CONTOS
ORIENTAIS

A LENDA DA LARANJA
Conto chinês
Há muitos e muitos anos, morava em certo lugar do Japão, um casal de velhos pobres que tinham como vizinho, um casal de velhos ricos. Com a aproximação do Ano Novo, o casal rico começou os preparativos para a festa. Preparou o moti (bolinho de arroz) e vários pratos deliciosos. O casal pobre ao contrário, nada tinha para comer e foi andar na praia para esquecer o infortúnio. Depois de andar bastante, os dois sentaram numa pedra e ficaram apreciando o mar. De repente uma bela ninfa apareceu como por encanto do mar e disse aos velhinhos:
-Vocês parecem tristes. Que tal vir comigo para visitar Ryugu, o palácio do Rei Dragão?
-Será um grande prazer para nós - respondeu o velhinho surpreso com a presença de bela ninfa.
Nisso num gesto suave com as mãos, a bela princesa chamou para a superfície do mar três grandes tartarugas. A ninfa convidou, os velhinhos sentaram nos cascos das tartarugas e foram levados para o fundo do mar, onde se localizava o famoso Ryugu, o Palácio do Dragão, pertencente a Shiyozuchi no Kami, o deus do Mar.
O casal havia ouvido falar do Palácio do Dragão, pois estar um dia nesse local era o sonho de todos os pescadores do antigo Japão. Porém nunca tinham imaginado que o palácio fosse tão esplendoroso. Ali passaram dias maravilhosos assistindo suaves bailados e comendo ricas iguarias. Assim, um mês se foi num piscar de olhos e a velhinha disse ao velhinho:
-Tivemos o melhor ano novo de nossa vida, porém é hora de voltarmos para nossa casa na aldeia.
Contaram para a princesa que queriam retornar a casa e agradeceram a hospedagem tão maravilhosa. A ninfa que era a princesa Toyotama Hime, filha do Deus do Mar, disse que o casal poderia ficar quanto tempo quisesse, porém se realmente estava com saudade da casa, que voltasse levando como presente uma tartaruga que estava botando bonitos ovos.
De volta a casa, alimentaram a tartaruga com todo carinho e cuidaram diariamente como se fosse uma filha. Alguns dias mais tarde, a tartaruga botou um ovo brilhante. Para surpresa do casal era um ovo de ouro! E todas as noites a tartaruga passou a botar religiosamente mais um ovo de ouro.
Como se tratava de uma aldeia pequena, a notícia correu de boca em boca e chegou ao ouvido do casal de velhinho rico. Eles foram imediatamente visitar seus vizinhos e pediram a tartaruga emprestada.
-Ficamos sabendo que vocês têm uma tartaruga maravilhosa, empreste-a por uma noite.
-Não podemos, foi um presente da Princesa Toyotama.
Apesar da recusa, o velhinho rico, apanhou a tartaruga à força e levou para sua casa. Colocaram a tartaruguinha no cômodo mais luxuoso da casa, sobre cobertores de seda pura e ficaram ansiosos esperando o amanhecer, para ver se tinha botado um ovo de ouro.
Na manhã seguinte, quando abriram a porta, ficaram desapontados ao constatar que ela não tinha botado nenhum ovo, mas sujado todo cômodo e seus ricos lençóis de seda pura, com fétidos excrementos.
Irritado o homem rico atirou a tartaruga pela janela. A coitadinha se espatifou numa rocha no precipício beira-mar, situada atrás da casa, e teve morte instantânea.
O bondoso casal vizinho foi buscar os restos mortais da tartaruga e realizou uma cerimônia de enterro. Fez uma cova no jardim e enterrou a pobre tartaruga. Tempos depois sobre a cova nasceu uma árvore. Quando essa árvore cresceu, surgiram flores brancas e cheirosas. Depois muitos frutos verdes. Quando o outono chegou, esses frutos ficaram com a casca da cor de ouro. Os velhinhos descascaram e chuparam seu suco que era delicioso. No interior do fruto encontraram pequenas sementes brancas e o velhinho disse:
-Essas sementes valem ouro, vamos plantá-las e distribuir as mudas para todas as pessoas do mundo.
Assim os velhinhos bondosos viveram felizes o resto de suas vidas pois haviam descoberto as sementes dos frutos de ouro. É por essa razão que a laranja ainda hoje tem a casca da cor de ouro.
Adaptação de Augusto Pessôa
A CHACHATATUTU E A FENIX
Conto tibetano
Vocês conhecem a Chachatatutu? Na língua do Tibet, é pequeno pássaro cinzento que faz o seu ninho na erva. Ele é o mais pequeno e o mais feio de todos os pássaros, enquanto que o mais belo e o mais nobre é a fênix.
Uma vez uma chachatatutu pôs três ovos no ninho e todos os dias, enquanto ela saía, um camundongo que vivia num terreno próximo, vinha sorrateiramente e tentava comer os ovos. Dos três ovos da ninhada dois já tinham desaparecido na boca do camundongo. A pobre chachatatutu, desesperada, foi ter com a fênix para reclamar justiça contra o camundongo.
- Oh, fênix, - disse ela tristemente - rainha de todos os pássaros! Um camundongo malandro devorou dois dos três ovos da minha ninhada. Eu já perdi dois passarinhos e por isso venho pedir vingança.
A fênix não se dignando sequer a incomodar-se por uma pequeníssima chachatatutu, não muito maior que um polegar, disse-lhe asperamente:
- Não sabe quanto eu estou ocupada durante todo o dia? Como se atreve a importunar-me com tal ninharia? E olha, são as mães quem deve olhar pelos seus filhos! Se não é capaz de cuidar deles, quem o vai fazer? O seu dever é velar pela sua família!
A chachatatutu indignada pela dureza da fênix exclamou com um ar de desespero:
- Se venho falar é porque você é a rainha dos pássaros. Mas me desprezas, tomando a minha desgraça por uma insignificância. Talvez faça mal. Às vezes uma ninharia pode ser a causa duma grande desgraça. Se isso um dia acontecer não me ponha à culpa!
A fênix não prestou nenhuma atenção ao que ela dizia, limitando-se a responder como que distraidamente:
- Sim... sim... Pois, pois....
A chachatatu receando que a fênix não tivesse ouvido bem disse:
- Porque é que você está falando "sim... sim..."? Se um dia acontecer pra você uma grande desgraça, por causa de uma ninharia, não me punha a culpa! A culpa será só sua!
A fênix mais uma vez não ligou ao que ela dizia e continuava murmurando com impaciência:
- Sim... sim... Pois, pois....
A chachatatutu vendo que não fazia ali mais nada, voltou sem esperança para o seu ninho. Depois num acesso de cólera, pegou um galho pequeno, fez dele uma flecha, empoleirou-se num ramo duma árvore e esperou, com os olhos bem abertos, à volta do camundongo assassino.
Pouco depois, o camundongo apareceu para comer o último ovo. A chachatatutu, sufocando de raiva lançou a flecha com toda a força, direitinha ao olho do camundongo. A dor foi tão forte que este se rebolou dando voltas e mais voltas, aos gritos. Cego, foi "mergulhar" mesmo nas narinas dum leão que fazia a sesta à beira-mar. Este acordando bruscamente e sem saber o que estava acontecendo, saltou desesperadamente e mergulhou na água. Na água, um dragão nadava preguiçosamente. Quando viu assim de repente, o leão cair perto dele, elevou-se subitamente no ar com medo de ser devorado, e sem querer esbarrou no ninho da fênix, quebrando o ovo que lá se encontrava. A fênix, louca de raiva, injuriou o dragão:
- Seu idiota! Não sabe que nós, as fênix, não podemos pôr senão um ovo por ano e que temos somente um filho? Porque é que voa assim como um louco para fora das águas e derruba o meu ninho e quebra o meu ovo?
- Não sou eu quem tem a culpa, fênix. - respondeu o dragão. - Enquanto eu me banhava tranqüilamente um leão saltou para a água para me devorar. Então, naturalmente, eu voei para o céu. Derrubei o seu ninho por acidente; a culpa não foi minha! Vá falar com o leão que saltou sobre mim.
Então a fênix foi procurar o leão.
- Ah, sábia fênix, - disse o leão - não me amaldiçoe. Dormia eu sossegadamente na praia, quando, de repente, um camundongo entrou nas minhas ventas. Com a dor, saltei para o rio. Como vê à culpa não é minha; é do camundongo. Ele é quem merece a sua censura, não eu.
E assim a fênix foi procurar o camundongo.
- Ah, nobre fênix, - disse timidamente o camundongo - a culpa não foi minha, mas da chachatatutu. Passeava eu ali pela grama quando ela me feriu no olho com uma flecha. Com a dor cai no primeiro refúgio que encontrei e por acaso foi nas ventas de um leão. Toda a culpa é da chachatatutu. É ela quem deve ser castigada.
Nada mais restava à fênix senão ir falar com a chachatatutu. E a pequena ave respondeu:
- Oh, fênix, eu bem tinha dito. Você me desprezou não querendo nem ouvir o que eu dizia, porque tenho um corpo pequeno, asas curtas, poucas forças e nenhuma beleza. Tomou o meu desgosto por uma bagatela dizendo que são as mães quem deve velar pela sua ninhada e que não devia aborrecer a sua nobreza. Porque é que não olhou pelo seu ninho e anda por aí a arranjar aborrecimentos com todo o mundo? O camundongo pode comer os meus ovos, porque é isso uma insignificância, mas quando o dragão derruba o seu ninho e quebra o seu ovo, então isso já é um desastre! É essa a sua justiça? Não avisei que se um dia um pequeno nada ocasionasse um desastre não culparia a mais ninguém senão a você mesma? Porque é que vem então me aborrecer?
E a fênix, envergonhada sem dizer mais nada, voou pelos ares de crista baixa.
Adaptação de Augusto Pessôa
O BROCADO MARAVILHOSO
Conto chinês
Uma velha viúva sustentava seus três filhos tecendo lindos brocados. Panos maravilhosos com animais e flores que pareciam ter vida.
Um dia ela foi à cidade vender seus trabalhos e viu numa loja um quadro maravilhoso com uma casa enorme em meio a um belo jardim. Tão encantada ficou com aquela imagem que, em vez de comprar alimentos com o dinheiro que recebera, comprou o quadro. Quando voltou para sua humilde cabana, mostrou aos filhos o que tinha comprado, dizendo:
- Ainda vamos morar num lugar assim!
O mais velho respondeu:
- Só se for em sonho!
O filho do meio acrescentou:
- Ou talvez numa outra vida!
Com pena da mãe, o caçula sugeriu:
- Por que você não tece um brocado com essa imagem? Assim, enquanto estiver trabalhando, vai se sentir como se morasse mesmo num lugar tão bonito!
Os dois mais velhos não faziam nada em casa. Só o mais novo trabalhava ajudando nos afazeres da casa. E a mãe tecia sem parar.
De noite a viúva trabalhava à luz do fogo e só abandonava o tear quando o sono a vencia por completo. Depois de um ano, cansada, a pobre mulher chorou. As lágrimas caíram sobre o trabalho e teceram um riacho e um lago. Depois de dois anos, verteu sangue dos olhos e onde ele caiu teceu um sol e várias flores rubras. Depois de três anos concluiu sua obra.
A paisagem do brocado era linda: a enorme casa tinha paredes azuis, colunas vermelhas e telhado verde. O jardim florido abrigava no centro um lago cheio de peixes. No pomar as árvores estavam carregadas de frutos e os pássaros voavam entre elas. Mais ao longe se estendiam viçosos arrozais e trigais. Um riacho cintilante corria pelo campo, e um sol radioso iluminava todo o belo cenário.
Querendo ver melhor o brocado, a viúva o levou para fora. Olhava embevecida para sua obra, quando um vento forte o arrancou de suas mãos e o carregou pelos ares. Desesperada ela pediu aos filhos:
- Encontrem meu trabalho, por favor! Para mim aquele brocado é a própria vida!
O filho mais velho calçou as sandálias e rumou para o Leste, na direção do vento. Caminhou durante um mês até chegar a uma caverna que tinha um cavalo de pedra bem na entrada. A estátua tinha a boca aberta como se quisesse comer os frutos vermelhos de uma árvore próxima. De dentro da caverna saiu uma velha bruxa. O rapaz ficou com medo e a bruxa perguntou:
- O que você quer aqui?
- Procuro o brocado de minha mãe!
- As fadas da Montanha do Sol o roubaram – disse a bruxa – Para encontrá-lo, arranque dois de seus dentes e coloque-os na boca do cavalo de pedra. O cavalo vai deixar de ser pedra e vai comer aqueles frutos. Depois ele o levará até a Montanha do Sol, passando antes pela Montanha do Fogo e pelo Mar de Gelo. Mas, se você tentar se proteger quando atravessar a Montanha do Fogo, as chamas o reduzirão a cinzas! Se tremer ao cruzar o Mar de Gelo, o frio o transformará numa estátua!
Só de ouvir isso o rapaz já estava tremendo de medo. Então a bruxa deu para ele uma caixa cheia de moedas de ouro e disse assim:
- Volte para casa! Você não tem coragem para enfrentar os perigos!
Ele pegou a caixa, mas não voltou para casa. Não queria dividir o dinheiro com sua família.
Algum tempo depois o segundo filho da viúva partiu para encontrar o brocado. Como o primogênito, foi até a caverna e encontrou a bruxa. Ficou apavorado com a idéia de enfrentar o fogo e o gelo. Ganhou a caixa cheia de moedas de ouro e nunca mais voltou para casa.
O caçula também acabou partindo. Não queria deixar a mãe sozinha, pois ela estava doente e fraca, mas a viúva insistiu tanto que o rapaz não teve como recusar. Como seus irmãos foi até a caverna e ouviu atentamente as instruções da bruxa. A velha ofereceu a caixa com moedas, mas o rapaz disse:
- Obrigado, mas preciso encontrar o brocado maravilhoso de minha mãe!
Sem sombra de medo arrancou dois de seus próprios dentes e os colocou na boca do cavalo de pedra, que imediatamente ganhou vida. Depois de comer os frutos, o animal levou o caçula até a Montanha do Fogo. O rapaz não se protegeu diante das chamas, como tampouco tremeu ao cruzar o Mar de Gelo. Por fim subiu ao topo da Montanha do Sol, onde encontrou um castelo. Entrou e viu as fadas num salão copiando a obra de sua mãe. Ele pediu o brocado de volta e as fadas responderam:
- Quando terminarmos de copiar nós o devolveremos!
Ao anoitecer elas penduraram no teto uma pérola tão luminosa quanto o sol e concluíram o trabalho. Satisfeitas, elas foram cuidar de outros afazeres. Mas a fadinha mais nova ficou no salão e, antes de devolver a obra original para o rapaz, nela bordou sua própria imagem. Com o brocado nas mãos, o moço saiu cavalgando a todo o galope. Atravessou o Mar de Gelo, transpôs a Montanha do Fogo e voltou à caverna. Ali a bruxa tirou os dois dentes da boca do cavalo e os recolocou na boca de seu legítimo dono, petrificando novamente o animal. O moço seguiu viagem e, assim que, avistou sua cabana, apressou o passo, chamando:
- Mamãe, mamãe! Venha ver!
A viúva estava na cama, frágil como um caniço, mas fez um esforço imenso e conseguiu se arrastar até a porta. Ao ver o caçula a mulher ficou completamente curada. O rapaz desdobrou o brocado para mostrá-lo para mãe. Uma brisa suave soprou e estendeu pelos ares o tecido maravilhoso até fazê-lo cobrir aldeias e campos a perder de vista. A humilde cabana desapareceu, e o desenho que a viúva tecera ao longo de três anos se tornou realidade. E junto com o cenário magnífico surgiu uma linda moça que disse:
- Sou uma fada da Montanha do Sol! Bordei minha imagem no brocado porque queria morar com vocês neste lugar maravilhoso!
E a viúva respondeu:
- Seja bem-vinda!
Pouco depois o rapaz se casou com a fadinha e nunca mais a feliz família deixou o belo casarão.
Um dia dois mendigos se aproximaram da magnífica propriedade. De longe eles a reconheceram como a imagem tecida pela viúva. Os dois afastaram-se, envergonhados. Eram os filhos mais velhos, que tinham gasto tolamente todo o dinheiro que ganharam.
Adaptação de Augusto Pessôa
A CEGONHA
Conto popular japonês
Era uma vez um jovem camponês que vivia num país onde o inverno era rigoroso.
Numa manhã onde a neve caia e caia, ele observava a paisagem da janela de sua casa. Quando os flocos pararam de cair por um instante, ele saiu caminhando e viu um movimento que lhe chamou a atenção. Ao aproximar-se, viu que era uma cegonha e estava machucada, atingida por uma flecha. De coração generoso, resolveu ajudá-la, retirando a flecha e fazendo um curativo em sua asa.
Os olhos da cegonha mostraram imensa gratidão. Levantou voo e foi-se distanciando até que o jovem a viu desaparecer atrás das montanhas. Dias depois, bateram em sua porta. Ao abrir, estava diante da casa uma moça de quimono branco, quase se misturando à neve e um manto vermelho protegendo o rosto. A moça disse que estava indo para a próxima aldeia mas acabou se perdendo no caminho. Perguntou se poderia ficar ali por uma noite. O frio lá fora era imenso.
O camponês apressou-se em colocá-la para dentro. Sugeriu que ela se sentasse perto do fogareiro e ofereceu-lhe chá bem quente.
No dia seguinte, ao acordar, o jovem sentiu um cheiro gostoso de missoshiru e foi procurar de onde vinha. Logo percebeu que sua hóspede era quem estava preparando. E há muito tempo ele não tomava uma sopa de mossô tão saborosa. Vendo a neve cair lá fora, sugeriu que a moça ficasse mais uns dias, até que o tempo melhorasse e ela pudesse seguir viagem. Ela ficou muito alegre e aceitou.
O período da neve passou, mas a moça não partiu.
Ao contrário, ficou e casou-se com o jovem. Passaram a viver muito felizes, mesmo com humildade, mas isso não tinha importância.
Um dia, a moça teve uma ideia para ajudar o marido. Pediu que ele construísse um tear. Assim ela poderia tecer e ele venderia seu trabalho na feira. Em poucos dias o tear estava pronto. Foi aí que a moça disse que ia começar a tecer, mas havia uma condição:
- Durante os três dias que eu estiver tecendo não quero que me veja. Está bem?
Ele estranhou, mas prometeu não olhar. E aguardou.
Três dias se passaram. Finalmente o tear parou e a porta se abriu. Ela trazia nas mãos um tecido que parecia ter sido desenhado por uma deusa.
Ele levou o tecido à cidade e o vendeu rapidamente por uma grande quantia de moedas de ouro. O jovem voltou todo contente e a moça disse que então, iria tecer mais um. Mas que novamente ele não poderia olhá-la por três dias. E assim foi.
Ao fim do terceiro dia, ao mostrar o trabalho, este era ainda mais belo que o primeiro, e o jovem o vendeu por uma quantia de moedas ainda maior. Voltou todo entusiasmado e pediu que ela fizesse um terceiro tecido. Ela já mostrava sinais de cansaço, mas aceitou o pedido e foi para o quarto do tear.
Mas desta vez, o marido não aguentou de curiosidade e resolveu dar uma espiada. Aproximou-se da porta. Abriu uma fresta. E viu: os fios pareciam ter vida. Rápidos, moviam-se, entrelaçavam-se uns aos outros, como uma dança, sem pausa. E em frente ao tear estava... uma cegonha, que arrancava com o bico as próprias penas e ia entremeando-as aos fios, formando as delicadas estampas. O homem fechou a porta com cuidado e continuou a esperar ouvindo o som do tear.
Logo veio o silêncio. A moça saiu do quarto. Como estava abatida... Estendeu o tecido, ainda mais lindo que os anteriores. Olhou-o nos olhos e disse:
- Sou aquela cegonha que você salvou na neve. Vim para retribuir o que fez por mim. Agora preciso ir.
- Para onde? Me perdoe, não devia ter olhado.
Ela deixou sua última obra e saiu. Lá fora o avermelhado do céu abraçava as montanhas.
- Por favor, não vá! - gritou o camponês correndo atrás da moça, que tomava sua verdadeira forma.
E os olhos dele guardaram a imagem da cegonha que foi voando... até desaparecer no céu poente.
Adaptação de Augusto Pessôa
PLOF! TIBUM, PLOF!
Conto Tibetano
Há muitos, muitos anos, seis coelhos viviam felizes nas margens de um lago, que ficava no meio de uma floresta. Um belo dia, escutaram um barulho muito estranho:
PLOF! TIBUM, PLOF!
Ao ouvirem esse barulho tão forte, os coelhos ficaram apavorados. Não sabiam o que é era aquilo e saíram correndo tão depressa quanto as suas quatro patas o permitiram.
Uma raposa vendo os pequenos correndo, gritou:
- Ei! Porque é que estão fugindo?
- E que vem aí uma coisa terrível!
- E o que é?
E os coelhos começaram a falar ao mesmo tempo:
PLOF! TIBUM, PLOF!
É uma coisa que vem te pegar!
PLOF! TIBUM, PLOF!
Ninguém poderá se salvar!
PLOF! TIBUM, PLOF!
É uma coisa que vem te pegar!
PLOF! TIBUM, PLOF!
O mundo vai se acabar!
Ouvindo isso a raposa também saiu correndo junto com os coelhos.
Na corrida encontraram um macaco, que perguntou:
- Porque é que vão assim com tanta pressa?
E a raposa e os coelhos disseram em coro:
- E que vem aí uma coisa terrível!
- E o que é?
E eles começaram a falar ao mesmo tempo:
PLOF! TIBUM, PLOF!
É uma coisa que vem te pegar!
PLOF! TIBUM, PLOF!
Ninguém poderá se salvar!
PLOF! TIBUM, PLOF!
É uma coisa que vem te pegar!
PLOF! TIBUM, PLOF!
O mundo vai se acabar!
O macaco também saiu correndo com os coelhos.
E cada vez que eles encontravam um bicho a correria começava. E era todo mundo correndo: o veado, o porco, o búfalo, o rinoceronte, o elefante, o urso preto, o urso castanho, o leopardo e o tigre corriam desesperados numa grande atrapalhação e ninguém pensava em mais nada, senão em escapar daquilo o mais depressa possível. Quanto mais corriam, mais o medo aumentava.
Até que o grupo passou pelo leão. O rei dos animais que tinha uma grande juba, e vivia no alto de uma montanha, viu o grupo correndo e rugiu alto:
- Vocês estão correndo de quê?
E os coelhos se apressaram em responder:
- É que vem aí o plof!
- E quem é esse plof? – perguntou o leão da juba grande
E todos falaram juntos:
PLOF! TIBUM, PLOF!
É uma coisa que vem te pegar!
PLOF! TIBUM, PLOF!
Ninguém poderá se salvar!
PLOF! TIBUM, PLOF!
É uma coisa que vem te pegar!
PLOF! TIBUM, PLOF!
O mundo vai se acabar!
Mas o leão da juba grande não ficou com medo e perguntou para o grupo:
- Onde é que está esse tal plof?
- Bem... Eu não sei bem...
Gaguejou o tigre sendo acompanhado pelos outro bichos. E o leão perguntou:
- Então porquê esta confusão toda? Quem é que é que começou com isso, tigre?
- Foi o leopardo!
E o leopardo falou que foi o urso castanho que tinha começado. O castanho disse que foi o urso preto. E o preto... E assim seguiram todos os bichos: o elefante, o rinoceronte, o búfalo, o porco e o veado. Todos, um por um, responderam que tinha sido outro que tinha começado. Finalmente chegou a vez de perguntar a raposa e ela disse sem graça:
- Foram os coelhos que me disseram!
E o leão perguntou aos coelhos quem era o tal plof. E os pequenos disseram em coro:
- Nós, os seis, ouvimos esse terrível plof com os nossos próprios ouvidos! Venha ver!
Os coelhos levaram o leão até a floresta. Quando chegaram ao lugar onde tinham ouvido aquele barulho, apontaram para a água e disseram:
- O terrível plof está ali!
Nesse exato momento caiu uma fruta da árvore e ao bater na água fez “plof”!
O leão sorriu com ironia.
- Vejam! Vejam todos! Viram o que é o “plof”? Tanta aflição, para nada!
E acabou a história.
Adaptação de Augusto Pessôa
O PINTOR
Conto chinês
Havia uma vez um pintor na antiga China que era um grande mestre na sua arte. Pintava com grossas tintas com tanto cuidado, com tanta dedicação que os seus quadros pareciam ter vida.
Quando pintou um cavalo, as pessoas colocaram uma cerca em volta do quadro com medo do cavalo fugir.
Quando pintou uma janela com delicadas cortinas o vento soprava devagar tentando balançar aquele tecido tão fino.
Fez um quadro com rosas e as abelhas voavam a sua volta tentando colher o pólen daquelas flores. Alguns sentiam o delicado perfume da roseira.
Tudo que ele pintava causava esse espanto e admiração por parecer tão real.
Um dia o pintor estava em casa e chegaram os soldados do imperador. O pintor não sabia o que eles queriam e os soldados mostraram uma ordem de prisão. O mestre pintor não mostrou resistência e foi levado até o castelo de sua majestade. Chegou lá e foi colocado na frente do imperador que parecia furioso. O monarca gritava:
- A culpa é sua!
O pintor não entendeu nada e o imperador continuou com sua raiva:
- Meu filho cresceu nesse palácio cercado por suas pinturas. Tudo de grande e rara beleza. Mas quando ele saiu para ver o mundo encontrou feiúra e desencanto. Ficou tão desesperado que caiu doente. A culpa é sua por ter enganado meu filho. Por isso será condenado a morte.
O pintor tentou dizer que ele não tinha culpa. Que só pintava o que via e sempre procurou a beleza. Mas o monarca estava irredutível. O pintor vendo que não sairia daquela situação com facilidade, teve uma ideia e pediu ao imperador:
- Aceito o seu castigo, majestade, pela falta terrível que causei. Mas faço um pedido final: gostaria de pintar meu último quadro. O senhor, meu imperador, permite?
O monarca ficou curioso em ver a última obra daquele mestre pintor e permitiu. Ele faria sua última pintura depois morreria. Os soldados pegaram telas, tintas e pincéis na casa do pintor e colocaram tudo num quarto onde o mestre das tintas ficou prisioneiro. O mestre pegou uma grande tela e colocou no cavalete. Com cuidado e delicadeza foi misturando tintas azuis e pintou um grande céu estrelado. A lua brilhava com força boiando naquele céu iluminado. Depois começou a pintar um mar calmo. Os pincéis e as tintas foram se agitando e o mar foi ficando revolto com ondas grandes. O pintor trabalhava sem cessar naquele mar que ia crescendo na tela. As ondas subiam e desciam. O vento soprava. Tanto soprava que as cortinas do quarto do pintor começaram a balançar com força. A tinta azul foi sendo derramada no quadro e começou a transbordar aquela água salgada. E o quarto foi se enchendo de água que correu pelos corredores do castelo e encheu a sala do trono. A água foi se espalhando pelo reino alagando tudo. Quando o imperador viu aquilo mandou que os guardas destruíssem a pintura e matassem o pintor. Mas o mestre das tintas foi mais rápido. Com um delicado pincel ele pintou um bonito barco a vela. Subiu no barco e navegou até outro reino onde ele está até hoje fazendo suas pinturas incríveis. O imperador não pode fazer mais nada.
E acabou a história.
Adaptação de Augusto Pessôa
SETE SÁBIOS CEGOS
Sete sábios, cada um de uma religião, discutiam qual deles conhecia, realmente, a verdade. Um rei muito sábio que observava a discussão aproximou-se e perguntou:
- O que vocês estão discutindo?
- Estamos tentando descobrir qual de nós é dono da verdade.
Ao escutar isso, o rei, imediatamente, pediu a um de seus servos que trouxesse sete cegos e um elefante até o seu castelo. Quando os cegos e o elefante chegaram ao palácio, o rei mandou chamar os sete sábios e pediu-lhes que observassem o que aconteceria a seguir. O sábio rei pediu aos cegos que tocassem o elefante e o descrevessem, um de cada vez.
O primeiro cego tocou a tromba do elefante e disse:
- É comprido, parece uma serpente.
O segundo tocou-o no dente e disse:
- É duro, parece uma pedra.
O terceiro segurou-lhe o rabo e disse:
- É cheio de cordinhas.
O quarto pegou na orelha e disse:
- Parece um couro bem grosso.
E assim, sucessivamente, cada cego descreveu o elefante de acordo com a parte dele que estava tocando. Quando todos terminaram de descrever o animal, o rei perguntou aos sete sábios:
- Algum desses cegos mentiu?
- Não! - responderam os sábios em coro – Todos falaram a verdade.
Então, o rei perguntou:
- Mas algum deles disse realmente o que é um elefante?
- Não, nenhum cego disse o que é um elefante, mesmo porque cada um tocou apenas uma parte dele - disse um dos sábios.
- Vocês, sábios, que estão discutindo quem é dono da verdade, parecem cegos. Todos estão falando a verdade, mas, como os sete cegos, cada um se refere apenas a uma parte dela – disse o sábio rei, concluindo: - Ninguém é dono da verdade, porque ninguém a detém por inteiro. Somos donos apenas de parte da verdade.
Adaptação de Augusto Pessôa
O SONHO DE ISMAR
Há muitos e muitos anos, vivia na cidade de Damasco, na Síria, um pobre homem chamado Ismar. Ele sempre lutou para ganhar a vida dignamente. Não pode estudar e aprender uma profissão. Fazia qualquer espécie de serviço: limpava jardins, carregava pedras, buscava água, sempre com boa vontade, trabalhando sem se queixar. Com o passar dos anos, porém, Ismar começou a sentir-se cansado e preocupado. Durante a vida toda só trabalhou e nunca conseguiu juntar qualquer dinheiro, nenhuma economia que pudesse socorrê-lo em caso de necessidade. A única coisa que tinha de seu era uma casa, herança antiga da família.
A casa ficava num bairro pobre de Damasco, no fim de uma rua esburacada. Era feita de pedras e protegida por um portãozinho de madeira. Atrás da casa corria um riacho; à beira do riacho crescia uma velha figueira e era à sombra dessa figueira que Ismar costumava descansar depois de trabalhar a manhã toda. Ali ele refletia sobre sua vida e se perguntava o que seria dele quando a velhice não lhe permitisse mais o esforço físico. Estou ficando velho, pensava, não tenho filhos que me possam sustentar. Será que Alá, meu pai divino, vai me abandonar?
Sempre assim cismando, um dia Ismar dormiu, recostado à figueira, e teve um sonho. Sonhou que estava na cidade do Egito. Ele nunca havia estado realmente no Egito, mas no sonho passeava com desembaraço pela avenida central da cidade e distinguia perfeitamente os mercadores de tapetes. Atravessando uma praça, ele dobrava à direita, descia uma rua estreita e chegava a um rio. Sobre o rio havia uma ponte e embaixo da ponte - ó maravilha! - um cofre repleto de moedas e jóias reluzentes!
Quando acordou, Ismar teve certeza de que aquele era o tesouro que Alá lhe reservara. O sonho tinha sido tão nítido, tão preciso nos detalhes, não havia engano! Sem pensar em mais nada, ele arrumou sua trouxa e pôs-se a caminho do Cairo. Era uma longa distância, principalmente para ele, que ia a pé e sem dinheiro. No entanto, movido pela convicção de encontrar sua fortuna, Ismar atravessou desertos e vales, rios e florestas, até chegar, finalmente, exausto e maltrapilho, à cidade que lhe aparecera em sonho. Sua fé, então, redobrou de vigor, pois o Cairo era exatamente como ele havia sonhado! Ele reconheceu a avenida principal e os mercadores de tapetes. Chegou à praça, virou à direita, desceu a rua, avistou o rio, aproximou-se da ponte, mas... No exato lugar em que deveria estar o tesouro, não havia cofre algum. Havia, isso sim, um mendigo mais pobre e maltrapilho que ele.
Chocado, Ismar deu-se conta da sua loucura! Como pudera acreditar tão piamente num simples sonho? Que tolo fora! E agora, com que forças enfrentaria a viagem de volta? Que impulso de fé ou esperança sustentaria aquela alma tão esvaziada pela decepção? Não, pensou ele. Melhor será acabar com os meus dias aqui mesmo. Nenhuma esperança me resta. E, decidido a se afogar, subiu à ponte. Já estava quase se atirando quando sentiu que alguém o segurava, agarrando sua perna por debaixo da ponte. Era o mendigo que gritava:
- Hei amigo! Cuidado, você pode morrer! Esse rio é perigoso!
- Ainda bem! - respondeu Ismar - É isso mesmo que desejo: matar-me.
- Não faça isso. - ponderou o mendigo - Você ainda tem muito que viver. Escute, desça até aqui e conte-me a sua história. Faça sua última boa ação, entretendo um miserável como eu. Depois, se quiser, pode se matar!
Ismar hesitou, mas resolveu afinal repartir suas dores com aquele desconhecido. Contou-lhe o sonho, concluindo:
- Então, no mesmo lugar em que deveria estar o cofre, estava você... Agora, diga-me, não tenho razão em querer acabar com minha vida?
- Olhe, - exclamou o mendigo - não queria dizer isso, mas acho que você tem razão. Você foi muito irresponsável, um louco! Acreditar num sonho! E que você sonhou só uma vez? Veja se tem cabimento! Pois fique sabendo que eu, há cinco anos, tenho o mesmo sonho, que se repete quase todas as noites. E não é por isso que vou sair correndo atrás do que sonhei.
- E o que você sonha? - perguntou curioso Ismar.
- Escute só: eu sonho que estou na Síria, na cidade de Damasco, o que já é uma asneira, pois nunca estive na Síria. Estou num bairro pobre, seguindo por uma rua esburacada. No fim da rua há uma casa de pedra, protegida por um portãozinho de madeira. Atrás da casa corre um riacho; à beira do riacho cresce uma figueira e, dentro dessa figueira, que é oca, há um tesouro! Não é uma bobagem? Eu é que não sou louco de acreditar em sonhos, não acha?
Ismar não respondeu. Estava pasmo, pois reconhecera, pela descrição do mendigo, a sua rua, a sua casa, a sua amada figueira! Compreendendo os laços do destino, abraçou o mendigo, tomou o caminho de volta e chegando à sua casa, foi direto à velha árvore, onde o tão sonhado tesouro o aguardava.
Adaptação de Augusto Pessôa
O PINTOR DO CÉU
(História do folclore tibetano)
Há muito tempo, vivia no sul da China um velho pintor muito talentoso. O que ele mais gostava de retratar eram rostos de crianças. Toda semana pintava sete carinhas diferentes, uma para cada dia.
Certa noite, quanto o velho pintor trabalhava, caiu uma tempestade horrível. Ele estava tão entretido em fazer o retrato de uma linda menina que nem percebeu que ao seu lado surgiu uma misteriosa figura. A figura colocou a mão no ombro do pintor e disse:
- Eu sou a Morte, velho pintor! Chegou a sua hora! Eu tenho que levar o senhor comigo.
O homem não ficou assustado. Continuou a pintar tranquilamente e respondeu:
- Morte, por favor, diga ao Senhor do céu que estou muito ocupado e não posso partir sem terminar esse retrato.
A Morte ficou espantada com a resposta do homem. Curiosa olhou para o quadro que estava sendo pintado e ficou encantada. O rosto que estava sendo pintado era tão lindo e vivo que parecia sorrir. Emocionada, a Morte foi embora. Quando chegou ao céu, o Senhor do céu perguntou:
- Morte, o que aconteceu? Você voltou sozinha?
- Senhor, me perdoe, mas não consegui interromper o velho mestre. Ele estava pintando um rosto tão lindo…
O Senhor do céu não gostou:
- Mas Morte, o tempo dele na Terra já acabou! Você tem que voltar e trazer o pintor!
Ela foi. Mas, quando a Morte chegou à casa do pintor, ficou novamente encantada. Os quadros do mestre eram tão maravilhosos que ela não queria que ele parasse nunca de pintar. Mas ela precisava cumprir a ordem do Deus do céu. E a Morte teve uma ideia:
- Mestre pintor, tenho que levar o senhor! Mas quero que leve seu material e o quadro que está pintando.
Ao chegar no céu a Morte mostrou o quadro ao Senhor do céu que ficou encantado de tanta beleza e compreendeu a atitude da outra. Impressionado Ele disse:
- Meu velho e sábio mestre, soube que na Terra você era um pintor célebre. Pois bem, vou permitir que continue a trabalhar no céu.
E foi assim que o pintor ficou trabalhando no palácio celeste junto com o Senhor do céu. Cada vez que ia nascer um bebezinho, o pintor era chamado para criar seu rosto. E é por isso que, até os dias de hoje, todas as crianças são belas. Elas trazem em seus rostos o talento maravilhoso do velho mestre. A arte do pintor dos céus.
Adaptação de Augusto Pessôa
