas completam as línguas do monstro. E eram mesmo as pontas das línguas da fera. A princesa continuava dizendo para o pai:


- Esse moço aí, papai, é que me salvou.


O noivo pobre bufava de raiva. Queria matar o moço visitante. E o peixe disse baixinho ao rapaz:

 

- Mostre os pedaços da saia!

 

E o moço perguntou para o rei:


- O vestido da princesa, naquele dia que ela ia ser devorada pelo bicho, quantas saias ele tinha?


O rei respondeu:


- Eram sete saias.


Então, o moço tirou no bolso os sete pedacinhos das saias e pediu para o rei mandar ir verificar se não estava faltando um pedaço de cada uma delas. O rei chegou à conclusão de que tudo o que o moço falava era a pura verdade. Virou para o moço e perguntou:


- O que você quer que eu faça com esse noivo mentiroso?


O moço respondeu:


- Mande embora e que nunca mais volte aqui!


E foi isso que o rei mandou fazer. A festa no palácio continuou, mas desta vez com o noivo verdadeiro. Um vento forte bateu e levou os sete pedaços coloridos da saia. As cores iluminaram todo o reino. O casamento foi maravilhoso e a festa durou três dias.
No segundo dia de festa, o belo rapaz foi até a beira de um rio, pegou o peixe, o beijou e jogou o pequeno nas águas dizendo:

 

- Adeus, meu bom amigo!

 

O peixe caiu naquelas águas e sumiu sem deixar rastro. O rapaz voltou para o palácio e viveu feliz com a princesa por muitos anos.

 

Adaptação de Augusto Pessôa

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